Igreja evangélica árabe, voltaram afinal teus graciosos arabescos (depois do cartaz gigante que te ocultavas)?
Fachadas pobrinhas da Teodoro Sampaio, reapareceram às pressas os entalhes sutis de mil novecentos e bolinha?
E o respiro de vidro dos bares e pequenos comércios, novamente trazem os estabelecimentos enegrecidos pelo tempo à luz?
Fazeis falta, ó outdoors, nas marginais cinzentas (ao menos as escolas públicas voltaram a ter rosto)?
Playcenter, estás desnudo sem as estratosféricas publicidades, verdadeiras hipnoses para a população?
Conjunto Nacional, teu relógio conseguirá autorização por liminar judicial?
E se tudo ficasse mais higiênico, mais Oscar Freire e sua fiação subterrânea, mais Higienópolis com seus quarteirões folhudos-úmidos?
São tantas as vozes, os apelos - que não se acabem - que se acabem - mantenham a identidade visual - preservem as fachadas hoje para o amanhã - satisfeitos e insatisfeitos, saibam que a cidade é de todos - mas cadê o respeito?
Que medida é essa que restringe os corações de 1,5m2 a 4m2?
Botas pontudas da Cicarelli, por que saístes de circulação (antes uma grande minhoca do que um placar tapando os prédios histéricos desta cidade)?
E o mega-anúncio da Hope Clean, colírio dos motoristas, agora perdidos nas curvas do centro da cidade?
Vou acabar também com o cheiro de urina que nauseia a cidade/ preservar os chicletes/ fósseis pretos/ documentais dos hábitos paulistanos/ extirpar os rosas e verdes/ frescos de saliva juvenil// interditem as pontes/ levem daqui os caminhões de água reutilizável santo elias/ tudo tem uma serventia/ votem em mim
E os grafites, arte das ruas, continuam a ser apagados impunemente dos viadutos, enquanto seus artistas ganham reconhecimento internacional?
Onde está a pintura no prédio em frente à Casa das Rosas, esta localizada na Avenida Paulista número 37? No imaginário prédio espelhado se via o reflexo não só da Casa, como também das outras casas, luz de cem anos atrás. Se alguém souber quem é autor daquela obra de assinatura pouco trivial, favor entrar em contato.
E se desatássemos os nós e fios cruzados da malha urbana, ainda haveria aconchego? O paulistano se encontra no emaranhado dos gatos, então, de que adianta uma
Cidade limpinha/ recendendo a pinho/ cidade remontanda/ lego a lego/ pastilhas e ladrilhos/ num desenho neoclássico
E se a publicidade boiasse no espaço ou num tapete mágico? Talvez o panorama dos canos de metal monstruosos, antes pescoços que saem de dentro de oficinas mecânicas, lápide de casas abandonadas nas esquinas das avenidas mais movimentadas, estruturas que ainda sobrevivem apesar de esqueléticas onde quer que haja espaço para uma mirada.
E se ninguém reparar nas mudanças das fotos antes e depois? No entanto, dizem os fashionistas que o look está mais natural. Pouco perfume, maquiagem clean, visual básico. Assim não tem como errar. Não?
Que medidas eram aquelas que vendavam os olhos e congelavam os sentidos?
Vejais as novas placas das ruas, facilitam a leitura com sua fonte alongada e legível à distância. As do centro, branquinhas, auxiliam no combate à poluição visual.
É necessário também uma limpeza nas copas majestosas, extirpar as raízes sobressalentes, costurar as bocas cariadas.
Em poucos anos todas as ruas ganharão um recapeamento, fora paralelepípedos e sua vegetação rasteira!
Vou exterminar os gritos e lamentos dos cidadãos/ embora a feira seja livre/ não me venham com choramingas/ esta cidade foi construída por cabras machos/
O caminhão-guindaste retira WAL-MART como se fossem letrinhas e tudo mais uma brincadeira. Cada unidade amarela deixa um espaço de contornos pretos, onde ainda se lê wal-mart. Limpeza que deixa resíduos, poeira que sobra debaixo do tapete...
Na surdina da madrugada/ placas são retiradas/ transformadas, no dia seguinte, a avenida/ retocada/
será miragem?/ tudo sumiu/ está desencontrado
Nem tudo/ se restam impugnáveis/ informativos/ Governo do Estado/ trabalhando/ veja, estamos trabalhando/ realmente vós precisais acreditar/ prefeitura trabalhando/ homens trabalhando/ nem todas as placas/ serão retiradas?
Na cidade do gigantismo, tudo se minimaliza. Já ouviram dizer que a tendência da próxima estação é um verão triste?
Contagem regressiva/ as garras de metal se aproximam/ elas irão devorar todos os painéis/ solares ou não/ outdoors ou plotados/ ninguém está a salvo/ mas a impunidade morreu/
dos homens-sanduíche só vai sobrar o homem, talvez.
Um texto poético sempre provoca uma pausa no nosso pensamento indisciplinado e constante. É um dos atributos da poesia. Nessa pausa a gente se situa de novo, talvez, para lembrar bobagens como: lembrei que gosto de outdoors e grafites. Urbi et orbi, uma mensagem urbana para um cara urbano. Elisa, muito bonito o texto.
Parabéns, Elisa!!! Voce retratou o novo visual da nossa cidade com extrema clareza, e simplicidade, "good job", voce me fez "ver" e me emocionar em saber que estao tratando com mais justiça, amor e carinho a cidade que tanto amo. Mais uma vez, voce fez um excelente trabalho! Margarida
Elisa, que belo retrato de nossa cidade-caleidoscópio! Chamou-me a atenção uma das preciosidades recuperadas: "os entalhes sutis de mil novecentos e bolinha". Ah! Como já perambulei por ruas paradas no tempo e no espaço, examinando fachadas, à procura dos "entalhes sutis", admirando-as e imaginando de onde teriam vindo seus autores, esses artesãos/artistas, que também se perderam, no tempo e no espaço... Como gostaria de ver preservada essa memória, ainda que virtualmente!