"O verdadeiro jornalista se faz, justifica sua existência, mantendo uma distância cética do poder, criticando-o sempre que for necessário e nunca se deixando dominar por ideologias de grupos de elite".
Paulo Francis (Folha de S. Paulo, 1985)
Estendo este convite de Paulo Francis ao ceticismo para toda a sociedade. Como ele próprio definiu em outra oportunidade, "90% das notícias no mundo inteiro são press releases de poderosos e famosos". Hoje, talvez, já tenha atingido os 99%. Paulo Francis deve estar se revirando em seu túmulo. Quem sabe um dia os aparelhos que mantêm vivo o jornalismo vegetativo sejam enfim desligados. Só assim a crítica e a contestação podem sair do limbo e prosperar num país convulsionado como o Brasil.
Crítica e contestação, aliás, eram as especialidades de Paulo Francis e estão cada vez mais escassas nos dias de hoje. Se você se deparar com uma coisa ou com outra, não deixe passar. Leia, interprete, divulgue, crie debates. O Brasil está carente de neurônios e você pode gastar alguns dos seus nessa causa. Melhor isso do que continuar agonizando nesse jornalismo letárgico, que traz todo esse lodo pútrido de corrupção e canalhice em tom protocolar, como se estivesse dando a previsão do tempo ou a cotação da bolsa de valores. Seria bom ver o jornalismo paralítico levantar de sua cadeira de rodas.
Quando surge algum contestador, seu patrão rapidamente se põe a domá-lo. Se não tiver sucesso na empreitada, a saída é demiti-lo. Os interesses sempre falam mais alto. Críticas ao governo não são bem vindas, pois este pode injetar sua vultosa verba publicitária no concorrente. É melhor não incomodá-lo. E criticar qualquer governo não implica em momento algum que a oposição deva ser preservada. Muito pelo contrário. O PSDB está aí para provar. Mas quem se importa? Se as notícias mais aguardadas são as de celebridades e celebritites, as críticas aos poderosos sempre podem encolher um pouco mais. E viva o Big Brother!
É aí que os blogs encontraram seu grande pilar de sustentação. Na blogosfera não há interesses escusos, não há gordas verbas de publicidade em jogo, não há editores, chefes de redação ou patronos com o rabo (e o bolso) preso aos grotões. Assim renasceu das cinzas o jornalismo independente. Marginalizado, é verdade, mas renascido. Ainda vai levar algum tempo para que os blogs exerçam a mesma influência que os jornais exercem sobre a opinião pública, por isso a necessidade de haver uma colaboração entre as mídias e, principalmente, de separar o joio do trigo. Chego a ficar embasbacado quando alguém critica um jornalista que se coloca contra o establishment político. Nunca precisamos tanto dos blogs. É ali que o grito do leitor encontra eco.
Mas, nesses tempos petistas, o grande polemista do momento atende pelo nome de Diogo Mainardi. Desde que Lula subiu a rampa do Planalto, Mainardi vem achincalhando-o sistematicamente. E não é só o presidente que sofre em suas mãos. O "lulismo" e os "lulistas" também são alvos. Mainardi persegue até jornalistas, publicitários, empreiteiros, qualquer pessoa que mantenha relações mais próximas com o governo. Com isso, acumulou uma pilha de processos na justiça e ganhou uma quilométrica fila de inimigos (alguns mortais) que, não por acaso, o definem como uma caricatura de Paulo Francis.
Mas parece que os dias de glória de Diogo Mainardi ficaram no início do governo petista. A cada novo escândalo, ele destilava seu veneno e temperava suas colunas com fofocas políticas e ironias cáusticas. A acidez era tamanha que as palavras pareciam ter vindo de sua bile. Voz dissonante naqueles dias, quando todos se derretiam com Lula, ele reinou absoluto. Agora, que as denúncias agora parecem ter rareado (ou melhor acobertadas), suas críticas derrapam em achismos e obviedades. Parece procurar pêlo em ovo, alternando algumas comparações engraçadas com outras estapafúrdias, mas no geral se perdendo em elucubrações enviesadas.
Sua fixação por Lula parece até doentia, mas, ironicamente, foi com Lula no poder que Mainardi se tornou uma celebridade que desperta amores e ódios em iguais proporções. Será que ele vai algum dia agradecer o Lula por isso? Acho difícil, mas o que estou realmente interessado em saber é se ele manterá toda essa artilharia quando Lula deixar o poder. Espero que sim (mas tenho minhas dúvidas). Que sua perseguição implacável aos pilantras continue. Seu estilo bucaneiro e boquirroto, se não pode ser chamado de jornalismo, pelo menos, é divertido.
Diogo Mainardi é discutível? É. Principalmente quando resolve se aventurar em comentários infelizes contra nordestinos, ou quando diz que prefere pagar para não ter que ir a Cuiabá dar uma palestra. Não que ele não tenha o direito de criticar o Nordeste ou Cuiabá, mas é aí que ele se entrega em provocações vazias e gratuitas, buscando a ira dos ofendidos para satisfazer sua necessidade quase fisiológica de gerar controvérsias.
Seus detratores o acusam de praticar o "parajornalismo", uma forma pejorativa de definir autores que deturpam fatos para conseguir um impacto maior em seus textos. O termo foi introduzido pelo crítico americano Dwight Macdonald, já falecido, combatente ferrenho do gênero. Mesmo que o parajornalismo receba (merecidamente) todas as críticas do mundo, não consegue ser pior do que o jornalismo chapa-branca, símbolo máximo da subserviência aos poderosos.
O parajornalismo pelo menos nos dá munição para rechaçá-lo, contra-atacar com novas críticas e levantar novos debates. Ou ignorá-lo. Enfim, você pode escolher o que fazer com ele. Usá-lo ou jogá-lo fora? A escolha é sua. E ao parajornalista que não encontrar consistência em suas teses, o tempo se encarregará de expeli-lo. O conflito de idéias é e sempre será saudável numa democracia.
Já o jornalismo chapa-branca sugere o contrário. Sugere que fiquemos catatônicos na frente da TV, babando na gravata. A cada novo governo (seja ele de qual partido), lá estarão os chapas-brancas, sempre a postos para adulações. Que jornalismo é esse que não pode (ou não quer) questionar nada? Não existe nada mais nocivo para uma democracia do que o jornalista militante, que nada mais é do que um político infiltrado na imprensa a serviço de interesses partidários. Uma pessoa assim deveria escolher: é jornalista ou é militante? Não dá pra ser os dois.
Bem entendido. Como leitor, sou a favor do jornalismo contra. Como cartunista, sou contra o humor a favor. Não estou dizendo que sou contra um humor mais ameno em uma charge - faço muitas charges assim. Sou contra o humor eleitoreiro. Tampouco estou defendendo a barbárie jornalística, em que se critica tudo, não importa o que, mas defendo sim a "distância cética do poder", como sugeriu Paulo Francis. E quanto a Diogo Mainardi, discutível ou não, ele se consagrou como o Nelson Rubens do jornalismo político. Ele aumenta, mas não inventa.
Que texto maravilhoso! Sou jornalista e estou enojada com a atitude servil da mídia de modo geral. Aqueles que ousaram criticar esse governo são desqualificados imediatamente. Não sou leitora assídua de Mainardi, mas gosto de sua coragem. Aqui no Ceará os jornais são subservientes e poucos, raríssimos articulistas conduzem seus textos de modo distanciado, estimulando o leitor a olhar com senso crítico. Parabéns pelo texto.
É mais difícil ser contra, ainda mais numa sociedade que evita o conflito das discussões quando há discordância, por considerá-las apenas ataques e não possibilidade de ver além, de modificar o rumo de algo que pode não estar bom ou o melhor possível. Não nos falta mais liberdade, faltam ideais, leitura, reflexão, crítica, sem falar em seriedade, responsabilidade, porque passamos do estágio da proibição para o "tudo é permitido". Ninguém quer que voltem as proibições, ou um moralismo rígido, com valores intocáveis, mas será que faz sentido o vale-tudo? A situação política mostra que não. Existem coisas que precisam ser defendidas, preservadas e é preciso fazer pensar a respeito. O mundo talvez seja melhor se as pessoas tiverem não apenas liberdade, mas também autonomia; se não apenas absorverem informações, muitas vezes sendo manipuladas, mas também questionarem, contribuirem com as próprias percepções. Jornalistas têm a função de despertar, conscientizar, não apenas informar. Bom texto!
Não sei muito do "ser contra" ou "a favor", tenho lido muito sobre a finalidade do jornalismo de fundar algum sentido crítico na sociedade, sinceramente, não acredito. Não atribuo aos jornalistas a primazia de desenvolver nenhuma tese ou postura politica, que deva ser de desejo de cada individuo. O jornalismo que me atrai é o da diversidade, feito entre o trágico e o cômico e não uma leitura ordinária do cotidiano. Há também a referência econômica do veículo que não deve ser ignorada, então resta ao jornalista a coragem de sê-lo e a vocação para o nada. A isca da atenção é o escandalo e o extraordinário, e os jornais sabem disto e usam este conhecimento à exaustão. A sobrevivência de um veiculo de informação está no lastro de leitores regulares que ele consegue captar e tudo o que possa ser apresentado e oferecido a este público: notícia, entretenimento; formação política e cultural é só uma possibilidade cuja a responsabilidade é individual e está fundada no senso crítico, se há um...
Concordo plenamente que o pior jornalismo é o chapa-branca, que não contesta nada. Isso num país tão carente de debates como o Brasil; é desolador... O Mainardi foi um dos cases estudados no meu Trabalho de Conclusão de Curso - eu analisei o uso da ironia no jornalismo opinativo. Concordo que a postura "do contra" do colunista da Veja é fundamental, por mais que ele cometa equívocos, como fazer comentários preconceituosos contra o Nordeste e lançar provocações vazias apenas para polemizar. Também espero que o Mainardi siga com seu estilo combativo nos próximos governos, sejam eles do PT, do PSDB, ou do sei-lá-o-quê. Por fim, digo que não acho o Mainardi a "versão piorada do Paulo Francis", como muitos gostam de classificá-lo. Não há comparação: o Francis era muito mais sofisticado, culto e bem-humorado do que o Mainardi. Quase desisti de me formar em Jornalismo quando um dos meus professores-militantes comentou que, para ele, o Francis era apenas "um ideólogo da direita". Pfui...
Caro Diogo, belo texto. Eu, particularmente, não gosto do Diogo Mainardi. Creio que o termo parajornalismo serve muito bem para ele. Uma coisa é fazer jornalismo investigativo (isso, sim, raro na atual imprensa). Outra é receber dossiê de alguém interessado e fazer denuncismo (isso, sim, prolifera!)...
Diogo, compactuo com suas ideias. Apoio o jornalismo crítico e apartidário.Chega de oligarquias midiáticas,recortes temáticos e matérias que pouco acrescentam a opinião pública. "Liberdade de imprensa", para quem e a que preço ?