COLUNAS
Terça-feira,
5/12/2006
Mavericks: o cinema americano independente
Marília Almeida
+ de 5400 Acessos
Eles provaram que há, sim, cinema norte-americano fora de Hollywood ao produzirem seus filmes em Nova York, longe do centro da indústria cinematográfica de Los Angeles. Diretores como Spike Lee, Quentin Tarantino, Steven Soderbergh e os irmãos Joel e Ethan Coen são os Mavericks, cineastas autônomos diante do poderio industrial norte-americano e tema do curso Cineastas Norte Americanos Contemporâneos, ministrado pelo crítico de cinema Sérgio Rizzo de setembro a outubro na
Casa do Saber.
Combinação da velha narrativa americana com forma mais solta e escolha de tema aberta, produção independente, muitas vezes a mesma formação, um certo estilo cult na linguagem e admiração pelo cinema autoral da Nouvelle Vague são as características deste grupo decididamente heterogêneo, que não pode ser encaixado ou reduzido a um movimento, apesar de ser evidente que alguns possuem as mesmas influências, até mesmo entre si.
O mais interessante é que, ao falar de cada cineasta, Rizzo também nos revela os bastidores de premiações como o Festival de Cannes, os processos de produção do meio cinematográfico norte-americano, faz críticas resumidas sobre cada filme apresentado e conta curiosidades tanto sobre os filmes como os cineastas, o que torna o curso completo.
Influências da época de ouro
Os Mavericks podem ser classificados como experimentalistas e inovadores, mas suas influências remetem a dois cineastas também experimentalistas e inovadores da década de 40 e 60: Orson Welles (que Rizzo classifica como o avô desta geração), John Cassavetes (o pai) e Jim Jarmusch (um meio primo e meio tio). Todos decidiram fazer filmes de maneira autônoma, tiveram Nova York como pano de fundo e se deram bem na empreitada, marcando época (Orson, talvez, muitas gerações depois com seu Cidadão Kane).
Orson já era figura de destaque do rádio até que fez a adaptação da Guerra dos Mundos de H. G. Wells. Daí para frente, a história já é conhecida. Contratado pelo RKO, grande estúdio que lhe deu total autonomia diante de um sistema produtor, Orson cria Cidadão Kane (1941) como uma provocação que centraliza a figura do diretor e marca sua explosão, o preparando também para uma carreira decadente.
Uma década e meia após Orson, John Cassavetes se torna conhecido como possível sucessor de James Dean. Galã da TV e Guy de O bebê de Rosemary (1968), com orçamento de US$ 40 mil produz Shadows (1959) na mesma época em que superproduções como Ben-Hur (1959) e Rastros de Ódio (1956) estreavam nos cinemas. Composto por atores amadores, o filme é produzido rapidamente, com poucos recursos e cenários, e fala sobre três ladrões que perambulam por Nova York. Depois dele, John produz alguns filmes inseridos na indústria e outros de forma independente, amadurecendo tecnicamente em Faces (1968), até chegar a Gloria, na década de 80.
Já o também cineasta nova-iorquino Jim Jarmusch aparece na mesma época em que a imprensa norte-americana decreta o surgimento do novo cinema independente no país. Seu primeiro longa, Estranhos no paraíso (1984), teve distribuição restrita. Utilizando procedimentos antiindustriais, longos planos-sequências e relegando à trilha sonora papel importante, produz em 2003 Café e cigarros, originalmente um curta de poucos recursos premiado na universidade, que ganha a Câmera de Ouro em Cannes.
Força motriz
Rizzo divide a geração consolidada de diretores independentes contemporâneos em quatro cineastas, que servem de inspiração para a mais nova geração de cineastas ou de exemplos a não serem seguidos. Ele dedica uma aula a cada um deles, que são entremeadas por trechos de seus principais filmes: Spike Lee, Steven Soderbergh, Quentin Tarantino e os irmãos Joel e Ethan Coen.
Proveniente de uma elite negra de artistas e universitários e tendo Martin Scorsese como professor na faculdade de cinema, Spike Lee colocou a cultura negra e o preconceito racial pela primeira vez em destaque no cinema norte-americano. Seu longa de sucesso Faça a coisa certa (1989) é produzido de forma independente. Neles, seqüências que servem apenas para criar ambientação e linguagem crua documentam a realidade. Posteriormente, produz filmes como Febre na selva (1992) do mesmo modo, até que começa a se inserir na indústria por meio de produções como O plano perfeito (06).
Seis anos a menos que Spike Lee, Steven Soderbergh, apesar de também proveniente de uma elite intelectualizada, não faz faculdade. Outsider, seu primeiro longa, sexo, mentiras e videoteipe (1990), é feito com capital de vídeo doméstico. Exibido pela 1º vez no Sundance Festival, Steven ganha aos 26 anos a Palma de Ouro em Cannes. Produz filmes discretos até 2000, quando filma o blockbuster Erin Brockovich e um filme arriscado: Traffic. Ambos são bem-sucedidos e o fazem ganhar o Oscar de Melhor diretor. Depois disso, segue esta fórmula produzindo filmes como Onze homens e um segredo (01) e o experimental Bubble (06), que estreou no cinema, DVD e Internet para testar novas tecnologias.
Posteriormente, entra em cena Quentin Tarantino. Sua pequena produção de cinco filmes e co-produções, que envolve apenas projetos que realmente gosta, causou grande impacto na indústria, fora dela e sobre cineastas que começaram a filmar. Incorporado à industria, Tarantino dá um impulso de criatividade na esterilidade que dominou os anos de 1985 a 1996. Aluno proveniente de família abastada que não termina o 1º grau, ganha a palma de Ouro em Cannes com Pulp Fiction (1994) após vender roteiros como Amor à queima-roupa (1993). Empresários da Miramax, na época já a maior distribuidora de filmes independentes, compram os direitos de distribuição de seus filmes desde seu primeiro longa, Cães de aluguel (1992). Com matéria-prima popular, cara de filme B, domínio narrativo, estrutura literária e discotecagem marcante, sua ambientação e modo de desvendar personagens também é influenciada por Scorsese.
Por fim, o primeiro filme dos irmãos Joel e Ethan Coen, respectivamente diretor e roteirista, Gosto de sangue (1984) ganha o prêmio do júri em Sundance e Cannes. Policial com ambientação noir da década 40, humor negro e conversa fiada com filosofia barata que lembra Tarantino e o distancia de Spike, nele já podemos perceber o formalismo que os caracterizam. Em Barton Fink - Delírios de Hollywood (1991) ganha a Palma de Ouro em Cannes de melhor filme, ator e diretor, se equiparando a Pulp Fiction e sexo, mentiras e videoteipe. Nele, os irmãos transitam pelo cinema de autor e criticam Hollywood. Por fim, seu maior sucesso, Fargo (96), é indicado ao Oscar de roteiro original e melhor atriz e direção em Cannes.
Nova geração
Rizzo também destaca seis novos cineastas em torno de 35 anos que podem constituir a geração futura destes cineastas independentes já consolidados. Com ritmo de produção menor e formações semelhantes em Nova York, M. Night Shyamalan, Paul Thomas Anderson, Wes Anderson, Sofia Coppola e Spike Jonze fazem apenas projetos que "têm a ver".
Após cursar cinema na NY University, M. Night Shyamalan é responsável pela 2º bilheteria de 1999 com seu terceiro longa: O Sexto Sentido. Mórbido, o filme contraria os princípios da indústria, mostrando que precisa ousar e renovar sua platéia. Consolidado com histórias sobrenaturais bem narradas de maneira clássica nas quais rechaça Tarantino, Soderbergh e Spike Lee, como Sinais (2002) e A Vila (2004), M. Night é indicado ao Oscar de Melhor Direção e Roteiro com apenas 29 anos.
Paul Thomas Anderson também cursa a NY Univesity, mas também trabalha com vídeos musicais. Seu segundo longa, Boogie Nights (1997) é indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original e Magnólia (1999) leva o prêmio de Melhor Roteiro e Filme no Festival de Berlim. Com uma câmera inquieta, é herdeiro do modo enfático de Scorsese contar histórias, destacando a música. Partindo em uma temática quase contrária, o texano Wes Anderson dirige comédias com toques de erudição cinematográfica paralelamente à industria. Com Os excêntricos Tenenbaums (2001) é indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original.
Darren Aronofsky possui uma maneira rebuscada e narcisista de dirigir atestada em seu longa de sucesso que critica a sociedade de consumo, Réquiem por um sonho (2000) e sua mais nova produção, Fonte da vida (2006). Já Sofia Coppola, após atuação fracassada como atriz no clássico dirigido por seu pai, O Poderoso Chefão 3, filma As Virgens Suicidas (1999) e ganha o Oscar de Melhor Roteiro Original pelo singelo Encontros e desencontros (2003). Por fim, seu ex-marido, Spike Jonze, um dos maiores diretores de vídeos musicais da atualidade, filma Quero ser John Malkovich e leva a Melhor Direção no Festival de Berlim.
Cenário futuro
Com carreiras consolidadas ou promissoras, fazendo TV ou vídeos musicais e com compromisso ocasional de filmar, Rizzo afirma que resta saber se deste mato sairá um pastor alemão ou um vira-lata. E alerta: diretores como Woody Allen, Brian de Palma e Scorsese foram saudados da mesma maneira e se tornaram ícones de Hollywood. O crítico também cita a perspectiva de perda de referências, ameaçada pela rapidez de consumo característica da modernidade. Por fim, deixa a pergunta no ar e conclui: ainda veremos.
Nota do Editor
Leia também "Casa do Saber: Cinema Clássico".
Marília Almeida
São Paulo,
5/12/2006
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
Sobreviver à quarentena de Luís Fernando Amâncio
02.
Lançamentos de literatura fantástica (1) de Luís Fernando Amâncio
03.
O ano em que estou pouco me lixando para o Oscar de Clayton Melo
04.
Bendito Nelson Rodrigues de Andréa Trompczynski
05.
As 8 mulheres de François Ozon de Clarissa Kuschnir
Mais Acessadas de Marília Almeida
em 2006
01.
O diário de Genet - 31/10/2006
02.
Estamira: a salvação no lixo - 19/9/2006
03.
A massa e os especialistas juntos no mesmo patamar - 4/7/2006
04.
Rumos do cinema político brasileiro - 18/7/2006
05.
Mavericks: o cinema americano independente - 5/12/2006
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|