Final de ano é tempo de festa. Mesmo quando a gente acha um porre ficar errando de festividade em festividade, algumas bastante protocolares, é sempre bom prestar atenção em alguma coisa. Festa de empresa, via de regra, é chatíssimo. E quanto maior a empresa, mais tosca é a confraria. De festim arrojado, facilmente tudo se torna um pagodão com gente bêbada que acha que os chefes não vão reparar, vão compreender que "hoje a festa é nossa".
No meio do furdunço, uma professora bêbada cai no chão. Nada muito especial, se ela não estivesse de saia e tonta como uma porca. Mais alguns meses e o chefão manda chamar na sala dele, diz que compreende, mas que aquele comportamento lhe havia incomodado e à "mantenedora" (cujos chefões estavam todos na festa), então, já que estão em contenção de gastos, o nome dela foi cogitado para a demissão. Isso tudo é dito já na execução da coisa toda. E então vêm à tona outras tantas cenas da professora bebendo com os alunos, nos churrascos de turmas, no bar da esquina da faculdade. "Hoje a festa é nossa", mas não de quem quiser.
Funcionário feliz é ótimo, mas na festa de final de ano é preciso saber, o tempo todo, que não se está na presença dos amigos e primos de primeiro grau. O chefe dar vexame também não combina. Em geral, outro funcionário pensa que o dono da empresa virou amigo de funk de uma hora para a outra. No dia seguinte, o man in black não admite gracinhas e nem ser chamado de "chegado". E ainda há os funcionários caxias, que mostram serviço até na hora de compôr a festa.
Há aquelas pessoas que participam dos eventos com fervor. Ajudam a organizar, recolhem dinheiro, propõem "amigo secreto" (em Minas, "amigo oculto"), escolhem a trilha sonora, mandam fazer salgados e doces, recortam e colam os enfeitinhos brilhosos. Há indivíduos que são mais discretos e, embora concordem com tudo, colaboram apenas dando a grana, entregando os enfeites e sendo coordenados pelos tipos descritos acima. E há aqueles que se sentem, com direito, invadidos, chateados e obrigados a participar. Seja por medo de perder o emprego, temor de serem chamados de anti-sociais ou apenas para serem polidos. Mesmo se forem sorteados para ganhar o kit "pente-e-espelho" que o chefe doou para a festa, ou, nas empresas maiores, a TV de alta definição, sentem-se cumprindo um dever compulsório.
O jeito, então, é relaxar. Se não há como escapar da festa, melhor tentar converter os esforços em algo interessante. Uma bebida gostosa, um salgado especial, que nestas épocas abundam por aí. Uma boa música, um presente acertado do "amigo secreto", uma varanda agradável. De repente, um bom papo com alguém surpreendente, uma roda de amigos estimados de verdade.
"Inimigo explícito"
Perdi a conta dos "amigos secretos" de que fiz parte. Muitas vezes por vontade, noutras tantas, para "entrar no esquema" e não decepcionar ninguém. Na família, certa vez, ganhei uma carteira (dessas de pôr dinheiro e cartões) vermelha. Era dessas de couro, bem bonitas, mas tinha o estilo daquelas carteiras de senhora. O pior da festa, para mim, sempre foi abrir o presente. Um incrível medo de saber o que há dentro do embrulho me tira o controle dos movimentos do rosto, especialmente daqueles músculos ao redor da boca. Mal consigo rir por educação e agradecer por impulso. A carteira vermelha foi um constrangimento. Peguei logo e guardei o cartão de troca. Meu pai usava algo assim, acho que se chama "capanga", não me lembro, sei que é horrível. Tanto na bolsa quanto na carteira sou uma mulher objetiva. Há lá dentro o necessário. Nenhum pente, nem espelho, nem batom. Apenas documentos, dinheiro e chaves. A carteira, sendo vermelha, só aumentaria meu constrangimento.
De outra vez, eu havia acabado de entrar na empresa e não queria decepcionar o staff dando uma de anti-social. Saí com uma moça desconhecida e fiquei ansiosa para ler a lista em que todos sugeriam os presentes que gostariam de ganhar. Minha "amiga secreta", para meu desespero, pediu uma samambaia chorona de verdade. A segunda opção era ainda pior: um passarinho com gaiola, não me lembro de que raça. Um terror. E ainda havia problemas: não encontrei a tal samambaia e comprei uma comum, dessas que não choram. Eu e meus amigos, companheiros para os momentos de infortúnio, imprimimos uma carinha vertendo lágrimas e colamos no vaso da planta. A moça recebeu o presente com alegria que não pareceu falsa. Mas a espécie da samambaia não correspondeu ao pedido.
Em outra empresa do mesmo ramo, o editorial, nova festa, mais um "amigo secreto" em que entrei de gaiata. Saí com outro desconhecido e tinha a tarefa de dar a ele um presente de, no máximo, 20 reais. Sabia quem era o rapaz, de vista, e que era jovem. Comprei dois suportes com blocos de papel colorido, desses de escritório, que parecem um arco-íris. A cara de decepção do moço pôde ser vista à distância. Nunca me identifiquei. Deixa pra lá, nem todo assistente de contabilidade precisa de blocos para recado.
Essa da "capanga" foi demais! Eu também já tive uma e acho que foi minha primeira carteira de verdade. Ela era enorme! Toda preta e com um zíper, que ficava meio metro pra dentro de sobra! Eu a comprei em uma barraca de feira livre. Caramba, mas como foi difícil consegui-la! Como "ralei" para juntar o dinheiro que desse para adquiri-la! Mas, depois que a possui, a coisa que mais gostava de fazer era sair com ela pendurada no punho da mão direita! E ainda fazia inveja para os meus amigos, que não podiam ter uma igual. Ah, a velha e boa "capanga". Puxa, Ana, de que você foi lembrar!