Moptop abre o Festival Indie Rock (foto: Caio Kenji)
"Festa estranha com gente esquisita". A frase de Renato Russo poderia resumir muito bem o que aconteceu no Via Funchal nas noites dos dias 26 e 27 de julho. A festa foi estranha: platéia metade cheia, metade vazia, e as bandas que se apresentaram não tinham estilos muito semelhantes entre si (tinha som instrumental, pop, hard-core, mangue beat e uma big band com um completo naipe de metais). A gente era esquisita: uns com dreads, outros com cabelo bem liso; uns com roupas estampadas e colantes, outros de camisa listrada e folgada; uns com cara de tédio, outros que não paravam de pular. Mas toda essa "esquisitice" gerada pela diversidade me pareceu ser a característica central do evento e de seu público, que se auto denomina "alternativo". Pelo menos, foi o que vi no Festival Indie Rock.
Um fato curioso é a contradição que existe entre o termo indie rock e a proposta mainstream do festival. Indie é uma contração de independent ("independente", em inglês). Bandas que recebem esse tipo de definição são aquelas que não são lançadas por grandes gravadoras, que geralmente tocam para platéias pequenas, em locais de pouca (ou nenhuma) estrutura. Conceitos totalmente avessos ao que se passou no Via Funchal: uma casa de shows grande, uma infra-estrutura que suporta 6 mil pessoas e com ingressos entre R$ 100 a R$ 140.
Esta foi a primeira edição do festival em São Paulo (a primeira no Brasil foi no ano passado, no Rio de Janeiro, com a participação de Franz Ferdinand). Desde 1997 a organização do evento guarda a marca "Festival Indie Rock" patenteada. E por quê não foi feito antes? De acordo com Maria Luísa Jucá, produtora e curadora do festival, eles aguardavam um momento em que o público estivesse tão grande quanto a quantidade de bandas alternativas no circuito. "Agora a garotada está sedenta por esse tipo de banda, trocando informações e pesquisas na internet. Então decidimos que era o momento perfeito para a realização do festival", diz. "Queremos fortalecer a rota indie no Brasil. Quanto mais forte o mercado, melhor para todos."
Mercado? Essa palavra definitivamente não faz parte do vocabulário indie. Mas quem - além dos que pagaram mais de R$ 100 para assistirem aos shows - vai reclamar do lucro obtido nesse festival? Afinal, não se pode negar que é uma boa oportunidade para os músicos ganharem mais espaço, reconhecimento e até fãs.
A baixista do Magic Numbers vibrou com a platéia (foto: Caio Kenji)
As bandas
O Moptop abriu o primeiro dia do festival pontualmente às 21h30. A banda carioca, formada por dois guitarristas (um deles é o vocalista), um baixista e um baterista, tocou para um público desanimado, além de a platéia estar praticamente vazia. As pessoas que estavam na imensa pista poderiam encher facilmente as casas undergrounds daqui da capital. Depois fui entender que grande parte dos que compraram ingresso para o primeiro dia de show iria chegar mais tarde para ver apenas os ingleses do The Magic Numbers.
O Hurtmold tocou logo em seguida, mas não colaborou muito no quesito animação. Por ser uma banda instrumental, até fez com que os poucos que ainda estavam na pista aproveitassem o momento para ir beber alguma coisa no bar, fumar um cigarro ou dar uma volta. A banda faz mesmo um som diferente, misturando elementos eletrônicos com o rock, com muita percussão e improvisação. Percebi que há um público cativo, que deve estar sempre presente em seus shows, mas havia muita gente que não conhecia o grupo e não demonstrou interesse.
Mas quando o quarteto inglês The Magic Numbers começou a tocar, o cenário mudou. A platéia estava bem mais cheia e animada. Quase todos cantavam as letras junto com a banda que, por sinal, era muito carismática. A baixista Michele Stodart, além de ótima instrumentista, estava muito empolgada. Além de grandes sucessos como "Love's game", a banda, que é por muitos considerada uma nova versão de The Mamas & The Papas, tocou uma música brasileira. Diferente de outros gringos que vêm e tocam sempre Tom Jobim, eles mostraram que têm bom gosto e conhecem a música brasileira e tocaram "Baby", do Caetano Veloso.
No segundo dia do Festival, em que achei que ia encontrar uma platéia mais cheia, me enganei. Novamente, o Via Funchal estava meio vazio, mas, dessa vez, o público parecia mais animado. A Nação Zumbi abriu a noite, com o vocalista Jorge Du Peixe dedicando o show ao falecido flautista do Mombojó, Rafael Torres. Por conta deste incidente, os meninos do movimento mangue beat substituíram a banda, ainda fragilizada pela morte de um de seus integrantes, no Festival. Mas, apesar de os batuques de maracatu serem contagiantes, o repertório não era muito conhecido, nem as músicas tão criativas como as da época do Chico Science.
Nação Zumbi dedicou o show ao flautista do Mombojó
O grande destaque da noite, sem dúvida, foi a banda Móveis Coloniais de Acaju. Talvez por terem um estilo musical mais destoante das outras bandas (metais presentes em todas as músicas e alternância de ritmos em uma mesma canção), talvez por misturarem muitos ritmos (ska, rock, elementos de músicas brasileiras e ritmos do leste europeu), talvez por terem uma presença de palco muito forte, talvez por fazerem uma performance louca e eletrizante, ou talvez por tudo isso ao mesmo tempo.
Além de todos os integrantes (menos o baterista) dançar e tocar ao mesmo tempo, pulando ou correndo pelo palco, na última música, "Copacabana", a banda fez o inusitado: eles desceram do palco, foram para a pista e montaram uma roda imensa com o público. Ainda cantando e tocando, fizeram todos dançar. No final, todo mundo foi para o meio da roda fazer o tradicional "bate cabeça".
Em seguida, o The Rakes subiu ao palco para tocar. Mas tanto pelo estilo musical quanto pelo cansaço das pessoas que haviam dançado e pulado junto com o Móveis, o público não manteve a mesma energia. A tradução de rakes é "farrista", o que pode-se justificar pelo vocalista, que gemia e dava alguns gritinhos entre uma música que outra, mas nada comparado à simpatia do The Magic Numbers e o agito do Móveis.
Acho que para um Festival que pretendia ser grande, o Indie Rock não cumpriu totalmente sua função, por não ter lotado a casa. Público existe, a produtora do evento estava certa. No entanto, ingressos caros não funcionam muito para pessoas que não estão acostumadas a irem a mega eventos, muito menos pagar caro para isso. Mas pela qualidade de algumas bandas, acho que valeu a pena inciativa.
Há sempre rótulos na música, talvez isso sirva simplesmente para separar os festivais por nomes. É uma pena ver o preço dos ingressos salgados e a falta de público, mas convenhamos o indie rock combina mais com locais pequenos, afinal você lembrou que eles são independentes. O Móveis Coloniais de Acaju é destaque em todos os festivais que toca, no meio de tantas bandas atuais, a banda de Brasília consegue sacudir multidões e a roda/ciranda no final do show é um clássico imperdível para qualquer fã do estilo "rock?" do Móveis.
Sempre vibro quando encontro algo inteligente na Internet. O Digestivo Cultural é uma excelente iniciativa, que só faz somar o universo tão carente de coisas construtivas.