O Leão e o Unicórnio | Guga Schultze | Digestivo Cultural

busca | avançada
61084 visitas/dia
1,8 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Cinemóvel Solar leva cinema ao ar livre para comunidades do Paraná
>>> Festival Curta Campos do Jordão divulga panorama de filmes inscritos para sua 10ª edição
>>> Neide Nazaré lança EP na Casa de Cultura Chico Science com ingressos grátis
>>> Cida Moreira apresenta Um Copo de Veneno no Teatro Lauro Gomes em São Bernardo do Campo
>>> Livro sobre a história da Ponte Rio-Niterói é distribuído para escolas e bibliotecas públicas
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Rodrigo Barros, da Boali
>>> Rafael Stark, do Stark Bank
>>> Flávia e Pedro Garrafa
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
Últimos Posts
>>> Transforme sua vida com práticas de mindfulness
>>> A Cultura de Massa e a Sociedade Contemporânea
>>> Conheça o guia prático da Cultura Erudita
>>> Escritor resgata a história da Cultura Popular
>>> Arte Urbana ganha guia prático na Amazon
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
Blogueiros
Mais Recentes
>>> 13 thrillers que li e indico
>>> Banana Republic
>>> Educação na Campus Party 2009
>>> O Cabotino reloaded
>>> Para entender o Centro da Terra
>>> Imagina se fosse o contrário
>>> Mondrian: a aventura espiritual da pintura
>>> Meu sonho é chegar à perfeição de uma Ciranda Cirandinha
>>> Ser mãe
>>> Para entender Paulo Coelho
Mais Recentes
>>> Bodas de Ouro (Desafios V) de José Paulo Viana, Eduardo Veloso pela Cidade cultural (1976)
>>> Proibido Para Maiores: As Melhores Piadas Para Crianças de Paulo Tadeu pela Matrix (2007)
>>> 7 Bolas De Cristal - As abventuras de Tintin de Hergé pela Companhia das Letras (2007)
>>> Livro O Leviatã de Thomas Hobbes pela Martin Claret (2012)
>>> Ritos De Passagem: O Garoto De Galochas de Lucas Marques pela Avec (2023)
>>> Livro Fogo Morto Romance de José Lins do Rego pela José Olympio (1997)
>>> O Riso: Ensaio Sobre o Significado do Comico de Henri Bergson pela Edipro (2018)
>>> Amor E Prosa, Sexo E Poesia de Arnaldo Jabor pela Objetiva (2004)
>>> 3-D Explore o Fundo Do Mar Aventura Submarina 3-D (Contém Óculos 3-D) de Abril Editora pela Abril (2016)
>>> Livro Minhas Memórias Dos Outros de Rodrigo Octavio pela Civilização Brasileira (1979)
>>> 100 Jogos Numéricos e 100 Jogos Lógicos de Pierre Berloquin pela Rba (1991)
>>> Técnicas Para Uma Leitura Rápida e Eficaz de Donald Weiss pela Nobel (1992)
>>> Consertam - Se Arco - Iris de Ivan Jaf pela Ática (2006)
>>> A Ilha Do Tesouro de Robert Louis Stevenson - Rodrigo Machado pela Ftd (2016)
>>> Picasso - Coleção Artistas Famosos de Antony Mason pela Callis (2016)
>>> A Mesa Voadora de Luis Fernando Verissimo pela Objetiva (2001)
>>> Formas Fantásticas de Laura Torres pela Catapulta (1997)
>>> Aline 3. Viciada Em Sexo de Adão Iturrusgarai pela L&pm (2011)
>>> Livro O Grande Conflito Acontecimentos Que Mudarão O Seu Futuro de Ellen G. White pela Casa Publicadora Brasileira (2004)
>>> O Código Pleiadiano: O Grande Resgate Da Alma de Eva Marquez pela Madras (2021)
>>> Tio Kuba Nos Trópicos de Esther Largman pela Record (1999)
>>> Uma Pulga na Camisola de Ruy Castro pela Companhia Das Letras
>>> 7 Contos Para Antes De Dormir de Não Informado pela Caramelo (1999)
>>> Timeu e Critias ou a Atlantida de Platão pela Edipro (2024)
>>> Almanacão Turma da Mônica Nº 9 de Mauricio De Sousa pela Panini Comics (2021)
COLUNAS

Quarta-feira, 18/4/2007
O Leão e o Unicórnio
Guga Schultze
+ de 8100 Acessos
+ 3 Comentário(s)

Carroll e Marx em Londres
Ilustra por Guga Schultze

Voltei de Londres, a Londres das décadas finais do século XIX e trouxe, dessa viagem imaginária, uma foto na minha câmera digital.

Procurei flagrar dois homens no momento em que cruzavam a mesma rua. Iam, como na vida, em direções e em calçadas opostas. Não sabiam da presença um do outro e não há registro histórico, que eu saiba, de que houvessem se conhecido. É historicamente possível que tenham cruzado seus caminhos em alguma tarde, nas ruas da Londres vitoriana, mas é também improvável que isso tenha acontecido.

No entanto eu fui lá checar e trouxe a foto, sabendo que o valor do meu testemunho é menor que zero. Meu interesse se deve ao fato de que os dois são adversários em potencial e esse antagonismo passa despercebido, inclusive por eles mesmos. São como dois generais que não se conhecem, mas cujos exércitos, se colocados lado a lado, entrarão em conflito imediato.

Um deles tem o porte mais arrogante e caminha com certa impaciência. Usa roupas sóbrias, comuns em cavalheiros do seu tempo, mas há ali um certo desprendimento próximo ao desleixo. Grossas sobrancelhas, espessa cabeleira e uma farta barba grisalha contribuem para a imagem de um homem passando a meia idade, sério, circunspecto, mas reconhecidamente pletórico em seu temperamento dificilmente controlado.

O outro é, sob qualquer aspecto, um homem mais jovem e carregará essa juventude constante como um leve fardo durante toda a sua vida. Suas roupas também não revelam nenhuma intenção de elegância nem chamam a atenção de nenhuma outra forma. Se há alguma coisa digna de nota em seus trajes, essa coisa é uma discrição metódica, talvez conscientemente planejada. Seu passo é discreto, quase tímido e sua presença é anódina no fluxo contínuo dos demais pedestres. O rosto é infantil, assemelha-se ao de uma criança crescida, um tanto melancólico.

Nos dois homens pode-se deduzir o mergulho para dentro, ainda que em mares diversos. O primeiro está dentro de uma tempestade interior. Como um Netuno furioso comanda ondas gigantescas, planeja o futuro social dos povos enquanto caminha, mas não vê nada à sua volta; seus olhos parecem fixos em outros horizontes. O segundo está em lugares estranhos de suas próprias profundezas; ouve alguma música submarina, hipnótica; caminha e descobre ao seu redor as pequenas engrenagens quebradas, cotidianas, de uma lógica absurda e com elas constrói um mecanismo particular.

O primeiro é um alemão expatriado, seu nome é Karl Marx. O segundo é extremamente inglês, viajante mínimo em sua ilha natal, portador de um humor desconcertante e secreto, construtor de um aparelho semântico de precisão, de uma lógica estranhamente implacável; seu nome é Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido como Lewis Carroll.

Evidentemente Marx caminha do lado esquerdo da rua e Carroll à direita. Mas, devido ao ângulo de visão muito flexível que nossa época proporciona e ainda sabendo-se que no trânsito urbano inglês a esquerda funciona como direita e vice-versa, não temos meios de saber hoje - numa situação não marxista mas tipicamente carrolliana - quem está em qual lado.

O antagonismo entre Lewis Carroll e Karl Marx poderá parecer fictício, para não dizer inexistente. O filósofo alemão não estaria, na perspectiva de seus seguidores, na mesma categoria intelectual de um simples escritor de "literatura infantil". Mas é necessário lembrar o perigo, sempre presente, que as brincadeiras de Carroll representam ao ordenamento lógico da linguagem e, por extensão, à visão do universo real que se obtém manejando-se essa linguagem, qualquer linguagem. A dialética hegeliana, desenvolvida por Marx e potencializada por seu inegável gênio, confunde-se freqüentemente com a própria verdade a ser atingida ou a ser demonstrada. O poder convincente de Marx origina-se, em grande parte, numa lógica aparentemente irrefutável, cujas proposições - tese, antítese e síntese - são elementos ou estruturas dinâmicas também aparentemente verídicas em si mesmas. Carroll não prova nada, a não ser uma coisa: que a própria lógica, articulada com a precisão ortodoxa que seja, pode ser usada para provar qualquer coisa.

Quem já leu Marx, gostando ou não do que leu, notará a sobriedade na execução literária, a seriedade quase excessiva do ato de escrever. Essa característica, comum em obras do gênero, contrasta vivamente com a despretensiosa irresponsabilidade literária de Carroll. Marx, ateísta, causa impacto em mentalidades cristãs (que inclusive não se reconhecem como tal). Já a inquietação produzida pela leitura das duas "Alices" de Carroll está longe de ser cristã, ainda que Dodgson tenha sido um ministro da igreja, e não tem paralelo como fonte inesgotável de análise. Críticos diversos notaram a "perturbadora crueldade" permeando as páginas de uma obra que se insere aparentemente na categoria de "literatura infantil", ou a "modernidade" que atravessa modismos e resiste ao tempo como leitura para adultos dos dias de hoje.

Marx é o revolucionário até a instituição da ordem que advoga e, a partir daí, é o conservador dessa mesma ordem. Engendrava uma grande revolução social, idealista, mas ele mesmo assumia a moral vitoriana vigente. Dodgson, politicamente conservador, era matemático mais ou menos ilustre, fotógrafo (principalmente de crianças, mas usou uma fórmula carrolliana para se explicar: "adoro crianças, exceto meninos") e chegou a ser diácono da Igreja Anglicana. Tímido e gago foi ofuscado históricamente por seu alter ego, Lewis Carroll, o escritor, que está longe de ser conservador, tímido ou mesmo gago (se isso fosse possível). Pode-se mesmo especular que Dodgson foi criatura de Carroll e não o contrário.

Individualista, vitalmente envolvido em atividades levemente marginais ou secretas, como sua obsessão com o significado das palavras, com lógica formal e com meninas, é o portador de uma revolução contínua do pensamento aplicado à linguagem, cujas últimas conseqüências podem ser letais a qualquer ordem.

A revolução, em Carroll, é sutil e semânticamente faz eco com modernas teorias matemáticas do caos ou da física quântica. Menos historicamente e mais histriônicamente, Carroll jogou uma casca de banana no piso, já escorregadio, por onde passariam os pensadores ofertando suas argumentações em bandejas.

Nota - "O Leão e o Unicórnio" é o título de um dos capítulos do livro Alice através do espelho, de Lewis Carroll. A foto que eu tirei, acima, contradiz minha afirmação de que os dois caminhavam em sentidos opostos. Explico: Lewis Carroll, às vezes, caminhava de costas.


Guga Schultze
Belo Horizonte, 18/4/2007

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Avatar 3D e as tecnologias visuais do novo milênio de Marcelo Spalding
02. Gleiser, o cientista pop de Tais Laporta
03. Guimarães Rosa no Museu da Língua Portuguesa de Tais Laporta
04. De Livros, Leitores e Leituras de Ricardo de Mattos
05. Teoria da Conspiração de Fabio Silvestre Cardoso


Mais Guga Schultze
Mais Acessadas de Guga Schultze em 2007
01. Outra leitura para O pequeno Príncipe - 17/1/2007
02. Barba e bigode - 4/7/2007
03. Pela estrada afora - 14/11/2007
04. Tropikaos - 19/12/2007
05. Lennon engano - 14/2/2007


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
18/4/2007
16h05min
Guga, somente uma mente criativa como a sua para pensar e ainda fotografar um (des)encontro entre estas duas figuras históricas. Já que você tem o dom de revelar os segredos da alma das gentes, me responda: "Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?". Até hoje eu não sei, acho que mesmo o Lewis Carroll morreu sem saber. Não pare nunca de escrever. Seus textos são sempre surpreendentes e inimagináveis.
[Leia outros Comentários de Henrique Godoy]
20/4/2007
22h29min
Duas naturezas únicas distintas com propostas inquietantes para seu tempo e o que seguisse. Quando Marx nos mostra o homem que resulta do seu modo de produção, e o quanto a sociedade se desconstrói a partir do seu sistema de produção, resta-nos a angústia determinada pelos caminhos que trilhamos. Ainda agora não sei da utopia socialista mais que seus textos acadêmicos. Se Marx busca a superação na sociedade, Lewis se aprofunda na alma humana; as suas histórias de criança grande, ricas de símbolos e cifras, nos parecem contemporâneas vez que não superamos nossas vocações naturais e tudo que de forma lúdica e precisa, como nos fora apresentado por Lewis. O texto celebra o improvavél encontro e realinha o que desponta de mais característico nesses dois personagens. Vantagem para Lewis que prepondera sobre Dodgson, numa obra densa que atravessa a tecitura moral até supera-la, enquanto a grandiloquência de Marx em teoria, sucumbe numa historiografia implacável.
[Leia outros Comentários de Carlos E. F. Oliveir]
22/4/2007
17h16min
Diante do provável antagonismo entre Carrol e Marx não me convenço exatamente de que seja assim. Acho que são duas figuras célebres, intelectuais, que de alguma maneira, queriam virar o mundo de cabeça pra baixo. Tenho cá pra mim que o que Marx queria não foi entendido pelos que usaram a sua teoria nos mais diferentes âmbitos, seja na política, nos governos de esquerda, seja pelos que o odiavam, tão mais ou igual ao Capital. Já Carrol nos trouxe um mundo antípoda, fantasioso e real ao mesmo tempo. E há os que o odiavam e odeiam e há os que o exaltam e há os que o não entendem. Talvez seja esse o meu caso. Alice seria eu? Você? E qual a maravilha do seu país? Coelhos loucos, cartas mágicas de baralho, a busca de seu ego, rainhas assassinas??? E o mundo de Marx, seria possível? Caminhando à direita ou à esquerda do espelho do tempo ou da ideologia? Será que alguém realmente o entendeu?? Será que se os dois caminhassem no mesmo passeio, se se olhassem, não se reconheceriam? Bj. Dri
[Leia outros Comentários de adriana]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Doença Que Somo Nós a Crítica de Jung ao Cristianismo
Jonh P Dourley
Paulus
(1987)



Old Man and the Sea
Ernest Hemingway
Jonathan Cape
(1955)



Vida e Paixão de Pandonar, o Cruel
João Ubaldo Ribeiro
Nova Fronteira
(1983)



Froi, um Exilado
Melina Marchetta; Sonia Pinheiro
Id Ed
(2013)



Ziraldo
El Polilla
Melhoramentos
(1980)



Redescobrir as Psicanalises
Roberto Yutaka Sagawa
Lemos
(1992)



O Casamento da Raposa com a Galinha
Herberto Sales
Nd
(1975)



Antigamente é Que era Bom
Leandro Manhães Silveira; Outros
Niterói Livros
(2017)



Histoire de La Philosophie
Fernand Van Steenberguen
Louvain
(1964)



Lá vem Chegando a Locomotiva
Anja Ritterhoff
Paulinas
(2003)





busca | avançada
61084 visitas/dia
1,8 milhão/mês