Para alguém que está começando a entrar no universo da leitura, penso ser importante ter contato com o maior número de culturas (e, posteriormente, de línguas) possível. Isso serve tanto como combustível para uma sólida formação intelectual como elemento fundamental para dissipar qualquer etnocentrismo ou intolerância incipiente.
Eu, que nunca fui muito fã de livros infantis, juvenis ou de histórias em quadrinhos - quando dei por mim já estava lendo livro "de adulto" - indicaria a iniciantes (e o que digo eu, que com meus parcos 23 anos de vida também não passo de um iniciante) nessa brincadeira séria que é ler literatura cinco livros de autores nacionais e cinco de estrangeiros, de vários períodos. Nada em demérito da literatura infanto-juvenil, bem entendido. É que como cada um acha que sua experiência é a mais frutífera e deveria ser copiada pelos outros, não vou fingir ser exceção.
Infância, de Graciliano Ramos, até que pode ser considerado um livro para jovens, e de fato é largamente empregado como paradidático nas nossas escolas. Mas ele não se resume a esse rótulo, e é muito melhor do que as obras que os professores comumente nos forçam a ler.
Os ratos, de Dyonelio Machado, gaúcho contemporâneo do alagoano Graciliano, tem vinte e oito capítulos curtos, é escrito de forma ágil, e, ao narrar as vinte e quatro horas que o pacato e miserável funcionário público Naziazeno Barbosa tem para conseguir arranjar os cinqüenta e três mil-réis necessários para pagar a conta do leiteiro e lavar sua honra, finca-se como um romance psicológico e social ao mesmo tempo (como se fosse possível a uma obra ser integralmente uma coisa ou outra).
Mais recente no tempo, o também gaúcho Erico Verissimo é uma excelente pedida, sempre. Incidente em Antares, apesar de suas muitas páginas, não deve espantar ninguém. Mistura elementos fantásticos e crítica social, ao fazer um bando de mortos insepultos assombrarem os bon vivants de uma cidadezinha do interior, com seus corpos putrefatos e suas línguas felinas. A narração é tão cinematograficamente construída, que não poderia ter deixado de virar minissérie televisiva.
Escritores nossos contemporâneos, o mineiro-carioca Rubem Fonseca e o amazonense descendente de libaneses Milton Hatoum devem ser sempre prestigiados. O primeiro, com seu Agosto, de enredo policial, que se passa no Brasil da época do suicídio de Vargas e é uma aula de literatura e história. O segundo, com o célebre Cinzas do Norte, obra que acompanha as andanças de Mundo, filho de conturbada família da elite do Amazonas, com narrativa ora poética ora ácida, sempre magnetizando o leitor com reviravoltas tão humanas passadas em cenários magnânimos ou paupérrimos.
Passando à literatura estrangeira, mais afastado no tempo e sempre relembrado e relido, O estrangeiro, do franco-argelino Albert Camus. Embora um leitor mais novo não possa em uma primeira lida captar todos aqueles sentidos sociológicos que muitos vêem na obra, não há como não criar de cara uma empatia pelo jeito e palavras simples que Camus usa para nos contar a estória de Mersault, homem comum que mata um árabe na praia "por causa do sol" e vai entrar em um julgamento de seqüências absurdas.
O sul-africano J. M. Coetzee, meu favorito, não poderia ficar de fora dessa lista. Embora sua obra quase completa seja feita de traços sombrios, não-convencionais e inquietantes, é preciso ter sensibilidade nula para não se deixar tocar, por exemplo, pela saga tão comum e ao mesmo tempo tão heróica do protagonista de Vida e época de Michael K.
Ainda em língua inglesa, e porque nosso jovem leitor em breve não se contentará em ler apenas traduções, é preciso conferir o breve Everyman, do estadunidense Philip Roth. Ler estórias sobre o fim de uma vida não é tarefa só de velhos. Pelo contrário, quanto mais cedo se toma conhecimento da dura e inexorável realidade que é um corpo perecível, mais chances se tem de dar à vida o seu real e insubstituível valor.
E fechemos a lista voltando à América do Sul, onde o argentino Ernesto Sabato, que ainda vive, escreveu uma obra ficcional de inegável qualidade, embora escassa. O túnel é, digamos, seu romance mais "iniciável" (Sobre heróis e tumbas deve ter sua leitura adiada, por enquanto). E, porque ler é antes de mais nada diversão, não custa sugerir As piedosas, do também argentino Federico Andahazi, que gosta de ambientar suas estórias em tempos longínquos, e aqui conta uma passada no ano de 1816, com muito mistério e suspense. O livro é eletrizante, pequeno e sem literatices. De fato, se nosso jovem não gostar de As piedosas, ele pode muito bem passar sem livros de qualquer espécie.
Parabéns pelo texto. Simples, mas eficiente. Gostei especialmente da indicação de Agosto, de Rubem Fonseca, um desses livros que não conseguimos largar antes da última página (sei que essa é uma definição para livros populares, mas o que impede que algo seja popular e bom?). Vale lembrar que Agosto teve uma ótima adaptação numa minissérie da Rede Globo.
Olá! Não tenho nada contra a sua lista, tem boas indicações. Mas, em relação à literatura infanto-juvenil, discordo.
Aliás, o que penso é o seguinte: não importa a faixa etária a que o livro é supostamente indicado. O livro é bom (para crianças ou adultos) ou ruim. Lembre-se de Alice no País das Maravilhas, os livros de Monteiro Lobato-Sítio do Picapau Amarelo(supostamente feito para crianças), Tarzan, Mafalda, Snoopy e tantos outros. Então se dá a diferença. Percebe-se que a boa literatura ultrapassa esse limite. Se uma criança começa a ler boa literatura e "pegar o gosto" pela coisa, certamente, quando mais madura, será uma boa leitora, ou seja, saberá distinguir o joio do trigo. Mesmo que não seja bilíngüe ou poliglota. Existem boas traduções no mercado e ela saberá escolher. Um abraço. Adriana