No final da década de 1950, Glauber Rocha lançou a máxima "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". Essa frase influenciou uma geração de novos cineastas e resumiu a tendência que se seguiria não apenas na sétima arte, como também na literatura e na música: o faça-você-mesmo. De lá para cá, com o surgimento e a popularização de novas tecnologias, cada vez menos o artista depende de grandes empresas para apresentar o seu trabalho, sejam elas produtoras de cinema e vídeo, editoras ou gravadoras.
Atualmente, a aparelhagem necessária para se montar em casa uma ilha de edição, um estúdio ou um laboratório de editoração tem um custo mais acessível, e qualquer um que se empenhe consegue conduzir, de forma independente, a produção de um CD, de um curta-metragem ou de um livro.
Mas produção acessível não implica distribuição fácil. Ao contrário, o gargalo da distribuição ainda é o maior desafio das produções independentes de qualquer área. Que o diga Marcelo Gomes, o diretor e roteirista de Cinema, aspirinas e urubus, filme a que se dedicou por dez anos. De prêmio em prêmio, Marcelo viu seu primeiro longa-metragem agradar a muita gente, tanto à crítica quanto ao público. Só não conseguiu agradar aos donos de distribuidoras que não viam ali um grande potencial de retorno, afinal o filme não tinha nada de comercial. E foi precisamente a falta de divulgação e marketing em cima do filme um dos motivos que prejudicaram a escolha para a participação no Oscar deste ano e, conseqüentemente, a garantia de um maior prazo de exibição em salas de cinema de todo o país.
A internet e todas as ferramentas que ela disponibiliza aos internautas vieram num momento propício. Elas funcionam como catalisadores do melhor tipo de propaganda: o boca-a-boca. Por meio dessas novas tecnologias, os internautas também são capazes de interagir com autores de filmes, por exemplo, e definir o rumo da produção. Foi o que aconteceu, recentemente, com Serpentes a bordo, que manteve o nome original devido aos pedidos constantes de quem visitava o site oficial do filme trash-cômico.
Mas a internet é como uma grande loja de pechinchas, com várias bancadas de produtos em liquidação: encontra-se de tudo, desde inutilidades e baranguices a preciosidades em conta. Se por um lado ela ajuda a divulgar trabalhos de toda espécie, por outro, é impossível controlar a variedade de conteúdos que caem na rede. E é justamente essa falta de controle que alimenta as disputas judiciais em torno de direitos autorais e de uso de imagem.
Desde a década passada, assistimos a várias batalhas envolvendo grandes sites de divulgação cultural, como o Napster, o Kazaa e o eDonkey. A bola da vez é o YouTube que, assim como os anteriores, disponibiliza indiscriminadamente vídeos de todas as espécies e procedências.
Recentemente, a imagem do YouTube ficou vinculada ao qüiproquó promovido pela modelo e apresentadora Daniela Cicarelli. Discussões pulularam por todos os lados na tentativa de definir até onde ia a culpa do site que divulgou imagens da ex-Ronaldete participando de uma espécie de "dança do acasalamento" numa praia da Espanha.
Independentemente de afirmações sobre o fomento da pirataria e o duelo com outros gigantes da indústria cultural, esses sites são a oportunidade de artistas menores apresentarem seus trabalhos ao público sem passarem pela seleção extorsiva de muitas empresas. Em outros termos, finalmente o gargalo da distribuição está sendo alargado. Mesmo que seja na marra.
Nesse sentido, o YouTube vem se tornando uma ferramenta imprescindível para pequenos cineastas, atores desconhecidos, produtores, roteiristas, editores e toda uma gama de profissionais que não esperam mais o reconhecimento de uma grande empresa para bancar suas idéias. O site é hoje uma espécie de vitrine para os seus trabalhos. Virou espaço de troca de idéias e informações. Virou lugar de difusão independente. E em meio a muito vídeo tosco, inútil e bobagens caseiras, é possível descobrir talentos dignos de atenção e apoio.
Não é justo que essa função do YouTube seja desprezada em função dos problemas de cessão de direitos autorais e de uso da imagem. Essas questões não aparecem apenas na internet. Vale lembrar que, vira-e-mexe, alguma publicação é acusada de plágio ou de difamação, o que obriga as editoras, muitas vezes, a recolherem das prateleiras volumes já impressos.
O artista independente ainda não se apoderou de todo o potencial do YouTube e de outras ferramentas da internet, talvez, por não conhecê-lo. As grandes empresas, entretanto, já têm idéia disso e fazem o possível para não perder ainda mais o seu terreno. Problemas de direitos autorais, uso de imagem e pirataria são o de menos. O que realmente ameaça a hegemonia dessas empresas é a democratização do acesso aos bens culturais e artísticos e a redução dos custos implícitos nessa democratização. A Cicarelli que me desculpe, mas: que venha o mega-saldão de verão!
Ainda entorpecido pela pancada recebida via decreto presidencial de consignação dos canais digitais às mesmas detentoras atuais do sistema analógico de transmissão de TV, o que na prática significa o fim da democratização da distribuição de conteúdo digital no país, leio seu artigo no Digest com alegria e inspiração. Alegria por ver aqui discutido um assunto que me interessa como editor de vídeo; inspiração por ter percebido, ao lê-lo, que é possível unir teatro com vídeo e internet, resultando em vídeo formatado pelo usuário-espectador durante a etapa de captação de imagens... algo genial!!! Quem sabe seja essa uma saída para os webdesigners da antiga, atuais editores de vídeo digital...