Há sete anos, em uma segunda-feira num bar em Santo Amaro, quatro amigos reunidos acendiam a primeira vela para iluminar a noite que caía no ritmo do samba. Não sabiam que, naquele momento, davam início a uma verdadeira revolução cultural no bairro e na cidade de São Paulo. Foi assim que surgiu a Comunidade do Samba da Vela.
Eles se reúnem ainda às segundas-feiras, só que agora na Casa de Cultura de Santo Amaro, com cerca de 250 pessoas assistindo. Sempre tem música e compositor novo na área. Além dos músicos, o espaço reúne também poetas, que declamam seus poemas, contos e crônicas entre uma canção e outra. Ao invés de cerveja, bebem sopa no final da noite. E a disposição das pessoas no local é em roda, como nos primórdios do surgimento do samba.
Para a Comunidade Samba da Vela "funcionar", cerca de 25 pessoas, entre músicos, cozinheira, recepcionistas e amigos, trabalham na segunda-feira e quando mais precisar. Todos voluntários. A vela que fica no meio da roda serve como um breque para o samba acabar. Enquanto a chama estiver acessa, vai ter música rolando. "Nos primeiros encontros ficávamos até de manhã e precisávamos de alguma coisa que nos fizesse parar. Pensamos em ampulheta, despertador, mas foi a vela que ficou", explica José Marilton da Cruz, o Chapinha, um dos fundadores.
As cores que representam a Comunidade (Azul, Rosa e Branco) são também as cores das velas que, variando de mês em mês, se tornou uma forma de organizar as apresentações de compositores e canções inéditas. No primeiro mês eles usam a vela rosa, que é o período de apresentação das músicas novas. No mês seguinte, é a vez da vela azul, para firmar as músicas entre os músicos e o público e por fim, a vela branca, que vem no terceiro mês para consagrar os sambas que irão entrar para o famoso "caderninho", que contém as letras das músicas selecionadas, com o nome dos compositores, para o público acompanhar melhor os shows.
A vela virou o símbolo dessa rapaziada, que começou a se reunir primeiro com o intuito de fazer um samba de linhagem tradicional, passou a revelar bons compositores e com o tempo foi ganhando a aceitação da comunidade. Começou pelo bairro, Santo Amaro, e foi conquistando a região, a cidade e o respeito e admiração da classe artística.
Os fundadores Magno Sousá e Maurílio de Oliveira integram também o Quinteto em Branco e Preto e foi através do trabalho deste grupo que a sambista Beth Carvalho conheceu o Samba da Vela. Desde então, a cantora se auto-intitulou madrinha da Comunidade e ajudou a levar o projeto mais longe. "Tínhamos apenas três meses de existência e uma freqüência de, no máximo, 80 pessoas por noite. Depois que a Beth virou madrinha, a casa não fica com menos de 200 pessoas", comemora Chapinha.
Hoje, depois do reconhecimento da comunidade, de artistas, de alguns veículos de comunicação, e, a partir deste aniversário, contando com a parceria com a IZZO Instrumentos Musicais, que passou a bancar os instrumentos do grupo, Chapinha lembra das muitas dificuldades que já passaram. "O grande problema é a falta de incentivo dos governantes. A cultura nesse país é largada às traças. A gente tem que fazer cultura na raça, matando dez leões por dia", brinca.
Quanto à principal conquista, José Alfredo Gonçalves de Miranda, o Paqüera, também fundador da Comunidade Samba da Vela, é enfático: o respeito das pessoas da comunidade. "Faltava isso para a região e para o samba. Teve uma massificação [do ritmo], aquele 'pagodinho' e as pessoas se cansaram já daquela coisa melosa, pré-fabricada", analisa.
Samba de Comunidade
Chapinha (de azul) animando a roda de samba
Na última segunda-feira (17/07), o Samba da Vela comemorou sete anos de existência. Entre os compositores participantes, estavam muitos sambistas de outras comunidades que fazem um trabalho parecido com o grupo de Santo Amaro. O Pagode da 27 (Grajaú), Samba da Laje, do Cafofo, da Penha e representantes da escola de samba Vai-Vai mostraram que a causa pelo samba e pela cultura é maior que a vaidade de cada grupo.
"A nossa relação com as outras comunidades é a melhor possível. Eu, por exemplo, sou padrinho do Samba da Laje, do Cafofo e do projeto da Vai-Vai. Estou sempre nas comunidades incentivando, é disso que eu gosto, não tem jeito", conta Chapinha. Durante a noite, a roda do Samba da Vela tocou músicas de outros grupos, comprovando que essa integração parece ser um movimento cultural que está brotando em São Paulo.
Paqüera explicou que não é de hoje que grupos se reúnem para fazer samba próximo às comunidades, incentivando outras manifestações culturais e sociais em São Paulo. Segundo ele, de 1996 a 2000 foi realizado o Mutirão do Samba, no bairro da Barra Funda, na rua Barão de Campinas. "Isso inspirou muito o projeto 'Nosso samba de Osasco', que fazia esse tipo de trabalho na comunidade". Nessa época, o Samba da Vela já estava engatinhando e Paqüera levou os três amigos para conhecerem e foi aí que começaram a estruturar melhor o que se tornaria a Comunidade Samba da Vela.
Quanto à harmonia existente entre os grupos, Paqüera acredita que não será por muito tempo. Aliás, acha até melhor. "A rivalidade musical é importante para a comunidade adquirir mais identidade e ficar ainda mais valorizada". Ele dá o exemplo das escolas de samba do Rio de Janeiro, como a Mangueira, Portela, Estácio de Sá, entre outras, que fizeram grandes sambas entre uma disputa e outra. "Mas na realidade a briga era para melhorar a qualidade do desfile, dos sambas, nunca para menosprezar o outro. Quando começarem a defender suas comunidades em uma disputa musical de qualidade, acho que a coisa vai crescer muito mais", avalia.
"Sambar é a nossa vocação
Lutar pela nossa tradição
Enquanto houver sobre a mesa
Uma chama acessa
O samba se renovará
Essa é a nossa certeza"
(Paqüera)
Para ir além Site do Samba da Vela
Casa de Cultura de Santo Amaro - Praça Francisco Lopes, 434, Santo Amaro - Tel: (11) 5522-8897 - Toda segunda-feira, às 20h - Entrada gratuita (a casa aceita contribuição de R$ 2,00 para ajudar a custear a sopa).
O Samba da Vela era uma coisa maravilhosa. Depois foi ficando famoso, enchendo, institucionalizou-se demais, como sempre acontece em São Paulo e acabou criando uma nostalgia de si mesmo. Uma pena!
Não dá para individualizar um produto que pertence ao povo, como é o caso do samba. Quando se cria, ou desemvolve algo em torno da cultuura popular, a tedência é que isto se espalhe e se agigante, tanto é verdade que até a rainha do nosso samba apadrinhou o movimento. Parabéns à rapaziada. Damião Marques de Sousa, Vitória/ES.
Acabei de voltar da comemoração dos 8 anos do Samba da Vela. Aquilo é um verdadeiro culto de adoração ao samba - não dá pra não se impressionar e sem dúvida vale a viagem até Santo Amaro. Pra quem não sabe, aos sábados à tarde, no "Voce vai se quiser" (R. João Guimarães Rosa, 241), tem uma roda de samba muito animada com o Paqüera e a Graça Braga (e lá pode beber cerveja, hehehe).