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Melhores de 2006
Sexta-feira,
5/1/2007
Minha primeira vez - parte II
Rafael Rodrigues
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Agora, vamos aos livros.
(Mas antes, feliz ano novo, ein? Juízo, muito juízo a todos. E saúde, claro.)
O que mais me deixou indeciso na hora de selecionar os melhores livros que li durante o ano que passou foi o seguinte: alguns dos melhores livros publicados em 2006 eu ainda não li. E só os lerei neste ano de 2007.
A escolha de quais livros citar, no meio de todos os que li - e que nem foram tantos assim - não foi tão dolorosa. Li muitos livros bons em 2006, é verdade, mas alguns deles são fora de série. E são estes últimos que serão citados aqui.
Seguirei a ordem cronológica de leitura, que culmina na ordem mais ou menos cronológica de publicação. Alguns livros citados foram publicados no fim de 2005. A presença deles no texto se faz obrigatória pela qualidade das obras.
Ao contrário de algumas pessoas, penso que 2006 foi um ano muito bom para a Literatura. Muitos autores desconhecidos e bons (tanto nacionais quanto estrangeiros, novos ou não) sendo publicados, pequenas editoras fazendo bons trabalhos e sendo reconhecidas por isso, novos prêmios literários surgindo, enfim, creio que foi um ano positivo. Mas agora vamos mesmo aos livros, que é o que interessa.
Iniciei o ano muito bem, lendo Sonhos de Bunker Hill, de John Fante. O romance tem como protagonista Arturo Bandini, personagem principal de mais três livros do escritor americano. Último livro escrito por um Fante cego e com as duas pernas amputadas, em 1982, Sonhos de Bunker Hill foi ditado para sua esposa, e foi um dos livros que mais gostei de ler em 2006. O fim dele é memorável.
Um longo lamento, da escritora americana Amanda Stern, foi publicado pela Rocco dentro do selo Safra XXI, que se destina a lançar autores jovens e inéditos, nacionais ou estrangeiros. Também um romance, o livro conta a história de uma garota e de um rapaz chamado apenas de "o Alcoólico" que se conhecem na faculdade, começam a namorar e viajam pelos Estados Unidos rumo a Nova Iorque. A história de ambos é recheada de álcool e outras drogas mais. Um verdadeiro retrato de uma juventude sem rumo, perdida em ilusões e em vertigens provocadas por alucinógenos. Escapismos que não levam a lugar nenhum. Aliás, levam: a uma vida deprimente. De tanto que gostei do livro, entrei em contato com a autora. Trocamos alguns e-mails e ela me confessou que há muito de realidade em seu livro. Há muito dela ali, pois realmente se envolvera com um alcoólico e passou por algumas das situações narradas no livro. Uma frase dela, em um dos e-mails, me fez compreender o porquê de eu tanto ter gostado do romance. Apesar da relação turbulenta com o alcoólico e de tudo o que ela passou com ele, ela diz "And I did love him". Uma das mais belas histórias de amor que já li.
Alguns meses depois, li A coleira no pescoço, de contos, do escritor gaúcho Menalton Braff, que agora vive no interior de São Paulo. Detentor do prêmio Jabuti de Livro do Ano de 2000 com À sombra do cipreste, também de contos, Menalton Braff é um escritor que merece ser mais conhecido e mais lido. Reconhecido ele já é, pois outros grandes autores o admiram, como é o caso do contista e poeta Mayrant Gallo, um dos mestres do conto da atualidade - que também merece ser mais conhecido e mais lido -, que cita Menalton Braff como um dos cinco melhores contistas em atividade no Brasil. Eu nada mais tenho a fazer, a não ser concordar com o Mayrant.
Outro gaúcho veio logo em seguida. Foi Daniel Galera, com seu belo romance Mãos de cavalo. O livro foi elogiadíssimo tanto pela crítica quanto pelo público, gerando uma quase-unanimidade. Não me lembro de ter lido uma crítica desfavorável a Mãos de cavalo. Depois de ler o livro enviei um e-mail para o Daniel, dizendo que o romance me deixara com um nó na garganta. Quero muito relê-lo em breve. Talvez seja um exagero meu, mas Mãos de cavalo, para mim, é um marco na carreira de Daniel Galera. Não pelo fato de ele "deixar de ser um novo autor para se consolidar como escritor e blablablá" ou por ser seu primeiro livro publicado por uma grande editora, mas pelo fato de ser um livro de alta qualidade literária e de ser uma obra emocionante, no sentido mais puro da palavra. Não sei se vocês vão me entender. Melhor mesmo é ler o livro.
Eis um livro que namorei por muito tempo. Eu o vi no supermercado e gostei muito da capa. Depois, li críticas favoráveis a ele. Isso foi em 2005. Em 2006 soube que o livro dera origem (quase escrevo "havia dado", que pecado) a um filme. Assisti ao filme, gostei demais e, pouco depois, consegui o livro. Me refiro a Tudo se ilumina, do americano Jonathan Safran Foer. O romance consegue ser sensível e cruel ao mesmo tempo, ao relatar a viagem de um jovem americano à Ucrânia, em busca da desconhecida história do avô. Dessa viagem nasce uma grande amizade entre ele e seu guia no país desconhecido e devastado pelos nazistas. Ambos descobrem também o lado mais cruel da guerra e terminam por descobrirem também mais sobre si mesmos. É um livro sensacional, com muitos experimentalismos - mesmo que isso não seja nada original, pois quem mais inovou a estrutura do romance, foi John dos Passos, mais de meio século antes de Safran Foer - e com muito bom humor, também.
Depois de Tudo se ilumina li A história do amor, da senhora Safran Foer, Nicole Krauss. Escrevi uma resenha sobre o romance e o texto é a minha coluna mais acessada aqui no DC. Tenho certeza de que isso se dá pelo fato de muita gente buscar no Google a história do sentimento "amor". Espero que o acaso tenha levado algumas pessoas a ler a resenha inteira e a comprar o livro depois, que é muito bom. Eis um trecho do texto: "A história do amor é narrado por diferentes personagens que têm seus caminhos ligados, direta ou indiretamente, por um livro chamado justamente A história do amor". Apesar do número de narradores - são três - o romance não é complicado de ser lido. É um livro que recomendo a qualquer um. Só não empresto o meu a ninguém, só à minha bem-amada, que inclusive está com ele agora.
Alguns livros depois chega a vez de ler Pergunte ao pó, considerada como a obra-prima de John Fante, já citado algumas linhas acima. A vontade de ler o Dust - que foi como carinhosamente um amigo e eu apelidamos o romance que tem o título de Ask the dust, em inglês - era antiga. Mas põe antiga nisso. Desde 2003, se não me engano, que eu queria ler Pergunte ao pó. Mas ainda bem que só agora o consegui ler, pois tenho quase certeza de que o jovem que eu era - e continuo sendo, é bom que se diga - há três anos não entenderia o sentido real da obra. Ler Pergunte ao pó e não se emocionar é algo que não consideraria como normal. Ri e chorei com Bandini, comemorei como se fosse uma final de copa do mundo o fato de o romance dele ter sido publicado. Chorei também com o prefácio de Charles Bukowski, que acompanha as edições do livro posteriores a 1980. Pergunte ao pó é um livro incrível, mais um que devo reler em breve.
E então, Steinbeck. Conheci o autor de Ratos e homens ainda em 2002, quando li o citado romance. Um lindo livro. Mas mais bonito que ele só mesmo O inverno da nossa desesperança, publicado aqui no Brasil em 2006. O título já é muito bonito, o romance, então, é perturbador, de tão bom. Ele conta a história de Ethan Hawley, homem casado e pai de dois filhos, que vive na pequena e fictícia cidade de New Bayton. Ethan é balconista da mercearia que era do seu falecido pai. Foi obrigado a vender o negócio da família para pagar as dívidas que herdara e sustentar sua família. Ethan Hawley é um homem comum, como eu e você, que tem os conflitos existenciais que todos nós temos. E isso é o mais admirável em O inverno da nossa desesperança. O romance conta a história de um homem comum que tenta sobreviver em um país devastado pela crise econômica. No ano seguinte à publicação desse livro, John Steinbeck foi premiado com o Prêmio Nobel de Literatura. A comissão que o premiou declarou que Steinbeck havia "reconquistado sua posição como um arauto da verdade". E só há verdades em O inverno da nossa desesperança, uma obra-prima. Isso é indiscutível.
Parece que 2006 foi o ano das "descobertas", para mim, digamos assim. Depois de conhecer Menalton Braff, tive o prazer de pela primeira vez ler outros dois autores já consagrados: Flávio Moreira da Costa e Charles Kiefer. Do primeiro li Malvadeza Durão e outros contos, que é composto por três livros. Nas palavras do próprio autor: "Um livro inédito, A humanidade está em obras e dois 'novos', Malvadeza Durão e Os espectadores, que incluem meu segundo e primeiro livros de contos, respectivamente, dos quais aqui vai uma seleção e não o total das histórias ou narrativas. Por 'novos', portanto, cautelosamente colocado entre aspas, leiam-se esses dois últimos livros citados, renovados e reescritos. São novos velhos contos". A editora Agir tem reeditado alguns livros de Flávio Moreira da Costa, uma iniciativa louvável. Pois um dos mais requisitados antologistas brasileiros (talvez o mais requisitado) merece ser mais conhecido por sua admirável obra de ficção. De Charles Kiefer li Valsa para Bruno Stein, um livraço, que será devidamente resenhado aqui no Digestivo. E a editora Record está reeditando algumas obras de Kiefer, em outra iniciativa merecedora de elogios. Pouco conhecido no resto do Brasil, o escritor gaúcho é outro que merece maior reconhecimento.
Outra boa surpresa nacional foi Eu, Deus, de Sidney Garambone. Um romance despretensioso, divertido e perturbador, sério e esculachado - no bom sentido -, que faz o leitor refletir e rir. Mais um no grupo dos melhores livros que mais gostei de ler em 2006.
Mas bons mesmos são os livros que NÃO li em 2006, e que lerei em 2007. Vou citar só alguns títulos: Trópico de câncer (Henry Miller), Eremita em Paris (Italo Calvino), A biblioteca à noite (Alberto Manguel), Neve (Orhan Pamuk), Amor, pobreza e guerra (Christopher Hitchens), Extremamente alto & incrivelmente perto (Jonathan Safran Foer), Memória do fogo (Ronaldo Monte), Leda (Roberto Pompeu de Toledo), Ferdydurke (Witold Gombrowicz), Os desencantados (Budd Schulberg), O animal agonizante e Adeus, Columbus (Philip Roth), A solidão do diabo (Paulo Bentancur), Grandes símios (Will Self), Onde os velhos não têm vez (Cormac McCarthy) e dezenas de outros livros que, se eu fosse listar, só se escrevesse uma outra coluna. Todos os livros citados neste parágrafo foram folheados e tiveram algumas páginas lidas, senão eu não poderia dizer que são bons. É bem provável que todos eles sejam resenhados aqui durante este ano. Ao menos torço por isso.
Para ir além
"Minha primeira vez - parte I"
Rafael Rodrigues
Feira de Santana,
5/1/2007
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