Os leitores da virada do ano
Não pode ser por falta de sugestão que alguém não lerá nada em 2007. Se o cálculo dos livros lidos (agora falando só deles) em 2006 deu algo próximo de zero, ainda há tempo de recuperar a disposição para ler. Quem sabe até escrever algo, nem que seja um comentário aqui no Digestivo sobre o texto de alguém.
Pensando nas leituras da virada do ano, resolvi flagrar algumas pessoas em suas leituras do momento. Vou resumir aqui o que elas disseram, quem são, o que fazem e por que estão lendo isto ou aquilo.
Começo pelo editor deste site, o Julio Daio Borges, que anda lendo um livro chamado Rumo à estação Finlândia, de Edmund Wilson. Diz Julio que "foi o primeiro titulo lançado pela Companhia, há 20 anos, relançado agora em pocket, como uma forma de comemoração". Todo mundo aí sabe o que é um pocket book? O "livro de bolso" é um libelo em tamanho pequeno, invenção européia da Idade Média que deu o que falar na época. Era mais ou menos o correspondente impresso dos nossos palm tops, que se podiam levar para qualquer lugar debaixo do braço. O editor do Digestivo ainda emenda que Rumo à estação Finlândia é uma "excelente introdução às revoluções que moldaram o século XX, desde a Francesa até a Russa".
Julio leu mais ou menos 50 livros em 2006, mas enfatiza que o importante não é quantidade, já que "às vezes, um único livro pode ser mais importante, sozinho, do que todos os outros, somados". Pensamento compartilhado pelo cientista da computação mineiro Ricardo Rabelo, que adora ler, mas vive às voltas com encrencas do doutoramento em computação que não o deixa ler só o que gostaria. Ao todo, em 2006, foram 7 ou 8 livros, o que acha pouco. Rabelo lê, no momento, 1421 — o ano em que a China descobriu o mundo e a biografia do padre Landell de Moura, inventor do rádio, "que foi esquecido pela história". Lê, ainda, Praticamente inofensiva, de Douglas Adams (um dos ex-roteiristas do Monty Pyton).
Para continuar nos profissionais da computação, João Roberto Lima, auditor da Receita Federal (daquela equipe que programou o ReceitaNet, sabem?) e praticante de um esporte esquisito chamado Orientação, declara estar lendo As pequenas memórias, do já clássico autor português José Saramago. Diz ele que esta obra traz um Saramago "diferente, mas igualmente bom, menos prolixo, mais 'organizado' no uso dos pontos e vírgulas e, assim, mais fácil de ler". Essas são informações importantes para aqueles que ainda não se aventuraram pela obra do único ganhador do Nobel que escreve em língua portuguesa. João Roberto está satisfeito com os 6 livros que leu durante o ano. Mas sabem por quê? Porque entre eles estavam Os miseráveis e Guerra e paz, respectivamente de Victor Hugo e Leon Tolstói. Dois calhamaços do cânone universal que valem a pena em qualquer época.
João também pensa como Julio Daio e Rabelo. Para ele, os clássicos polpudos, como esses aí, contam-se "como mais de um, tanto em qualidade quanto em quantidade". E vai mais longe: "A ausência desses dois títulos na minha lista de lidos representava no meu entender uma falha no meu caráter literário. Ainda não a debelei, mas a considero agora bastante mitigada..." Depois de tanta palavra difícil, melhor mesmo é ler dicionários.
Também da área de novas tecnologias, Ana Paula Atayde, professora e consultora em Usabilidade, vai mais devagar e tem um objetivo mais palpável. Ela está lendo Novo manual de meditação, de Geshe Kelsang Gyatso, para aprender técnicas de relaxamento que a deixem menos estressada com a correria do dia-a-dia. Ana Paula leu dois livros em 2006 e acha pouco, "gostaria de ter lido mais". Pelo objetivo da leitura do Manual..., já se entende o que a impediu. A professora é um exemplo bastante típico de leitura influenciada por amigos. Diz ela que o livro foi indicado por um grande amigo que se tornou budista recentemente.
O professor de Jornalismo Digital Jorge Rocha, por acaso meu marido, anda por todos os cantos da casa que dividimos com um exemplar de Serge Gainsbourg: um punhado de Gitanes, "biografia escrita por Sylvie Simmons, com tradução de Juliana Lemos. Uma puta contribuição à real dimensão — pessoal e profissional — de Gainsbourg, um criativo mestre do inesperado". Jorge leu aproximadamente 70 livros em 2006, "desde contos e romances até livros sobre jornalismo e Internet, minha área de atuação profissional", e não tem a menor idéia do que significa ler essa quantidade. Vai lendo, lendo, até porque se trata de uma atividade inerente à sua profissão.
Entre os jornalistas, além de Julio Borges e Jorge Rocha, José Aloise Bahia, agitador cultural em Belo Horizonte e na Internet, anda lendo O Coração do Pincel, de Kazuaki Tanahashi. "O que tem de bom no livro? O melhor comentário são as palavras do The Bloomsbury Review: 'Um livro de humor zen sobre caligrafia? Tanahashi é capaz de proporcionar visões profundas sobre a filosofia da arte com simplicidade e em poucas palavras'". Aloise calcula que foram 40 livros em 2006, livros que leu do começo ao fim. "Outros, a gente lê partes, principalmente contos e poesias. Ou começa e a leitura não vai adiante. Cultivo o hábito, de acordo com o tempo disponível, de ler de cabo a rabo três livros por mês. Eu gosto dessa marca. Do contrário, a internet vai pro saco... Os jornais e as revistas vão pro saco... O cinema vai pro saco... Os shows vão pro saco... Os encontros vão pro saco... E até o namoro... Tenho o hábito de mesclar os olhares e seus vários sentidos... No final das contas, acho que tudo é leitura". Está aí uma declaração bacana do que sejam as tais "práticas da leitura", que podem variar de acordo com o objeto que se lê e os objetivos da leitura.
Primeiro (mas não mais importante), fiz parte daquela equipe que programou o PGD do IRPF. Não precisa ir ao dicionário nem ao site da SRF, porque não se vão encontrar referências a tais siglas. Explico: Programa Gerador de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física. Pronto. O ReceitaNet faz a transmissão das declarações feitas no PGD. Ponto final da parte primeira. Tratando, enfim, do mais importante, muita vez me questiono se ando lendo o suficiente e, não pouca, pergunto-me o que seria esta suposta suficiência. E aí esta coluna internética me faz concluir que isso é muito pessoal: há os que lêem 70, 50, 6 e até 40,769999... livros, não é, caro agitador cultural? Talvez o ideal seja que isso, a suficiência, nunca seja alcançado, porque assim sempre se desejará ler mais.
Mas que eu tenho uma certa angústia por ter tanto pra ler, ah! isso eu tenho sim. E então vou lendo num ritmo que não me satisfaz. Já morrerei aos 101,4 anos mesmo, há, ainda, muito tempo.
Ana, gosto muito desse tipo de dica. Nada melhor do que quem leu e gostou, para indicar uma leitura. E como sempre, mais gostoso é esse seu jeito de escrever que faz as dicas ficarem mais atraentes. E concordo com o comentário do João Roberto, sempre sinto o desejo de ler mais do que posso. Ir à uma livraria é um prazer por namorar tantos livros e ao mesmo tempo uma angústia de sentir que há tanto para ler que nem vivendo mil anos vamos dar conta. Ou então em uma boa biblioteca, costumo dizer que sinto-me como uma faminta em um banquete!
Abraços
Áurea
Oi, Ana Elisa, boa tarde! Acompanho a sua coluna aqui no Digestivo Cultural. Aliás, é a única coluna que leio no Digestivo. Não só pelo fato de ser mineira e de Beagá, mas, tb, pq eu gosto de ler a sua coluna (tomara que achem que sou bairrista! Se acharem, tudo bem. Respeito a opinião alheia). Na realidade, tb leio outros sites e blogs. Inclusive, sou articulista, correspondente e colunista de um deles. Nesse corre-corre diário e produtivo, temos que filtrar as leituras de acordo com os nossos objetivos e interesses (eu acho que vc tocou no ponto exato!). O leitor João Roberto tb tocou noutro tema chave: tudo é uma questão pessoal. De escolhas, de empatia, de tempo, enfim... Tem muitas variáveis atuando sobre a gente. Outra coisa - talvez seja coisa de geminiano -: por hábito, eu sempre trabalho a leitura a partir de três livros mensais. Quer dizer, a reflexão de pelo menos três livros mensais. É uma marca, um limite pra mim: um objetivo. Obrigado e abraços do josealoisebahiabhzmg.
O bom leitor é aquele que não lê tudo, mas o que seleciona o que deve ler. Por isso, é sempre bom estar "sintonizado" em quem sabe ler, porque, daí, a gente fica sabendo o que pode ler com tranqulidade, porque, se eles leram, eu também posso ler. É claro, que, às vezes, o que pode ser uma leitura, digamos, "interessante" para você, pode se transformar em um verdadeiro dilema para mim. Fora essas "indicações", tenho como critérios para minha escolha de livros a ser lidos, os seguintes: 1) o autor, 2) o título do livro, e 3) a editora. No ano passado, devo ter lido uns 30 livros, mais ou menos, e, para esse ano, havia me proposto elaborar uma relação dos livros à medida em que fossem lidos. Mas já me perdi. Acho que já li uns 10. Mas, o legal em tudo isso, é, estando em um conversa, poder dizer: "ah, esse livro eu já li", e até, se for possível, fazer um comentário sobre ele. Depois da leitura de seu texto, Ana, me ficou a nítida impressão de que qualidade é o que mais importa. Parabéns!
Mesmo que goste de ler (e gosto), infelizmente aquela escola (CEFET) não nos deixa muito tempo pra boa literatura. Ano passado devo ter lido uns 8 livros no máximo, e normalmente leio muito mais que isso. De qualquer forma, foi um bom ano para novas atividades e de certa forma aprendi a ler coisas diferentes dos famosos "livros de mulherzinha". Gostei das dicas! Quem sabe não aparece um tempinho para isso né? De qualquer modo irei anotar :) Beijos!
Briguei com Goethe, esta Charlotte que ele inventou, o ar de madonna me irritava, mulher sem mácula; alimentando desejo impossível, me chateou, fechei o livro e fiquei duas semanas sem falar com ele. Depois li com distância e fechei com certa solenidade; que fique esperando uma opinião! Quero buscar a proximidade com esta e aquela obra, neste e naquele tempo. Celebrar seus códigos. Fazer parte deste movimento, é nesta fome que me reconheço. Este universo rico e vasto, diverso e assustador; não temo! Quero a suavidade do verso sem pouso, a leveza do hai-cai; o folclore, a fábula, a ficção e a farsa. Quero a centelha desta cosmogonia colossal que une culturas, que desvenda mundos e constrói pontes irreais no tempo-espaço para nos deslocar o centro, aqui nos encontramos, a convite de Ana, para revalidar este pacto, alimentar este vício, revigorar este feitiço. O reconhecimento que a literatura propicia é único. A fúria com que consumimos seus frutos e celebramos nossos heróis e a nós mesmos...
Fiquei aborrecido agora com tantos exemplos de gente que encara a leitura como algo crucial em suas vidas. Estava satisfeito com uns 20 livros anuais, na verdade não faço a menor idéia de quantos livros leio (deve estar por volta desse número), o que sei é que estou sempre lendo. Mas é claro que gostaria de fazer mais, não me imagino lendo algo grandioso como Victor Hugo. Talvez porque a leitura nunca foi encarada com respeito em minha família, sou o único que quebra as tradições e leva no mínimo dois exemplares pra viagem de fim de ano da casa de minha avó. Eu imagino que jamais consiga ler tantos livros (com os 70 de Jorge) e talvez nem mesmo queira, acho que um livro deve ser saboreado aos poucos e com cuidado, e o mais interessante é imaginar como essa leitura pode influenciar nossas vidas, é claro que isso também tem a ver com a habilidade de cada um. Realmente gostei de como você exemplificou os diferentes hábitos de leitura, Ana. Abraços.
Pois é, em geral é assim como o título do filme de terror: "Peça para entrar e reze para sair", qdo vejo uma livraria. Certa vez, só me dei conta de que estava na hora de ir qdo apagaram as luzes! Horrível! Ainda assim, tenho notado que ando relendo mais do que lendo novidades. O livro já lido... estando ele entre aqueles que classifico como inesquecíveis, pois são capazes de contar novas histórias em vários momentos de nossas vidas. O impressionante é como nos lembramos de determinado livro e anos depois, ao reler, ele adquire outro sabor. Tenho livros que me acompanham desde sempre e ainda tenho expectativas sobre eles em outros momentos da minha vida que virão. Abrs