Não me considero um crítico, e insisto em não admitir que faço parte dessa categoria. Simplesmente pelo fato de eu ter consciência de que não tenho ainda preparo cultural para me considerar um. Não há nada de errado em admitir e reconhecer isso, não estou menosprezando minha capacidade. Apenas reconheço o fato de eu ainda ter muito que estudar e aprender, se quiser ser um bom crítico. Mas eu resenho livros, e isso é fazer crítica. Ou não?
Graças a Deus, escolho os livros que quero resenhar. Ou, melhor dizendo, eu só resenho o que eu gosto. Não resenho livros que me foram empurrados - até porque, é bom que seja dito, o Julio, nosso infalível editor, não empurra livro em ninguém. E quando eu acho um ruim, me perdoem, vai doer em alguns, mas eu encosto ele.
Qual o mal em se encostar um livro? Colocar ele de lado e nunca mais ler? Não vejo mal algum. "Ah, mas você tem de dizer que o livro é ruim, proteger o leitor!" Não sou Capitão Planeta, meu nome é Rafael e eu gosto de recomendar leituras. Mas é inegável que o crítico deve, sim, criticar quando achar que deve criticar. Não no sentido de que ele olhe para a pilha de livros que tem na escrivaninha, escolha um e diga: "Vou falar mal desse hoje" ou "Hum... A autora é bonitinha, vou falar bem dela". Ou então não gostar de um livro e falar mal. E gostar de outro e só falar bem. Não é assim.
Todo crítico tem o direito de gostar ou não de determinado livro, mas ele não tem o direito de falar mal de uma boa obra apenas pelo fato de não ter gostado dela. Se ele não souber distinguir o que é bom e o que é ruim e separar isso da questão do gosto, ele está perdido. Nem deveria fazer crítica, aliás.
Ainda bem que até o momento não tive a necessidade de falar mal de um livro. Tenho tido sorte com minhas leituras, muitas delas escolhidas de maneira totalmente anárquica, sem critério concreto algum (isso é assunto para outro texto, aliás). Se bem que tem um autor que está na minha estante só aguardando o tempo certo de eu ler os livros dele e falar mal. Porque esse realmente eu acho que é obrigação minha avisar a todo mundo que não presta.
Não estou por dentro da crítica literária brasileira contemporânea. Eu acho a crítica das revistas insossa, sem muita verve, salvo raras exceções. Os críticos que eu leio - e que acho bons - são o Julio, o Fabio (Silvestre), o Jonas (Lopes), o Luis (Eduardo Matta), o Marcelo (Spalding), o Sérgio (Rodrigues), o Paulo (Polzonoff), caras que elogiam quando acham que devem e que apontam as falhas quando acham que devem também. Só que criticar é algo muito subjetivo, alguém diz. Concordo. Afinal, posso elogiar um livro só porque gostei dele, certo? Posso encontrar mais qualidades que defeitos, ou posso maquiar os defeitos do livro. A maior prova disso são as resenhas elogiosas de O código da Vinci (que tem, sim, pontos passíveis de exaltação, mas não é, definitivamente, um livro bom, como foi alardeado por alguns, na época do lançamento).
E é aí que o crítico é pego pelo pé: se eu amanhã resenhar o Código, por exemplo, e dizer que é uma obra de arte, por algum motivo escuso, vão saber que não sou um crítico justo, honesto. Afinal, estaria elogiando um livro que eu sempre disse não ser boa literatura. Minha sorte é que prefiro resenhar Charles Kiefer, Menalton Braff, Ronaldo Correia de Brito, Nicole Krauss, Jonathan Safran Foer e outros tantos que são bem menos lidos do que deveriam ser (os dois últimos até que não, porque foram "vendidos" como "popinhos" aqui no Brasil).
O crítico que elogia o livro do amigo, só porque é amigo, e detona o do inimigo, só porque é inimigo, é um bobalhão. Porque todo mundo vai saber mais cedo ou mais tarde o real motivo da resenha, e isso pega muito mal para o resenhista.
Eu elogio meus amigos quando tenho a certeza de que eles são bons. Quando eu os considero bons. E não vou parar de fazer isso. E se meus inimigos (graças a Deus não os tenho) lançarem um livro bom, vou elogiar sim, claro, com o maior prazer. Um cara que torço o nariz, mas que admiro, é o Jerônimo Teixeira, crítico de literatura da Veja. Porque ele fala mesmo (não sei como estão os textos dele agora, já faz algum tempo que não o leio), gosto da petulância dele. Era o que eu enxergava quando eu o lia (espero que não me chamem de míope). E, mesmo torcendo o nariz, porque ele falou mal de um amigo meu sem motivo algum (olha a mistura do pessoal com o profissional aí...), se eu gostar do livro dele - que estava para ser lançado e espero que seja logo -, vou elogiar (olha a distinção do pessoal com o profissional aí...).
A questão do gosto, da qual falei alguns parágrafos acima, é complicada. Quer dizer, talvez não seja complicada, mas cada um tem uma opinião a respeito. A minha eu já disse: "Todo crítico tem o direito de gostar ou não de determinado livro, mas ele não tem o direito de falar mal de uma boa obra apenas pelo fato de não ter gostado dela."
Meses atrás li e resenhei Um quarto com vista, romance de E. M. Forster. O livro é engraçado, mas a leitura é arrastada até a metade do livro. Só depois é que fica um pouco mais ágil. Mas não é por achar isso que vou afirmar que o livro não é bom. O romance é bem escrito, tem lá suas falhas, mas é bem escrito, e é de uma importância sem tamanho, porque há no livro referências ao movimento feminista, que não tinha ainda força alguma, há no livro críticas à burguesia inglesa e há também uma leve insinuação ao homossexualismo, que viria a ser tema de um outro romance de Forster, décadas mais tarde. Um quarto com vista é um livro bom, e se alguém inventar de provar que não é vai ter que suar bastante (em vão, diga-se de passagem). Não foi um livro que gostei muito de ler, mas é um livro bom e merece ser lido por todo aquele que queira ler uma obra que tem algo a dizer.
Mas é óbvio que o "gostar" pode interferir no juízo de valor do crítico. Ele pode gostar muito de um livro, saber que não é tão bem escrito, mas fazer uma resenha elogiosa sobre ele. A depender de como ele faça isso, tudo bem. Tenho ali um livro do Philip Roth pra ler, o primeiro dele, Adeus, Columbus, lançado recentemente pela Companhia das Letras. Comecei e precisei interromper a leitura. Mas gostei muito do que li até agora, apesar de achar que o jovem Roth quis mostrar ao leitor que ele tinha/tem muito conhecimento. O excesso de detalhes chega a atrapalhar a leitura em certos pontos e a novela fica chata, em alguns trechos.
Eu não gosto de detalhes. Digo, eu não gosto de descrições longas e cheia de detalhes. Mas aprecio bastante quem as consegue fazer, porque fazê-las bem ajuda muito. E Roth faz isso bem. Só que eu não gosto. Mas eu gostei do tema da novela - são seis, se não me engano, no livro, estou me referindo à primeira. Passei o olho pelas outras e percebi que não tem como eu não gostar do livro. Apesar de eu não gostar de certos maneirismos dele.
Discutir e encerrar uma discussão sobre crítica não é a minha intenção. Algumas declarações que você lê agora foram proferidas antes em meu blog, e elas geraram uma discussão que só não foi levada adiante porque tanto eu quanto meus interlocutores temos mais o que fazer. A discussão foi excelente, num nível muito bom (gostaria até de abrir uma exceção aqui e indicar o blog de um deles, o Lucas Murtinho, que me fez quebrar a cabeça para interagir com ele), e espero que, se houver discussão aqui nos comentários, que ela siga da mesma maneira, sem maiores exaltações ou alguém querendo me bater.
Enfim. O papel do crítico, como diria alguém, é a folha do caderno, ou a tela do computador. Ele que seja justo e faça o que for justo. Elogiar quem merece, falar a verdade de quem não tem talento. E ponto.
É isso aí, Rafael; esse é um dilema do crítico, um dilema do leitor em geral. Mas é um dilema que talvez não deva ser solucionado de uma vez e que faz parte do exercício da leitura. Criticar o quê e por quê? Dilemas são bons para manter a mente afiada; é desses impasses que costuma sair a inteligência da boa crítica. Parabéns, véio, pelo texto.
Caro Rafael, gostei da sua humildade inicial; a humildade é necesária porque abre espaço para a eterna aprendizagem, algo que muitos críticos ignoram. Um bom crítico precisa dominar alguns conhecimentos para o exercício da profissão: gostar de ler; ter bom domínio do idioma (enquanto sistema, enquanto norma e suas variedades lingüísticas); conhecimento de Teoria Literária, de Literatura e de Filosofia (especialmente de Estética); e humildade para reconhecer que não detém o saber absoluto e que ser crítico não é, necessariamente, "falar mal". Só "fala mal" quem quer criar polêmica - não para promover o debate saudável - mas por puro narcisismo.
Oi, Rafael. Para não dizer que não falei das flores: quem você gosta da literatura brasileira contemporânea? É preciso opinar sobre André Takeda, Marcelo Mirisola, Makely Ka, dentre outros. Eles ainda aguardam recepção crítica que vá além da mera resenha.
Abraços do Lúcio Jr.
Caro Rafael, embora não conheça os autores e obras citados, compartilho a sua idéia a respeito dos críticos a respeito de eles serem justos e não passionais em sua crítica. Mas, cá pra nós, criticar uma obra ou autor que são péssimos mesmo e dos quais não gostamos é bom para danar! Adriana
Rafael, sempre vi a crítica com uma certa desconfiança, em alguns chega-se a perceber a exagerada irritabilidade com que se dirigem geralmente ao autor e raramente à obra analisada. Acredito que criticar esteja próximo de apreciar, valorar; e os critérios são tão subjetivos quanto singulares. Gostei muito do seu texto e da forma como tratou o tema, porém ficou faltando acentuar a necessária orientação educativa para a crítica, seja para o leitor ou mesmo para o autor em questão. A literatura é consequência de um sistema complexo e os críticos são leitores com um aparato intelectual desenvolvido para apontar determinadas características presentes nesta ou naquela obra. Torna-se necessário separar a informação avalizada dos gostos pessoais e das defecções que as relações de mercado propagaram. Foi muito correto você apontar que só resenha o que gosta, mas haverá quem veja nesta postura as trocas de gentilezas que têm sido prática entre autores e resenhistas em determinados veículos.
Oi, Rafael, quanto a falar do que a gente gosta, deixo uma frase do Costa Lima sobre Barthes: "O crítico-espelho não é um crítico (...). Se a minha escrita é fundamentalmente um speculum, é um espelho da minha reação diante do texto, então não estou falando do texto, estou falando de mim a pretexto de falar do texto."
Abraços do Lúcio Jr.
Putz! Coloquei dois "a respeito" em poucas linhas. Mas, mesmo assim, o respeito muito. Li novamente o seu texto e gostei ainda mais. Assino embaixo, de novo (pra não dizer de novo, novamente). Abraço, Adriana.
Bom texto, Rafael. Um crítico é um avaliador, ele define o valor de uma obra como boa ou ruim; no caso da literatura: se um livro merece ou não ser lido. Isso influencia leitores a buscarem ou não a obra, por isso um bom crítico torna-se referência, é um trabalho ou tarefa muito séria, não existe apenas para detonar ou não um autor e disso você demonstra ter consciência, também de que ainda lhe falta preparo, talvez por perceber a responsabilidade aí implícita. Uma opinião mal dada pode ser percebida por aqueles que lêem, apesar, ou independente, da crítica, mas aqueles que se baseiam por ela dão poder aos que atribuem valor, seria bom as pessoas pensarem nisso... Boa evolução pra você, que chegue a ser um grande e responsável crítico! Abraço, Cristina
Hoje recebi mais um e-mail a respeito desse texto, a respeito do qual debati bastante com o Rafael. Resumo da ópera: acho-o simplório, esquemático. E pode levar pedrada ainda maior. Acabo de ler no Costa Lima dos anos 70(!) que ele acreditava que ninguém era idiota ao ponto de sair etiquetando livros de "bons" e "ruins"... Cuidado, Rafael. E ele acredita apaixonamente no que diz, pois me perguntou se acho o Mirisola "bom", com certo tom de espanto. Mas vamos parar por aqui. Abraços do Lúcio para todos.
Eu tinha escrito um bom comentário aqui, mas o perdi. O que eu disse foi mais ou menos o seguinte: no texto eu defendi as minhas opiniões. E é óbvio que acredito apaixonadamente nelas. Eu não sei quem é Costa Lima, nunca li nada dele, mas o fato de ele ter mais idade e ter lido mais livros que eu não vai me fazer concordar com ele. No momento, minha opinião é a que está escrita no texto que você, Lúcio, e outras tantas pessoas leram. Se não gostarem dela ou se acharam o texto simplório, pouco me importa. Daqui a 10 anos pode ser que eu pense diferente e que pense diferente da maneira que penso agora. Mas, repetindo, nesse momento, minha opinião é essa. E não tem cânone ou especialista que a faça mudar. Sobre as pedradas, que venham. É pra isso que estou aqui. Mas saiba que elas não vão me ferir, não importa de onde venham...