Um aspirante a escritor não pode ser preguiçoso. Escritor também não, óbvio. Mas o aspirante a escritor precisa trabalhar dez vezes mais que um escritor reconhecido e assumido.
A tarefa não é fácil, para um aspirante. Ele precisa ler os clássicos, pois são obrigatórios. Precisa também ler os consagrados, mas ainda não clássicos, para aprender com eles o que eles aprenderam com os que vieram antes. São eles, os consagrados, os "filtros literários", a meu ver.
Um exemplo prático disso, vivido por mim, é o conhecimento que adquiri lendo várias obras de Fernando Sabino. Principalmente O encontro marcado. Nele, Sabino cita vários e vários autores e obras, fazendo das notas ao fim do romance quase que um guia literário. O aspirante a escritor precisa também ler os novos autores, a fim de saber a quantas anda a qualidade das obras de seus "concorrentes" (prefiro chamar de "colegas de profissão", é mais amistoso).
E não é ler um ou outro. O bom mesmo, se possível, é ler de tudo um pouco. Contos, romances, poesias, artigos, ensaios, posts de blog, enfim, tudo.
Um aspirante a escritor precisa estar atento ao que acontece no meio literário e editorial. Saber quem é a bola da vez ou a mais "nova e ousada" editora é bom.
O aspirante não pode também ter vergonha de nada. Nem do que tem, nem do que não tem; nem do que é, ou do que não é; nem do que escreve, nem do que não escreve. Se tem dinheiro para investir em si, não é sua culpa. Se não tem dinheiro para comprar um livro, não pode ter vergonha de passar algumas tardes ou manhãs em alguma biblioteca ou de pedir emprestado o livro a algum amigo (apesar de eu não aconselhar isto; eu mesmo não empresto os meus, coisa rara isso acontecer).
Outra coisa que o aspirante a escritor precisa é confiar no material que tem e dar o melhor de si por ele. Não importa se escreve apenas contos curtos ou se está às voltas com uma única e infinita obra. Para quem precisa ganhar tal confiança, sugiro ler Charles Bukowski e John Fante, mas com cuidado. Não se pode deixar contaminar pela síndrome de Bandini, doença que assola muitos aspirantes a escritor que confiam tanto em si mesmos que esquecem de que, quem julga mesmo, seus escritos, são os leitores.
Dialogar. Este é um verbo que o aspirante a escritor precisa praticar. Ele precisa dialogar com os seus leitores - mesmo que sejam poucos, no início - e com escritores. O aspirante deve conversar, e muito, com todos os que aparecerem em seu caminho. Deve colocar seus escritos à prova e respeitar todas as opiniões que lhe forem dadas. Note que utilizei o verbo "respeitar" e não "aceitar". Apenas algumas opiniões e sugestões devem ser acatadas, e o aspirante a escritor, se bem preparado, saberá quais são elas.
O preparo vem das leituras. É com elas que o senso crítico se aprimora. E aí o aspirante vai saber quando deve mudar o fim de uma história, cortar um personagem ou mudar a voz (primeira, segunda ou terceira?) que narra sua obra.
Aos prosadores: não subestimar ou deixar de lado a poesia. Aos poetas: não se atenham apenas aos versos. Poetas e prosadores aprendem uns com os outros, e podem trocar inspirações e influências entre si.
A paciência é uma virtude que os aspirantes a escritor devem ter em índice elevado. Isso porque ele precisa reler várias vezes o que escreveu, ver o que pode cortar ou modificar, deixar o escrito de lado por alguns dias, ler novamente, cortar, modificar, guardar o escrito por mais outro tanto de dias, lê-lo de novo, e assim sucessivamente, até ter certeza de que o trabalho acabou e a obra está pronta. Aliada à paciência deve estar a vaidade. Pecado capital que, apesar de enviar o aspirante a escritor a um lugar que não é o paraíso, é indispensável. Um aspirante a escritor não deve, nunca, fazer corpo mole e divulgar um texto que não seja, no mínimo, bom.
É por isso que as conversas, tanto com leitores quanto com escritores, são fundamentais. Mas pode acontecer de o aspirante a escritor morar em uma cidade do interior e nela não existirem adeptos do "literatismo". Paciência. Um e-mail ou uma agência dos Correios resolve isso.
O aspirante a escritor deve ter, também, muita cara de pau. Como então mostrar seus escritos a um ou a outro? Ou enviar um original a várias editoras? Tem até aquele ex-aspirante a escritor (agora escritor) que distribuiu, de graça, uma edição de contos que pagou do próprio bolso, em uma festa literária aí...
Ou seja, não é um caminho fácil, o do aspirante a escritor. E ele, se levar mesmo a sério a vontade (seja lá vocação ou apenas um capricho), terá de abdicar de algumas (ou de muitas) coisas. Prefiro nem falar sobre isso, para não assustar aos outros (e a mim mesmo).
Pode também acontecer de o aspirante a escritor ser picado pelo mosquito do desânimo e da frustração. Mas ele, o aspirante, não pode, jamais, dar-se por fracassado ou vencido. Se as coisas não deram certo, não adianta se desesperar ou entrar em depressão. Pois o mais importante, para um aspirante a escritor, é ter consciência de que o caminho que escolheu, o da literatura, é longo e cheio de pedras, como naquele conhecido poema. O sucesso e o reconhecimento podem vir ou não. O que importa, mesmo, é ter certeza de que tudo o que poderia ser feito, foi feito. Só assim o aspirante a escritor, mesmo não tendo alçado vôos mais altos, pode dormir tranqüilo. E com orgulho de si.
Concordo com suas observações mas temos que atentar para o fato de que muitos têm o "dom" da escrita, porém, é sabido que estes mesmos não têm a "oportunidade" de divulgar, de apresentar, de ser mais "observados", limitando sua audiência apenas aos leitores locais. Digo "locais" referindo-me aos aspirantes que só tem a eles mesmos mais alguns poucos leitores. Isso sim pode ser chamado de "a mordida do mosquito desanimador"...
Como aspirante a escritor, às vezes sinto um certo desânimo, que o autor do texto tão bem caracterizou. Qual seria a fórmula ideal de evitar tal sentimento? Grato.
Legal, Rafa, sua coluna vai ajudar muita gente. Não só os que precisam de um incentivo pra continuar mas, também, aqueles que precisam desistir de uma vez, rsrs. E tem muito. Muito legal sua coluna. Abraço.
O domínio do código é fundamental para se atingir a fronteira leitor/escritor; conhecer, dominar, transcender.
Intuir o tamanho, formato, linguagem ou o que seja para quando da sua estréia, haja um claro curso delineado, uma linguagem a ser apresentada e um evento a ser descrito. Temos lido algumas coisas, com decibéis acima da textualidade, temáticas superiores, a capacidade descritiva do autor, e alguns textos que mais parecem esculturas. Nenhuma reserva quanto aos experimentalismos: eles são importantes para a oxigenação do texto, variação de estilos; mas às vezes quero uma leitura que não sacrifique uma forma maior que o conteúdo e um escritor que saiba da diferença entre essas coisas. Quanto ao resto, aposto no tentar & tentar...
Legal. sensacional a dica dada por Rafael Rodrigues. Concordo que a perseverança é a chave de tudo, pois não há como vencer sem lutar. Sou um aspirante e vou acatar esse texto como um "manual"