"Olha, o disco estava sendo planejado para ser um álbum duplo. Iam ser 25 músicas. Grande parte desse material teria base acústica. A gente estava pegando muita coisa feita entre Aborto Elétrico e a Legião, música que eu tocava no violão. Íamos fazer arranjos para o conjunto tocar. Não deu certo por causa de uma série de problemas. Então tivemos que fazer uma redefinição do trabalho. Agora será um disco com 12 músicas, que tem um fio condutor, uma idéia central.(...) Tem muita música de amor, mas tem, também, música que fala do social, do político, mas num contexto emocional, num contexto individual, algo mais ou menos como 'Baader-Meinhof Blues', só que sem aquela parte negativa. Eu acho que as idéias da gente estão bem gerais e não muito específicas. É um lance assim, ao invés de falar das pessoas que poluem os mares, ou das guerras, a gente prefere falar do universal, da experiência individual(...). Todo mundo respira, todo mundo sonha, todo mundo é confuso sexualmente(...), todo mundo tem medo da morte. Então a gente quer falar sobre isso: do ponto em comum que une todas as pessoas." Renato Russo, sobre o Dois
Legião Urbana me marcou muito na adolescência. Na juventude, eu descobri a música brasileira, além do rock, e passei a admirar Cazuza muito mais que Renato Russo. Cazuza tem achados verbais que eu considero até hoje e poderia ter transposto o rock, como transpôs em "Faz parte do meu show" (uma letra genial que a novela, claro, estragou). Renato Russo, pouco antes de morrer, se aventurava em outros gêneros, como o sempre revisitado american songbook (The Stonewall Celebration Concert, 1994), e como o pop italiano contemporâneo (Equilíbrio Distante, 1995) - fora que planejava gravar os "mineiros" (do Clube da Esquina em diante). Não houve tempo. Ou houve, e ele não conseguiu se livrar da pecha de "roqueiro".
Embora minha admiração estética por Cazuza seja muito maior, e eu o entenda melhor como artista, porque ele era um todo - cênico, lírico, etc. -, o Renato Russo permanece um enigma. Analisando friamente agora, não acho tanta graça nas letras da Legião Urbana, mas, quando escuto as canções, sinto que algumas delas ainda podem me levar às lágrimas... Por quê? É o que tento responder neste texto.
O Renato Russo permanece enigmático porque, ao contrário do Cazuza (com toda a sua loucura), ele não tinha um projeto estético. O Cazuza escreveu sobre a sua geração, coisas que podem ser lidas até hoje (como um manifesto), sobre seu envolvimento com o rock etc. - e soa bastante coerente. Tanto é que puderam fazer um filme inteiro sobre ele.
Para escrever aqui, fui atrás de um livro de entrevistas que tenho sobre o Renato Russo - meio oportunista, é verdade, editado logo depois que ele morreu -, mas, em vez de esclarecer, me confundiu mais. Ao contrário do Cazuza que lidava muito bem com a mídia (até naquela capa polêmica da Veja), Renato Russo lidava muito mal com os jornalistas. Era introvertido e detestava a exposição. Cazuza era um ser de palco, que estreou no Circo Voador e que estourou a voz logo no primeiro show do Barão; já Renato Russo não gostava de turnês, era desengonçado quando dançava, tentava desfazer a aura messiânica (em vão) e arranjou, quase sem querer, brigas nos próprios shows. A Legião Urbana não tocava em festivais; o Barão Vermelho se consagrou no Rock in Rio I. Cazuza era, como escrevi, um "narciso"; Renato Russo era feio e queria ter nascido Alain Delon.
Então, as entrevistas de Renato Russo pouco me ajudaram a entender quem estava por trás das letras. Claro que poeta não é necessariamente "eu lírico", mas eu gostaria de encontrar as pistas para o que o letrista Renato Russo andou realizando. O que ele leu, por exemplo? Ele nunca respondia diretamente. Falava em "Shakespeare", apenas para ser genérico; citava "Drummond", naturalmente, como todo mundo cita. Penso que era mais sincero quando elencava Chico & Caetano - sobretudo o impacto que lhe causou Construção (impacto que não refresca muito, porque foi causado em praticamente todo mundo pós-1971...). De qualquer modo, confirmei uma hipótese: Renato Russo ouviu muito rock, e ponto final. Era um filho da "revolução" (de 64), morou fora em criança (nos EUA, seu pai era funcionário do Banco do Brasil), xingou mas consumiu os "enlatados" todos - e escreveu sobre esse "lixo" (comercial, industrial), que "cuspiu de volta", em forma de canções, "em cima de vocês" ("Geração Coca-Cola").
Se o background do "artista" Renato Russo não me deixou muitas pistas - ou trilhas profundas que justificassem minha inicial fascinação -, desisti do objeto e parti para o sujeito. Por que aquilo tudo, de repente, me disse tanto? O que era "aquilo tudo"? Eu conseguia "delimitar"? Uma vez "delimitado", eu conseguiria, por fim, explicar?
Descobri, nessa investigação, que a Legião Urbana que me interessava estava nos três primeiros álbuns. Mas não era tanto o punk rock do início, nem o começo de um papo cabeça, "adulto", que se consolidaria a partir de As Quatro Estações (1989). O epicentro, digamos assim, do meu interesse estava no Dois (1986). O segundo disco, aquele do lado acústico, do lirismo adolescente que o Renato compôs, cronologicamente, antes dos vinte anos.
Em seguida, fui ouvir os CDs - e detectei uma porção de temas que despertaram o interesse de uma verdadeira multidão (eu lá no meio...).
Musicalmente, os três primeiros discos são confusos porque misturam as composições da banda punk que precedeu a Legião Urbana, o Aborto Elétrico, com o tal do approach acústico, com uma temática pós-juventude que devagarzinho surge... Ouvindo com atenção - não com ouvido de fã -, as diferenças saltam aos olhos. E a produção fica meio estrambótica; tanto que a própria banda tentou explicar isso num texto introdutório, encartado em Que país é este? (1987, o terceiro). Para completar a salada, segundo as entrevistas do livro que eu li, o Dois e o "Três" eram um álbum duplo único, feito com o intuito de ser lançado assim no mercado. Ou seja, esmiuçar a coisa faixa a faixa dá um trabalho danado porque, embora haja três discos físicos, faltou unidade e, conceitualmente, amarração.
Se é, para mim, quase impossível falar de Legião Urbana (1985, o Um), Dois e Que país é este?, cada um como um projeto em separado, agrupei os assuntos "cantados" de acordo com as fases da vida, e cheguei, creio, a um resultado mais interessante.
Fora a adolescência, que pegou a mim e mais a tantos milhões, há também uma certa "juventude" e a já citada "idade adulta". (Sempre dentro da perspectiva do Renato Russo.) A juventude está meio misturada com a adolescência, então vou falar dela aqui também. Já a fase "adulta" vou jogar fora, porque acho meio batida. Nela, há a televisão, o consumo de massas, o golpe militar, Brasília, a burocracia, a violência da polícia, a violência urbana, o rock e o País do Futuro. Um vocabulário de que estamos já cansados - e um vocabulário que o Renato Russo mesmo não domina 100%. Quando ele tenta fazer sociologia, ele me soa ingênuo. Para mim, só quando ele é "adolescente" (e "jovem") é que ele é autêntico.
Concluí que a adolescência - para quem não lia e vivia aquela época no Brasil dos anos 80 -, está inteira em "Quase sem querer". A confusão, a indecisão, o "diferente". Ao mesmo tempo, a impaciência e a "tranqüilidade"; a distração e o contentamento. Renato Russo cantou tudo isso nos seis primeiros versos da música. (Quem sabe, lembra; quem não sabe, deveria ouvir.) Mais para frente, ele completava que "procurava explicação para o que sentia"; e, mais atrás, ele insinuava que toda essa metamorfose, psíquica, acontecia por causa de uma paixão (!). O "eu" de "Quase sem querer" afirmava não ser mais "criança" e descobria o amor através do pranto do ser amado... Eu não sei quanto a vocês, mas a marca da minha adolescência foi meu primeiro amor. Em 1985. Então, em 1986, "Quase sem querer" caiu como uma luva.
Além da adolescência em si, Renato Russo é muito hábil ao abordar o conceito de tempo, como ele "muda", como o percebemos quando "crescemos"... "Tempo Perdido", é óbvio. A angústia que eu senti, aos catorze anos, quando aventei a hipótese de minha morte, e o mundo simplesmente continuando sem mim...! Acordar, "todos os dias", e perceber que o ontem já foi - diz a canção. Ao mesmo tempo (ao notar isso), ser "tão jovem" e ter "todo o tempo do mundo". O jovem tem, em resumo, a ilusão da própria imortalidade mas tem, também, a consciência da sua finitude. Mas, e aí, qual a solução? "Sempre em frente", o vocalista responde. E a modernidade, e os tempos modernos, batem à porta: "Não temos tempo a perder". Quantos "tempos" até agora, você contou? Renato Russo, espertamente, não fecha a equação - descamba para a relatividade: "Temos nosso próprio tempo", define.
Fora "Quase sem querer" e "Tempo Perdido", a mais emblemática da adolescência, em Dois, é "Andrea Doria" - uma das poucas que Renato Russo admitia que se sustentava como "poesia", porque ainda fazia sentido sem a música. De novo, as mudanças e as inseguranças típicas dessa fase da vida: "Eu sei - é tudo sem sentido". A carência: "Quero tua força, como era antes". A descoberta e a busca, incessante, do outro (em suma): "Quero ter alguém, com quem conversar. Alguém que, depois, não use o que eu disse... contra mim". E o fechamento como a constatação da diferença, movida por uma forte rejeição (a homossexualidade, talvez?), ou por conta de uma individualidade que sempre se choca contra o grupo (no meu caso, também): "Nada mais vai me ferir... É que eu já me acostumei, com a estrada 'errada' que eu segui, como a minha própria lei" (aspas minhas).
É uma filosofia de vida que guarda muito sentido quando, já no primeiro disco, ele declara na primeira faixa: "Eu posso estar sozinho, mas eu sei muito bem (a)onde estou". O tipo de afirmação, ou de percepção, da solidão que me atraiu muito. E a outros tantos, também... E Renato Russo projetava a sua solidão nos "outros", que seguiam a turma, que adotavam os modismos (que eu também detestava), em "A Dança": "Você com suas drogas/ E as suas teorias/ E a sua rebeldia/ E a sua solidão!". Berrava a última palavra; e podia muito bem estar diante de si, no espelho. Uma solidão de abandono, não apenas sentimental, aparecia em "Ainda é cedo": "Eu só queria estar ali: sempre ao lado dela - eu não tinha (a)onde ir". Uma história ainda mais desalentadora quando revela o seguinte fato (um ponto de inflexão na narrativa): "Ela também estava perdida - e, por isso, se agarrava a mim também. Eu me agarrava a ela. Eu não tinha mais ninguém". (Agora, lendo, brota um aspecto maternal que antes me escapava, para enriquecer e, claro, complicar.)
E nos fisgaram - falo de mim e dos milhões de compradores de discos da Legião Urbana -, os amores (não só platônicos), as histórias, até as aventuras que ainda iríamos viver (ou gostaríamos de). É a ponte, no meu ponto de vista, entre a fase da "adolescência" e a da "juventude" - na "poética" do Renato Russo. "Ainda é cedo" (continuando...) guarda, evidentemente, isso: "Uma menina me ensinou, quase tudo que eu sei(...) Ela fazia muitos planos(...)". Um primeiro amor, fisicamente consumado, que acaba de maneira triste: "Ela me disse: 'Eu não sei mais... o que eu sinto por você. Vamos dar um tempo... Quem sabe, um dia, a gente se vê'". Depois de ofensas mútuas: "Falamos o que não devia nunca ser dito por ninguém". E Renato Russo, ou o "eu lírico", não se conformava no refrão: "E eu dizia: 'Ainda é cedo. Cedo, cedo, cedo...'". (Agora me ocorre a lembrança de um amigo que viveu exatamente essa história - e, anos depois, ainda escrevia cartas para a tal fulana, que lhe ensinou tudo.)
"Eduardo e Mônica", de tão bem construída, se tornou emblemática, mas eu prefiro pulá-la porque ficou muito marcada e porque eu vejo nela mais um aspecto de comédia, de crônica de costumes, do que uma profundidade mais presente nas letras genéricas e não-específicas. "Faroeste Caboclo", idem - complementando com o aspecto social, igualmente bem acabado, mas que não me convence 100%. (Será, por exemplo, que alguém tomou alguma medida - falo do poder público - depois de ouvir essa "denúncia"?) "Eduardo e Mônica" eram "amigos" de Renato Russo na realidade - uma amizade que dava saudade no verão - e eu destaco apenas o trecho em que eles descobrem o amor: meio, de repente, uma "vontade (louca) de se ver"; uma vontade que "crescia" - "como tinha de ser". E "Faroeste Caboclo", tirando o ataque de sociólogo do Russo, na minha ótica, é meio autobiográfica, pois o protagonista "sentia que aquilo ali não era o seu lugar" (Russo: de Brasília ao Rio) e "de escolha própria" (na sintaxe do Riobaldo) "escolheu" - adivinha o quê? - a "solidão" (!).
Eu fecharia o painel com "Eu sei". Não à toa, uma canção oficialmente do Dois que passou para o "Três" (Que país é este?). Pela décima vez, a incomunicabilidade, a incompreensão e, óbvio, a rejeição, o conflito: "Palavras são erros - e os erros são seus". Para, no momento subseqüente, sofrer um ataque de humildade e passar por uma expiação: "Não quero lembrar... que eu erro também". E o resultado da experiência acumulada no processo: "Um dia, pretendo tentar descobrir... porque é mais forte quem sabe mentir". E apenas para rimar e fechar outra estrofe: "Não quero lembrar... que eu minto, também". Estamos no primeiro minuto de "Eu sei" (ainda faltam dois) e ele poderia muito bem encerrar, mas continua. Adolescente, sem dúvida: "Fecha a porta do seu quarto. Porque, se toca o telefone, pode ser alguém... Com quem você quer falar... Por horas e horas e horas..." (Quem não fez isso vivendo na época pré-celular, pré-e-mail e pré-instant messaging?). A adolescência, como todo mundo sabe, finda com a juventude: "A noite acabou. Talvez tenhamos de fugir sem você" (grifo meu). E uma metáfora da situação: "Somos pássaro novo, longe do ninho".
Depois que eu cresci, que a adolescência - ou a "noite" - "acabou", eu nunca mais tive o mesmo interesse pela Legião Urbana. Dispensei-a, como a gente dispensa alguns mentores, algumas muletas. As Quatro Estações, hoje, eu considero até um bom álbum, mas, à época, devido ao bombardeio de "Pais e Filhos" nas FMs, me pareceu cafona ("É preciso amar...") e um pouco conformista (tipo "ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"). Na seqüência, no V (1991), "Teatro dos Vampiros", com aquela autocomplacência tão classe média ("meus amigos todos estão procurando emprego") e "O mundo anda tão complicado", de uma simplicidade desconcertante ("vem cá, meu bem, que é bom viver"?). O que houve com o poeta? Havia se tornado, como temia Pessoa, "casado, cotidiano, fútil e tributável"? Que lástima! Que saudade do Aborto Elétrico...!
Felizmente, para o bem da estética, ele retornou em A Tempestade (1996), embora o desfecho, como todos sabemos, tenha sido trágico - com a morte do bardo. E eu adoro aquele refrão: "Mas você só quer algodão doce!". Ou então: "Quando eu penso em você, eu tenho febre". A autocomiseração também reaparecia, mas, naquele contexto, ela era honesta - ele estava pedindo ajuda, sim, mas nós, como sempre, não podíamos ajudá-lo. Escrevia, ainda, o último capítulo de suas eternas desilusões amorosas: "Longe do meu lado". "Dezesseis" era, como não poderia deixar de ser, o último suspiro na linha épica de "Eduardo e Mônica" e "Faroeste Caboclo". As sobras de estúdio, em Uma outra estação (1997), seguiam no embalo da autópsia psicológica (reveladora) - e é incrível que, com aquele fiapo de voz, Renato Russo, em sua agonia, tenha se aproximado, uma última vez, de Cazuza. A Tempestade e Uma outra estação seriam, num duplo, Burguesia (1989) reloaded. "Dado viciado" estava, finalmente, gravada. Mas eu escolheria como epitáfio, e para descer, aqui, o pano, "Comédia romântica":
"Acho que só agora eu começo a perceber
Tudo que você me disse
Pelo menos, (do) que lembro que aprendi...
Com você
Está realmente certo.
"Bem mais certo do que eu queria acreditar
Você gosta mesmo de mim
Se arriscando...
A me perder assim
Ao me explicar o que eu não quero ouvir.
"Ainda não estou pronto pra saber a verdade
Como eu estava até há uma estação atrás.
(Até uma estação atrás.)
"Acho que só agora eu começo a ver
Tudo que você me disse
É o que você gostaria que tivessem dito...
Pra você
Se o tempo pudesse voltar dessa vez.
"Sou eu mesmo e serei eu mesmo então
Não há nada de errado...
Comigo, não.
(Não, não, não.)
"Não preciso de modelos, não preciso de heróis.
Tenho meus amigos e, quando a vida dói,
Eu tento me concentrar... num caminho 'fácil'.
"Sou eu mesmo e serei eu mesmo então
E eu queria...
Que o tempo pudesse voltar desta vez.
(Oh, yeah!)" Renato Russo
Maravilhosa a abordagem a respeito desse ícone da juventude, também sou fã de Cazuza e gosto mais dele, da poesia, do dinamismo, do escapismo, enfim, da coragem da poeta, mas me parece que Renato falou ao meu coração de criança, chegou mais facilmente à minha inocência, já Cazuza extrapolou, conseguiu falar ao meu eu adulto. Cada um a seu modo merece estar presente dentro do nosso coração.
Julio, tenho que confessar que às vezes me dá uma raiva danada de algumas coisas que você escreve, porque soa cínico e pretensioso. Mas o contrário também é verdadeiro, e por isso eu continuo voltando pra te ler. Hoje, com essa análise à primeira vista solta e sem propósito, você surpreendeu pela lucidez e sensibilidade, e devo dizer que gostei muito do seu artigo. Um abraço.
Salve, Julio! Como fã de Cazuza e Renato, fiquei feliz com sua abordagem sobre os dois. E sempre defendi que Cazuza tem letras fortes e maduras, uma presença de palco marcante. Suas letras que falam de amor têm maturidade, poesia. O Renato funciona no contexto geral, com a combinação letra/música, era um burguês punk de Brasília, rebelde adolescente, romântico, artista, apático, culpado. Cazuza era burguês, desgarrado, rebelde sem culpa e sem medo, acima de tudo, poeta. Sinceramente, Ayron de Melo.
Uma vez o Fernando Sabino disse, numa entrevista, que ouvia música sem prestar muita atenção na letra, de uma forma geral. Depois é que ele ia analisar, se gostasse da música. Concordo que o Cazuza escreve um pouco melhor, mas a música da Legião fala mais alto. É boa balada de rock. Agora, o Renato, como letrista é... sincero, pelo menos. Pequenos bons momentos, às vezes em lugares inesperados, pra ele, principalmente. Concordo também: ele deve ter ouvido muito rock e, se existe alguma fonte em que ele bebeu, alguma canção que fosse um paradigma, aposto em Strawberry Fields Forever, dos Beatles. Aquele vai e vem de idéias semi-articuladas, o clima melancólico, dúbio, uma afirmação da ambiguidade. Penso também que a homossexualidade atormentada contribuiu para aquele estilo meio esquivo do Renato. Se fosse Umbanda, Cazuza era Exu; Renato, Oxalá. Mas não era, era só uma banda de rock, das melhores. E tinha algumas melodias realmente belas.
Coincidentemente, também gosto do disco Dois em especial. Suas interpretações, como da presença do alter-ego do russo em faroeste caboclo, são bem interessantes.
O cazuza realmente foi o líder de sua geração. até pq falar sobre quem foi mais talentoso é no mínimo cômico... eu, na minha modesta opinião, achava o cazuza "o poeta", e renato "o grande letrista". a começar pq o cajú naum trabalhava letras e o renato trabalhava e muito, exigia a perfeição como por ex. em índios, que ele assumiu que a música demorou um ano para ficar pronta. mas foram dois gênios em uma só época. e hj nós sofremos sem gênios... só uma observação. sou capixaba e gostaría que vcs notassem um letrista chamado rodrigo, vocalista da banda dead fish. prá mim, o maior dessa geração.
Acho que você foi parcial. Você fez um comentário sem tomar cuidado com seus dados: por exemplo, o que você cahmou de manifesto de Cazuza, em verdade, é uma compilação de entrevistas. O fato de você não ter gostado de algo não indica nada sobre sua qualidade: Cazuza, em Burguesia, não era nem sombra do compositor de anos anteriores... Menos complacência, por favor... Renato Russo não tinha projeto? Ou você que não tentou entender o projeto dele?
Texto inteligente, que conseguiu despertar-me ira, pois admiro o trabalho do Cazuza, mas dizer que ele é melhor que o Renato, isso eu considero imperdoável. Renato foi e é ainda hoje o melhor que o Brasil já viu, com suas letras, melodia e voz. Letras que eu admito, as do Cazuza são dignas de serem comparadas, mas melodia e voz, aí virou palhaçada né, tenha dó. Mas gosto é gosto né, e eu espero que as pessoas não levem o seu tão à sério...
Tão bom descobrir esse texto. Aqui você foi fantástico, Julio, transparente, sensível, muito lindo o que escreveu. Um raro momento de sensibilidade derramada, em que se mostra mais ao tentar alcançar e saudar dois ídolos (seus e de muitos), Renato Russo e Cazuza, do que consegue revelá-los. Muito bom quando se entrega assim ao que faz, consegue ser fascinante, admirável e aplacar a ira que desperta em outros textos. Lê-lo é sempre uma boa descoberta. Beijos, Cristina
Acho que desvendar Renato Russo é quase que impossível. Como você mesmo afirmou, o compositor nem sempre é o eu-lírico. Porém, no caso do Renato, é quase que evidente tal junção. O Renato tirava suas letras, bombardeadas de sentimentos, das suas vísceras, o que é bem do rock. O Cazuza já se autodesvendava. Tinha uma racionalidade poética não tão rock, uma linguagem mais mpbista. Acho o Cazuza um artista completo, mas o Renato consegue tocar mais ao fundo. Talvez seja porque eu ainda estou na fase transitória adolescência-juventude, como bem enumerou você.
Ambos poetas complexos, profundos, tocantes. Acho impossível e injusto declarar um melhor que o outro. Porém, o texto é perfeito na análise da obra de Renato.