... ou pelo menos para onde vão os quase 30 mil jornalistas que se formam a cada ano no País (dados do Censo do Ensino Universitário). Considerando que a Federação Nacional dos Jornalistas calcula em cerca de 60 mil o número de profissionais hoje no mercado, seria necessária uma renovação de metade do quadro todos os anos para que os novos colegas conseguissem um lugarzinho ao sol.
... ao constatar que, para complicar um pouco mais a situação, o emprego para jornalistas com carteira assinada, regime CLT, assim como acontece em outras categorias, está virando peça de museu junto com as réguas de pica (lê-se paica), o past-up e outras coisas que a geração internet provavelmente nunca ouviu falar. Agora a moda é o jornalista "PJ", ou pessoa jurídica, o jornalista-empresa-de-um-homem-só. Só que é uma empresa que tem que bater ponto, freqüentando fisicamente por 40 teóricas horas semanais a redação.
... quando lembro que o diploma é obrigatório e eu tive que fazer aula de taquigrafia para conseguir o meu. Felizmente havia os bares da prainha da Cásper Líbero e o saudoso Armando, vendendo seus marcianos eróticos, para nos redimir.
... ao pensar novamente que o diploma é obrigatório e recordar de um estagiário que conheci e que já deve estar prestes a conseguir o referido canudo. Possuía ainda tantas "dúlvidas" (sic) na hora de escrever uma carta simples para alguém de nome "Amalha" (sic) que foi necessário recomendar a ele um curso básico de português e uma nova reflexão vocacional.
... ao ler a descrição de vagas de emprego que exigem profissionais com MTB, pós-graduação, manual de redação decorado e javanês fluente, para ganhar salário pouco superior ao de uma diarista.
... ao notar que um grande portal de notícias levou mais de 15 minutos para colocar em sua home page a notícia de que havia um incêndio no aeroporto de Congonhas no dia 17 de julho, já amplamente noticiado nos veículos concorrentes. O que me faz crer que não importa se os tempos são de Blackberry ou de Olivetti. Estamos perdidos se as pecinhas que ficam atrás dessas máquinas não funcionam.
...quando vejo quantos brindes maravilhosos as revistas e os jornais oferecem hoje a seus leitores. Ganhe uma panela já que nossas notícias não são suficientes para motivá-lo a comprar nosso periódico. Essa é a verdadeira mensagem embutida na promoção.
...ou pelo menos para onde eu poderia fugir quando passo por uma avenida chamada "jornalista Roberto Marinho", leio um obituário que lembra que ACM além de fonte foi repórter, reflito sobre o fato de que a jornalista Mônica Veloso ganha pensão de R$ 15 mil por mês e não precisa mais trabalhar.
... quando lembro que em tempos idos uma editora, com salário de editora, leu atentamente o texto de uma colega, que tratava de alguma descoberta científica sobre um sapo, e exclamou para toda a redação que tinha apenas uma dúvida: "O sapo pertence mesmo ao reino animal?". Ao que, prontamente, toda a redação ponderou, depois de passado um primeiro momento de estupefação: "Apesar de verde, o sapo não é vegetal. Mineral, também não será. Sobra-lhe, portanto, o reino animal. No máximo, seria do reino encantado, caso fosse um príncipe enfeitiçado". Não sabemos até hoje se ela captou a mensagem.
... quando puxo por outras memórias e recordo de outro editor, com pose de entendido em economia, que me perguntou se era mesmo verdade o que tinham contado a ele sobre a existência no mercado de títulos de dívida externa que não vencem nunca. Ora, um título de dívida externa, grosso modo, é como uma operação de empréstimo: alguém empresta dinheiro a um país que promete devolvê-lo com juros em um determinado espaço de tempo. Você que me lê não precisa saber disso, mas o dito editor, sim. Eis porque ele não deve compreender até hoje porque eu demorei longamente para responder sua questão, com um pedaço de gargalhada contida pendurada no canto da boca. Se não fosse tão covarde, diria a ele que sim, os tais títulos existem, vêm do mesmo país onde os sapos não são animais. País onde os investidores são bandos de patetas. "Iac, iac, empresto o dinheiro mas não precisa me devolver nunca".
...ao perceber que o editor dos títulos mágicos e a editora dos sapos são personas mais comuns no jornalismo do que a gente possa imaginar. No prefácio de seu livro, O Aleph, Jorge Luís Borges conta que um jornalista lhe perguntou se ele realmente havia visto o tal Aleph. Justificava dizendo que o autor cita no conto nomes de ruas que existem de verdade. Então porque o Aleph seria de mentira?
... e quase morro de catapora colorida com alguns releases que chegam na minha caixa de e-mail todos os dias. Trazem pérolas como "novo produto para realçar pratos brasileiros como o arroz oriental" e informações úteis como "saiba prever o comportamento instável das peças de borracha".
... e leio no Comunique-se que na Rússia a imprensa vai é para o manicômio: "A jornalista russa Larissa Arap, 48 anos, foi internada a força em um hospital psiquiátrico pela polícia após escrever uma reportagem com críticas ao tratamento de doentes mentais no país.(...)Não é a primeira vez que o governo russo ataca membros da imprensa. O repórter Andrei Novikov está internado há um ano em um hospital psiquiátrico após escrever artigos sobre ações militares da Rússia na Chechênia"
...quase todos os dias. Mas sou pior que mulher de malandro. Acho que nunca vou largar dessa vida.
Um texto muito original e uma "pergunta que não quer calar". Inteligentemente reforçada e apenas indiretamente respondida pelo texto, cheio de humor. Muito, muito bom, Drica. Abraços!
Cara colega, não é só o jornalismo que vive seus dias finais, o direito passa por tal situação... É só verificar quantos bacharéis se formam e quantos conseguem tirar a tão almejada carteira da Ordem dos Advogados do Brasil, e mesmo tirando, quantos conseguem exercer a profissão... Com certeza há escassez de vagas em todo lugar... Mas em jornalismo e direito isso é aterrorizador!!!