COLUNAS
Sexta-feira,
7/7/2006
iSummit 2006, Creative Commons e Cory Doctorow
Cristiano Dias
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Cris Dias e Cory Doctorow no iSummit 2006 em junho no Rio
Para entender bem o que é o movimento iCommons e sua cara jurídica, as licenças Creative Commons, talvez seja melhor começar pelo fim do iSummit, evento realizado pela entidade entre os dias 23 e 25 de junho no Rio de Janeiro. Depois de três dias de palestras e workshops, todos os participantes do evento subiram ao terraço do hotel Marriot, em plena praia de Copacabana, onde Joi Ito, chairman do iCommons, fez um brinde. "Eu estou aqui em cima desta mesa fazendo este brinde só porque alguém precisava subir aqui. Mas o brinde é para vocês todos que constroem um mundo usando nossas ferramentas."
O novo mundo, globalizado e conectado, enfrenta mais um desafio para a integração, os direitos autorais sobre criações artísticas e intelectuais ao redor do mundo. Segundo o modelo de copyright capitaneado pelos EUA e pela OMPI (Organizacao Mundial da Propriedade Intelectual), tudo que é produzido nos países membros da organização é coberto por direitos autorais totais e irrestritos. A cópia, exibição e alteração de qualquer conteúdo deve ser autorizada previamente pelo seu "dono", que muitas vezes nem é o próprio autor mas, sim, entidades detentoras de direitos autorais, que vivem da exploração destas licenças. Tudo é um contrato, mesmo quando não há um contrato. "A lei brasileira vai nesta linha internacional, dizendo que todo conteúdo está protegido até disposição ao contrário" - conta Ronaldo Lemos, professor da FGV e coordenador do Creative Commons no Brasil - "Se você coloca uma foto em um fotolog, eu posso pegar essa foto e usar? Pela lei atual, não. Mas isso vai de encontro ao conceito básico da Internet, que é o da troca e do compartilhamento. Por isso o Creative Commons é um conjunto de ferramentas legais que podem ser facilmente usadas por quem deseja dar um ou outro uso mais livre para suas obras."
Contratos de direitos de uso são coisas complexas demais para um simples autor ou artista. Mas até o surgimento do Creative Commons cada pequeno produtor só tinha duas escolhas: ir na solução padrão de "todos os direitos reservados" ou contratar os serviços de um especialista em direitos autorais, o que acabava sendo impraticável. Foi quando um grupo de especialistas e entusiastas, capitaneado pelo professor de direito da Universidade de Stanford Larry Lessig, criou em 2001 as licenças Creative Commons, que podem ser utilizadas livremente por quem quiser em todo o mundo. Com uma rápida visita ao site, o criador de conteúdo responde a algumas peguntas simples como "você autoriza o uso de sua obra para fins comerciais?" e recebe a licença correta para sua intenção, no seu idioma natal. E é justamente nesta escolha que está uma das belezas do Creative Commons, a noção de que cada um tem seu próprio conceito de liberdade. Enquanto outras licenças como a GNU Public License, do mundo do software, é bem específica quanto ao que pode e não pode ser feito, um autor Creative Commons pode permitir um determinado uso de sua obra e outro pode escolher não liberar este uso.
Então por que o Brasil, um país de analfabetos, deve se preocupar com direitos autorais, licenças de uso e outras complicações de advogados? Justamente porque como as empresas de direitos autorais estão, em sua maioria, nos países desenvolvidos, são nossos autores os mais afetados pelas leis restritivas. Cory Doctorow, escritor canadense e membro do Boing Boing, um dos blogs mais lidos do mundo, dispara: "Seu ministro da cultura, Gilberto Gil, queria lançar sua obra sob o Creative Commons, mas a Time Warner não deixou. Por que a Time Warner está dizendo ao ministro da cultura do Brasil se sua arte pode ou não pode ser usada pelo povo brasileiro para criar novas obras de arte?". Doctorow faz um paralelo com uma política ainda viva na memória brasileira: "Um bibliotecário de Uganda uma vez me disse que os tratados de direitos autorais de hoje são como as políticas monetárias do FMI de outrora. O FMI ia aos países em desenvolvimento e dizia 'você tem que privatizar seu abastecimento de água e vender para empresas estrangeiras'. Mas os países que seguiram as recomendações do FMI não se desenvolveram. Então, na medida em que os países seguirem as políticas e tratados da OMPI e tratados de comércio com os EUA, vão se colocar numa posição onde estarão vendendo seus interesses nacionais." Ele ainda completa: "O Brasil precisa ditar suas próprias regras. Os americanos formaram sua base de conhecimento em cima do que hoje se chama pirataria. Os editores pagavam Mark Twain vendendo livros de Charles Dickens sem pagar pelos direitos autorais!"
Mas oferecer ferramentas para que os criadores de conteúdo possam compartilhar suas obras é só o primeiro passo, concordam Lemos e Doctorow. É preciso repensar as leis de direito autoral. "Algumas pessoas dizem que a maconha é a porta de entrada para outras drogas" - explica Cory Doctorow - "Não vem ao caso se isso é ou não verdade, mas eu acho que o Creative Commons é a porta de entrada para o copyfight, para a compreensão do que é um bom sistema de direitos autorais e uma luta por ele". Uma das chaves está na chamada cláusula de fair use, que muda de país para país mas que dita, basicamente, que uma obra pode ser usada em certos usos como os de crítica, paródia, cometário, notícia, ensino, etc. mesmo que o autor da obra não autorize seu uso. "Essa é a base da cultura, pessoas criando em cima do trabalho de outras. Os interesses comerciais das empresas detentoras dos direitos não podem ter precedência sobre a cultura." - finaliza Doctorow.
Para ir além
Leia também "Criei, tive como"
O iSummit 2006 em foto de Cris Dias
Nota do Editor
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Cristiano Dias
Rio de Janeiro,
7/7/2006
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