O espectro de Paulo Francis | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
>>> Primeiro Palco-Revelando Talentos das Ruas, projeto levará artistas de rua a palco consagrado
>>> É gratuito: “Palco Futuro R&B” celebra os 44 anos do “Dia do Charme” em Madureira
>>> CEU Carrão recebe o Festival Ubuntu nos dias 15, 16 e 17 de Novembro.
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
>>> E-book: Inteligência Artificial nas Artes Cênicas
>>> Publicação aborda como driblar a ansiedade
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Daniel Mazini, country manager da Amazon no Brasil
>>> Samba da benção
>>> O novo GPT-4o
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> Entrevista com Guilherme Fiuza
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> A Associated Press contra a internet
>>> The Newspaper of the Future
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> 3 Grandes Escritores Maus
Mais Recentes
>>> Livro Nenhum Peixe Aonde Ir de Janice Nadeau; Marie Francine Hebert pela Sm Paradidático (2006)
>>> Livro A Cia E O Culto Da Inteligência de Victor Marchetti pela Nova Fronteira (1974)
>>> Veronesi : Tratado de Infectologia ,Volume 1 de Ricardo Veronesi pela Atheneu (1996)
>>> Em Pauta - Revista do Programa de Música da UFRGS de Mércia Pinto e outros pela UFRGS (1989)
>>> Livro Contos De Aventura E Magia Das Mil E Uma Noites de Varios Autores pela Princípio (2007)
>>> Marte E Vênus Juntos Para Sempre: Nova Formas De Relacionamento Para Um Amor Duradouro de John Gray pela Rocco (1997)
>>> Livro Os Novos Mercados de Peter F. Drucker pela Expressão e Cultura (1973)
>>> Atlas de Anatomia Humana em Imagem de Jamie Weir pela Elsevier (2012)
>>> Livro Minhas Memórias Dos Outros de Rodrigo Octavio pela Civilização Brasileira (1979)
>>> Livro A Loja Da Dona Raposa de Hardy Guedes pela Scipione (2005)
>>> Gibi Saiba Mais Sobre A História Dos Esportes Nº66 de Érico Rodrigo Maioli Rosa pela Panini (2013)
>>> Mito e sexualidade de Jamake Highwater pela Saraiva (1992)
>>> Tratado de Endoscopia Digestiva Diagnóstica e Terapêutica : Estômago e Duodeno de Paulo Sakai pela Atheneu
>>> Livro Antropologia Cultural E Social de E. Adamson Hoebel; Everet L. Frost pela Cultrix (1976)
>>> Salvador: Guia de Cheiros, Caminhos e Mistérios de Fernando Coelho pela Autor (2024)
>>> Livro A Cada Tempo de Alexandre Carvalho pela Paulus (2019)
>>> Livro Labirinto de Histórias de Stela Barbieri , Fernando Vile pela Companhia Das Letrinhas (2019)
>>> Alimentos, Nutrição e Dietoterapia de Krause pela Roca (1991)
>>> Livro O Conhecimento Volume II de Denis Huisman e André Vergez pela Freitas Bastos (1968)
>>> Livro Divertido dos Animais de Anne Vande Lanoitte pela Girassol
>>> Livro Onde Esta O Wally? O Livro Dos Jogos Sensacional! Volume 4 de Martin Handford pela Martins Fontes
>>> Livro Celic Viaja a La Tierra Coleção Lecturas em Acción Volume 4 de Carla Dulfano e Outro pela Edelvives (2018)
>>> Sambexplícito: as vidas desvairadas de Germano Mathias de Caio Silveira Ramos pela A Girafa (2008)
>>> Neuroanatomia Humana de Barr de John A. Kiernan pela Manole (2003)
>>> O Exercício da Lágrima de Rossyr Berny pela Grafosul (1979)
COLUNAS >>> Especial 10 anos sem Francis

Quinta-feira, 8/2/2007
O espectro de Paulo Francis
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 8400 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Paulo Francis era uma figura engraçada. Olhinhos puxados e uma forma de falar atípica (que alguns atribuem a uma prática que visava amenizar sua gagueira). Falava sobre as coisas mais imponentes e polêmicas com um riso contido (irônico?) no lado direito da boca. Parecia um moleque fazendo traquinagem e esperando o susto do espectador por sua atitude levada da breca. De uma coisa creio que ninguém tem dúvida: Francis era um polêmico, mas não para fazer tipo, como diziam seus opositores, ao contrário, sua crítica era séria e fundada numa espécie de razão interna (inteligência), sendo uma das mais intrigantes figuras do jornalismo cultural do Brasil.

Mas, como sabemos, ninguém nasce sábio nem se faz sábio da noite para o dia. É preciso uma vivência apaixonada no cerne da própria cultura para se fazer minimamente inteligente. Mais que um intelectual típico (aqueles formados em duros bancos universitários) talvez Francis tenha sido aquilo que chamamos de connaisseur. Aquele indivíduo que forma sua sensibilidade e inteligência na fruição amorosa dos livros dos grandes escritores. Fazendo um levantamento de autores por ele lidos e citados em diversas publicações ficamos espantados pela sua formação: Proust, Balzac, Melville, Thomas Mann, Nietzsche, Freud, Marx, Camus, Sartre, Agostinho, Gibbon, Eliot, Conrad, Joyce, Shakespeare, Kafka, Dickens, Zola, Edmund Wilson, Auden, Lawrence, Herbert Marcuse... mas vamos parar por aqui, pois o tamanho deste artigo não suportaria a lista dos autores que Francis admirava. Isso sem pensar no vasto universo do teatro, do cinema, da ciência política e da criação musical (alta cultura sem culpa, registre-se) que ele apreciava também.

Nesse sentido, Francis poderia ser um exemplo para os jovens que querem ingressar no jornalismo cultural. Teriam que aprender com ele a lição de que a experiência no trabalho é importante, mas só se realizará plenamente se for casada com uma vasta auto-educação na cultura erudita (num tempo em que, nas escolas brasileiras, boa parte dos adolescentes não sabe nem escrever o próprio nome, isso seria possível?).

A finesse de sua crítica, muito imitada, mas sem grande sucesso (não há fórmulas para ser um Paulo Francis) se deve, então, à relação que o jornalista estabeleceu entre o trabalho duro e apaixonado pelo jornalismo e sua vasta cultura livresca e pela freqüentação ao universo cultural de uma forma geral (museus, teatro, concertos).

Francis talvez seja o primeiro esquerdista (nunca aquele esquerdista militante fanático e cego às aberrações do comunismo) a se declarar um liberal no Brasil. Por isso também deve ter sofrido muito, deve ter sido castigado, criticado e até injustiçado. Corajoso ao ponto de citar e justificar algumas posturas intelectuais do liberal Raymond Aron ou elogiar J.G. Merquior ou de fazer sua crítica ao modelo totalitário do comunismo russo e chinês. Também de criticar a cultura nacionalista ingênua que se desenvolvia no Brasil a partir dos anos 60, aquela postura que achava, por exemplo, que fazer cinema nacional era colocar pobres e favelados nas películas e não investir numa produção técnica refinada e numa investigação estética mais séria.

Paulo Francis era mais Ipanema que USP. Por isso seu espírito despojado. Chega a ser engraçado ver certas assertivas de Francis, como por exemplo, ao comentar a problemática do excessivo número de abortos clandestinos no Brasil. Para explicar a situação no Brasil usou o texto bíblico que resumia tudo, dizendo: "Muitos são os chamados, poucos os escolhidos". Outra frase risível, mas inteligente: "Devemos a Napoleão Bonaparte a Biblioteca Nacional do Rio, por ter dado uma corrida em D. João VI, que fugiu para o Brasil, com cerca de 600 documentos raros, e abriu, se não os portos, alguma coisa, entre as quais a Biblioteca, em 1810". Acho que Francis iria vibrar com a frase de Octavio Paz que disse que a colonização espanhola não teve nada de negativo, ao contrário, só nos livrou dos rituais sanguinários e da escravidão típica da cultura inca e asteca, colocando no seu lugar os princípios universais da democracia e da justiça.

Também muito divertida sua explicação da relação entre a jovem virgem de 18 anos, Hanna Arendt, e o mestre filósofo de 35 anos, Martin Heidegger, dizendo que o que manteve a relação dos dois era o fato de que "o amor que fica é o amor de pica". E ainda, agora já seriamente, nadando na contra-corrente de uma série de tentativas de desclassificação do filósofo alemão, Francis afirmava que a obra filosófica de Heidegger não tinha nem uma linha de racismo, embora ele trabalhasse como professor para o Estado Nazista. O jornalista também lembra, em outro momento, que Nietzsche não tinha nada a ver com a filosofia nazista, como pensavam seus críticos apressados, e que o filósofo acharia Hitler um idiota.

Há um outro assunto que sempre voltava nos textos do jornalista e sobre o qual me parece ser ele o único interessado em comentar: o ateísmo. Acompanhava a produção intelectual de autores preocupados com o tema para dar suas alfinetadas de tabela: "A Igreja nunca aceitou o individualismo, a democracia política, a modernidade leiga e materialista que pôs em segundo plano o estado religioso". Fico imaginando, se Paulo Francis estivesse vivo hoje em dia, de que forma comentaria o retorno ao fundamentalismo que estamos assistindo, como numa nova idade-média bárbara, com fanatismos religiosos e bélicos se ajuntando como práticas inseparáveis. E quem não pagaria para ouvi-lo comentar o atentado de 11 de Setembro, começando com sua famosa e charmosa frase inicial: "aqui de Nova York...".

Francis não era fácil, sem papas na língua demolia alguns cânones literários como, por exemplo, Virgínia Woolf, dizendo: "Mas alguém se lembra realmente de seus romances? Citam-se a todo instante seus comentários em diários e cartas. A literatura parece diáfana, inconsistente e anêmica, de um bom gosto excessivo, que sai do terreno literário para o chique". A demolição continuava com comentários como: "Philip Roth é um Gulliver na literatura liliputiana dos nossos dias". Ou ainda: "Walter Scott, um autor menor sem nenhum significado literário para a sensibilidade moderna". Sobre nossa acadêmica e anêmica Nélida Piñon vaticinou: "Mordisquei seus livros. São ilegíveis. Ela não sabe escrever, ponto. Uma falsa angústia reprimida e um pseudomisticismo permeiam sua obra. A única questão interessante é saber se Ms. Piñon acredita na própria publicidade". Sobre Toni Morrison: "negra, semi-analfabeta".

Destratava alguns cânones ("quem lê Gidé se não a academia?"), mas reabilitava alguns dessacralizados pela academia, como Simenon: "Maigret consegue o milagre de ser high e low ao mesmo tempo".

Discutindo a indústria cultural, a partir da questão do fanatismo das massas pelos fãs (citando, a propósito, a frase de Hitler, de que as massas são como uma fêmea esperando o macho para dominá-la e possuí-la), Francis tenta explicar também a ojeriza de João Gilberto ao seu público nos seguintes termos: "Qual é a diferença entre esta gente que fica ululando diante de Madonnas e roqueiros da pesada e nazistas? Psicologicamente, nenhuma. Um artista popular é de certa maneira uma contradição em termos. O artista nos revela o que não sabemos sobre nós próprios ou sobre o mundo. Quem apenas massageia nossos preconceitos e pressuposições não é artista." O que pensaria Francis sobre as Danielas-Mercury e Ivetes-Sangalo da vida enchendo estádios de fãs fanáticas? Que elas são tudo (mercadorias brevemente descartáveis?), menos artistas. E o público, o que seria para Francis?

Nós sabemos o que o jornalista pensava sobre a cultura pop: "Uma das maiores provas biológicas da resistência do ser humano é que ele resista ou sobreviva a essa montanha infinita de lixo que é a cultura pop".

Francis escrevia sobre todas as áreas, com comentários imperdíveis. Suas frases são notáveis, nos causam inveja, destilam ironia fina a cada estocada. Politicamente incorreto, dispara críticas mordazes com sua metralhadora giratória. Não faz por mal, creio, apenas quer preservar a inteligência que espera do público leitor. Às vezes sua prática lhe arrumou dissabores. Talvez o alimento mais rico para seu jornalismo polêmico. Relê-lo é sempre uma prática rejuvenescedora para nossos cérebros acomodados à mesmice do mundo e da cultura. Numa época em que ficar em cima do muro parece a política mais saudável para agradar o mercado (que compra nossas consciências a peso de moedas de prata), Francis é um exemplo a ser seguido.

Se Francis estiver no inferno (deve estar), onde eu tentarei encontrá-lo assim que eu morrer, ele com certeza vai dizer, com um pequeno riso no canto dos lábios: "Aqui é quente, mas apesar disso, o inferno é que é divertido".

Ah! o título deste artigo? Ora, a viúva de Francis com coragem nas veias vai lançar um romance inacabado do jornalista: eis o espectro do escritor a nos rondar novamente. Direto do inferno. Estamos ansiosos pelo reencontro.

Para ir além






Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 8/2/2007

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Ao leitor, com estima e admiração de Ana Elisa Ribeiro
02. Como ser uma webcelebridade de Andréa Trompczynski


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti
01. Parangolé: anti-obra de Hélio Oiticica - 17/12/2002
02. Davi, de Michelangelo: o corpo como Ideia - 3/11/2009
03. Picasso e As Senhoritas de Avignon (Parte I) - 20/12/2011
04. Felicidade: reflexões de Eduardo Giannetti - 3/2/2003
05. Vanguarda e Ditadura Militar - 14/4/2004


Mais Especial 10 anos sem Francis
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
7/3/2007
16h10min
Jardel: achei divertido o texto, mas essa frase cafajeste para definir o romance (com evidentes afinidades espirituais) de Harendt e Heidegger foi terrível!
[Leia outros Comentários de Lúcio Emílio]
7/3/2007
19h55min
é, meu caro Lucio, assim era o Francis - a inteligência abusada e contraditória sem pedir desculpas. obrigado pela leitura.
[Leia outros Comentários de jardel]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Artur Azevedo - Coleção Melhores Crônicas
Arthur Azevedo
Global
(2014)



Seis Razões para Amar a Natureza-col Escritinha
Silmara Rascalha Casadei e Outro
Escrituras
(2007)



O Rei Branco 441
Gyorgy Dragomán
Intrínseca
(2009)



Desamparo - Nº 12
Diversos Autores
Circulo Psicanalitico
(1979)



A Modernidade em Guignard
Coord. Carlos Zilio
Ipiranga



A 5ª Onda 477
Rick Yancey
Fundamento
(2013)



Livro Mário Lago
Mário Lago
Petrobrás



Terceiro Setor E Questão Social: Crítica Ao Padrão Emergente De intervenção Social
Carlos Montano
Cortez
(2010)



Cavalos Partidos 348
Jeannette Walls
Nova Fronteira
(2010)



Estudos Filosóficos e Políticos
Helio Jaguaribe
Funag
(2013)





busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês