Em termos de auto-ajuda, nada é melhor do que uma auto-escola. É onde a gente recebe a verdadeira auto-ajuda, percebe? Isso é tão evidente que dispensa comentários. E eu fico parecendo ser aquele tipo de pessoa que perde um amigo, mas não perde a piada.
Não é bem verdade, mas eu espero não encontrar um deles, esses meus amigos, com um livro de auto-ajuda debaixo do braço. É preciso dizer isso, doa a quem doer: um livro de auto-ajuda debaixo do braço denigre a imagem da pessoa. Não a auto-imagem. Essa, lá dentro da cabeça do leitor, está sendo enviada (olha o gerundismo) para o Olimpo, para a companhia dos deuses. Falo é da imagem que as outras pessoas podem fazer do sujeito. Aquelas outras raras pessoas que não estão também portando seus livrinhos debaixo do braço.
Porque as que lêem são cúmplices e, quando se encontram, falam do livro que estão lendo, umas com as outras. Trocam informações auto-ajudatórias, ou auto-ajudativas, sei lá, e, ao fazerem isso, encontram mesmo uma parcela da tão desejada felicidade - aquela quimera maluca e cor de rosa que tanto desejam, mais bonita que a Gisele Bündchen. Esses livros realmente funcionam, de alguma forma.
A busca pela felicidade é um direito universal. Todo mundo concorda, mesmo porque parece que a gente já nasce sabendo disso. Mas eu me lembro de uma história que eu li - acho que foi nas Seleções do Reader's Digest, em que a polícia de Sidney, Austrália, utilizou as habilidades sobre-humanas de um aborígene (meus dicionários virtuais não registram essa palavra! Estão precisando de uma auto-ajuda aí), um nativo do deserto australiano, para achar pistas de algo ou alguém desaparecido.
O nativo conseguiu, dentro da moderna Sidney, localizar o que a polícia procurava. Os policiais que o acompanhavam ficaram boquiabertos. Depois, disseram ao aborígene que ele poderia escolher um presente, o que ele mais gostasse, entre as coisas que ele viu na cidade, como pagamento pelo seu excelente trabalho, já que o aborígene, uma criatura do deserto, não queria e nem precisava de dinheiro.
O aborígene quis levar pra casa uma torneira. Não adiantou explicar que uma torneira é só a ponta visível do processo de se obter água nas cidades. Não adiantou falar de encanamentos, captação e tratamento da água, da rede pluvial urbana e outros detalhes técnicos. Ele queria apenas uma torneira. E foi o que levou, para a consternação dos policiais que tentaram dissuadi-lo, mas que acabaram comprando a melhor torneira que puderam achar, mesmo sabendo que esse detalhe passaria despercebido ao aborígene - se a torneira fosse de latão ou de ouro, dava na mesma. E lá se foi o nativo, feliz da vida com sua torneira nova, de volta para o deserto.
Quero dar ao nativo o benefício da dúvida; imagino que ele fosse tão ou mais inteligente que qualquer pessoa, que compreendesse perfeitamente a questão da torneira e que nós realmente não saibamos nada sobre o poder da contemplação, da posse ou de qualquer outro exercício mágico com objetos comuns.
Mas, continuando, a felicidade é uma torneira (tenho que me lembrar desse título, quando for escrever meu livro de auto-ajuda). Ou melhor, a busca pela felicidade é uma obssessão pela torneira, esquecendo todo o resto que permite que a torneira nos dê água. Buscar a felicidade, além do mais, é um negócio muito auto-indulgente. Todos têm esse direito, mas quem disse que todos merecem? Ok, deixa pra lá. Não sou eu quem vai dar uma de juiz.
A felicidade é um efeito de causas muito variáveis e ainda pouco conhecidas. Não se pode sair por aí, correndo atrás de um efeito, esquecendo as causas. E, além disso, é muito deselegante alardear que se está correndo atrás da felicidade, quase como se ela fosse uma droga qualquer, ainda que muito inebriante. Alcoólatras são mais discretos atrás de bebida.
Agora, a primeira pessoa que um livro de auto-ajuda realmente ajuda é o autor. Além do editor, é óbvio e ululante. Esse, muitas vezes, nem precisa ler. O poder da auto-ajuda é tão intenso que basta que o editor lance a obra no mercado e faça uma divulgação legal. O livro faz de tudo, sozinho, para que ele, o editor, tenha uma vida melhor.
Se os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus, os editores são terráqueos de pés no chão. E constroem lindas mansões para morar, para viver minimamente bem, aqui nesse planeta, já que têm que suportar a triste realidade de não serem nem marcianos nem venusianas, apenas pobres seres terrestres, incapazes de voar para as estrelas.
Está bem; este livro, particularmente, o dos sexos alienígenas, não é tão ruim. O título anuncia que homens e mulheres são diferentes entre si - haveria alguma dúvida quanto a isso? - e pretende esclarecer várias dificuldades típicas no relacionamento homem/mulher.
Foi uma boa tentativa, John Gray, mas eu me lembro vagamente do que Hamlet disse. Hamlet, personagem de um outro fantástico livro de auto-ajuda, que disse algo sobre o fato de que há mais coisas entre Vênus e Marte do que supõe a nossa vã filosofia. Ou algo parecido com isso, mas tenho certeza de que ele quis dizer isso também.
Gosto de olhar o céu, de noite. Às vezes consigo identificar Marte e Vênus mas, devido à minha formação intelectual de pulp fiction, encaro essas lindas estrelinhas à maneira do capitão Kirk, a bordo da nave estelar Interprise: imagino que os klingons estão por aí, nesses espaços cósmicos e todo cuidado é pouco. Não espero amizade, muito menos orientação espiritual, da parte dos klingons.
Mas parece que as pessoas estão sedentas por afagos, elogios e promessas. Venham de onde vierem, mesmo do espaço exterior. Os seres dos outros planetas, dizem, descobriram a fórmula da felicidade e, tipicamente, como todo mundo que realiza tal descoberta, se apressam em espalhar as boas novas, o mapa da mina, pro universo inteiro. É um dos ramos mais interessantes na literatura da auto-ajuda e quejandos: esse contato com seres extra-terrestres.
Os E.Ts são bonitinhos, com aqueles grandes olhos de gafanhoto. Eles saem dos discos voadores e abrem os longos braços, indicando que estão abertos a toda manifestação de amor universal. O lado negro dos E.Ts só é sentido pelas pessoas abduzidas. Parece que "abduzido" quer dizer "abusado sexualmente". Pelos relatos que a gente ouve por aí, acho que é isso. A abdução não é para fins de prazer, mas para obscuras intençõs científicas, que os E.Ts não revelam a ninguém. Faz parte do charme dos E.Ts o fato deles nunca explicarem o que realmente querem aqui nesse planeta.
Há um componente global na felicidade que não permite que a pessoa feliz fique na sua. Ela tem que transmitir sua mensagem de calor humano, ou não-humano, para os outros seres vivos. Vi, certa vez, uma senhora pacata, sentada na varanda de sua casa, com um cachorrinho no colo. Uma cena de certa beleza, o sol da tarde e aquela mulher tranqüila, tomando sol na varanda, com um desses dobermans minúsculos, um pincher, no colo.
Meu amigo, a quem eu tinha ido buscar prum churrasco, saiu da casa e, enquanto a gente ia embora, me explicou que sua tia estava, de novo, mentalizando o cachorro.
"Se a gente chegar muito perto, ela começa a mentalizar a gente também", disse ele.
De forma que a família evitava um contato mais prolongado com a tia mentalizadora e ela, sem muita opção, passava suas vibrações positivas para o cachorrinho, todas as tardes.
"Ela acredita que passa coisas boas pros outros. Andou lendo esses livros e tal. O problema é quando você tem que entregar um trabalho na escola e tem uma tia do seu lado, te mentalizando. Ela não fala nada, mas só de saber que ela está ali, pensando em sua direção, já te desconcentra na hora."
A única coisa que me ocorreu foi comentar que, de uma forma ou de outra, a tia dele tinha mesmo algum poder mental.
Escrevo, mas sem muito conhecimento de causa. Nunca li nada de auto-ajuda, no sério. Ou talvez tenha lido, mas não encarei sob esse prisma. Tenho dificuldades com a palavra "ajuda"; mal e mal ajudo outra pessoa, e só quando me pedem. Não seria capaz de me ajudar, inclusive. A palavra "ajuda" pressupõe um acréscimo de forças, ou de energia, ou de conhecimentos, para realizar qualquer coisa. E eu costumo usar toda a minha energia, que é mínima, nas coisas que eu faço; de forma que não tenho nem como me ajudar.
Já li coisas que fariam arrepiar a espinha dorsal de um invertebrado - e essas coisas, sim, me ajudaram a compreender melhor outras coisas, e sou contrário à idéia de espalhar isso impunemente por aí -, e fico deveras constrangido com esses livros que pretendem ensinar, por exemplo, como enriquecer, como adquirir poder, de um tipo ou de outro.
Porque, no fundo, a auto-ajuda (e outros bichos) trata disso: como adquirir poder, qualquer tipo de poder. De magos a magnatas. Mas li, por exemplo, se isso pode ser incluído na categoria, Um livro de cinco anéis, de Miyamoto Musashi - o lendário samurai japonês que nunca foi derrotado. É bom para quem, como eu, foi derrotado inúmeras vezes. Pelo menos me ensinou a ficar longe de uns caras que acham que também são samurais e não sabem perder.
Tampouco sou de Marte. Sou de muito mais longe: "Há luzes estranhas nas proximidades de Arcturus/ vozes apregoam um nome desconhecido nos céus." Venho daí, desse lugar, desse verso que eu li, quando era criança e nunca mais esqueci. Acho que volto pra lá, um dia desses.
"Em termos de auto-ajuda, nada é melhor do que uma auto-escola". Demais, Guga! E olha que ainda temos que redigir aquele ditado na prova escrita, para tirar a CNH. Normalmente o público leitor de auto-ajuda é reprovado nesse teste, por que será???
Nunca acreditei em ETs, mas sempre os achei bonitinhos, com seus olhos carismáticos. Dizem que eles têm a fórmula da felicidade, são evoluídos. O engraçado é que na aparência são tão frágeis. Às vezes me pergunto o que é ser evoluído, se felicidade é algo que se prende nas mãos ou em correntes, como dizem ser possível por aí. Parece que alguns livros de auto-ajuda aliviam as angústias dos que não querem ou não conseguem compartilhar suas dificuldades, no entanto, a febre desses livros não pode ser outra coisa senão um jogo de mercado, com promessas impossíveis de um lado e pessoas ingênuas ou despreparadas do outro, tentando encontrar um pote de ouro no fim do arco-íris; felizes dos que ao menos se encantam com a visão das cores durante o caminho. Interessante a relação que você fez com auto-escola, muitos resolvem seus problemas dirigindo por um tempo. Mas encontrar a felicidade, ah, essa busca não tem fim, a alcançamos e perdemos inúmeras vezes...Até que chegue o nosso próprio fim.
Na verdade, há livros bons e ruins em todos os gêneros. Há excelentes livros catalogados como auto-ajuda, entre eles um de um pensador francês que fala sobre o poder do diálogo, e há romances horríveis. Admito que a busca do sucesso fácil faz muito editor apelar para a auto-ajuda, mas só uns poucos têm sucesso. O livro precisa ter alguma qualidade, precisa tocar a pessoa para ser bem aceito. As pessoas não são tão idiotas assim de irem comprando qualquer coisa. O editor que acreditar nisso vai acabar quebrando a cara e perdendo muito dinheiro.
Outra coisa é analisar com mais cuidado esse conceito de auto-ajuda. Na verdade, toda leitura ajuda de uma certa forma. Livros técnicos, por exemplo, realmente passam conhecimentos importantes, ajudam.
Acabei de receber de um amigo, e os li de uma sentada, os originais de Verdades e mentiras sobre a Lei da Atração. O autor, Philip Hill, analisa cientificamente os conceitos da obra da Rhonda Byrne, o vídeo e o livro The Secret. Gostei muito.
Não sei de qual planeta são os homens ou mulheres e se esses planetas, por alguma razão maior, guerreavam entre si. Ainda bem que existem seres como você, vindos de Arcturos, que podem olhar essa relação homem/mulher sob outro prisma. Acho que estamos cansados desta busca de compreensão do convívio macho/fêmea. São incontáveis os livros que abordam esse tema, às vezes até maquiados de tese de doutourado ou pesquisas científicas. Que as feministas me perdoem, mas acho que cabe mais simplicidade nessa história toda. É hora agora de colher os frutos, depois de tantas teses. Amem-se ou se deixem!
Guga, adorei o seu texto. Que esses editores sejam AUTO-transportados pra outro planeta bem distante daqui e que passem o resto da vida procurando a felicidade que roubaram dos menos avisados.
Beijo, Dri
Guga, já acho que todo livro é auto-ajuda; se o leitor for crédulo quase ao ponto de ingênuo aí então ajuda mesmo...
Livro ajuda autores, editores, críticos e toda fauna que se debruça sobre o tema. Tem o livro ruim, tem o livro bom e tem até os outros livros...Falando sério, me espanta a nossa resistência à diversidade. A variação e a generalidade instigam possibilidades que nenhum criador deve ignorar. Fazer escolhas é também descartar possibilidades. Já li alguns livros classificados como auto-ajuda com parágrafos bem construídos, com fluência e um domínio da técnica que não se via em pretendentes a literatos. A diversidade oxigena, contrasta e acima de tudo desnuda inúmeras possibilidades. Quando a pretexto de classificação literária ela só serve como fetiche de mercado, tal como livros que decoram estantes. É preciso ler de tudo, e então se saber bom ou mau leitor, e neste contexto me entendo como o leitor possível, do meu tempo e de meus autores. Um Abraço.
Finalmente tomei vergonha e instalei na minha máquina um Aurélio e um Houaiss. De forma que meus dicionários virtuais agora, teoricamente, possuem todas as palavras possíveis. Não tenho mais desculpas (a não ser por preguiça). Por falar nisso, um dicionário é um livro de auto-ajuda muito bom, talvez o melhor.
Guga, já sei. Vou comprar um livro pra você intitulado "Como ser um bom escritor e ainda ganhar muito dinheiro". É fantástico! Só dá certo para cronistas criativos como você. Tenho certeza que você vai adorar e que ele lhe fará muito bem... Principalmente pro seu bolso.
É...Será que auto-ajuda ao alto ajuda? E a auto-escola da maneira como funciona no Brasil, ao auto ajuda? O que sempre pensei para "auto-ajudar" meu bolso é nao gastar dinheiro com esse tipo de livro que não só auto-ajuda o editor, mas mais auto-ajuda a conta corrente do escritor, essa é a verdadeira auto-ajuda. A próxima Champagne com morango, prometo não deixar a rolha dar um tiro...