O jornalismo impresso tem, hoje, uma superioridade sobre o jornalismo on-line que talvez jamais deixe de ter. Teoricamente, os jornalistas dos veículos impressos são pessoas que se preocupam com o conteúdo de suas matérias, que correm atrás de fontes e que não se baseiam por simples pesquisas na Wikipedia.
Isso não significa que no jornalismo on-line só existam pessoas que escrevem qualquer bobagem ou que não escrevem boas matérias. Dizer isso seria atirar no meu próprio pé, pois escrevo para veículos eletrônicos e nem por isso deixo de fazer pesquisas ou entrevistas. Mas a possibilidade de publicação de conteúdo jornalístico na internet resulta, ao menos é o que percebo, numa pressa em escrever, publicar e ver a repercussão. Nessa pressa, o "blogueiro-jornalista", um dos protagonistas da discussão sobre se o jornalismo na rede substituirá o jornalismo impresso, "esquece" de verificar a veracidade de informações, não se empenha em descobrir um fato ou uma informação nova sobre o que está escrevendo. In fact, os blogs são nada mais que as informações da mídia televisiva e/ou impressa condensadas e liquidificadas com opiniões pessoais.
As publicações impressas têm essa vantagem sobre as publicações on-line e mais outra: tempo. Alguém aí já viu alguma reportagem de fôlego feita e publicada exclusivamente via internet? Arrisco dizer que ninguém responderá "eu" a essa pergunta. Pode-se até encontrar ensaios longos publicados na rede (quero dizer com "longo" algo equivalente a 4 páginas de uma revista). Mas será que alguém realmente leu o ensaio inteiro? Será que o leitor na frente do monitor não deu aquele "pequeno salto" de parágrafos? Afinal, cansado que estava, olhos ardendo, não faria mal nenhum pular alguns trechos daquele longo texto...
Com a imprensa impressa não ocorre isso. Os olhos também ardem, o leitor também está cansado, mas ele pode terminar de ler o ensaio no ônibus, na hora de descanso do trabalho, no café da esquina, na rodoviária, no aeroporto. Ou todo mundo aí tem laptop e conexão wi-fi para acessar a web na hora e no lugar que bem entender?
Aliás, bom exemplo posso dar aqui. Imaginemos um grupo de amigos. Quatro amigos. Eles se encontram pelo menos duas vezes por semana, num café, para lerem o jornal (impresso) do dia e comentar as notícias da semana. Agora imaginemos estes mesmos amigos, num mundo sem jornais impressos. Poderão ainda se reunir no café, claro. Mas com seus laptops? Vira-se uma xícara de café na máquina e adeus dois mil reais...
O exemplo tem lá sua carga de absurdo. Mas é para demonstrar quão absurda parece também essa idéia de que "os jornais impressos vão desaparecer". Não vão. Pelos motivos que citei acima e por outros.
Não acredito que possa ser desenvolvida uma maneira agradável de se ler um jornal no computador. Os grandes jornais vêm tentando há tempos, e não conseguem. Ler no computador, aliás, não é lá tão agradável e cômodo quanto ler um jornal ou revista impressos. E voltamos à questão de se ler num banco de shopping, deitado na cama, no sofá, no avião.
Na internet, o ensaio de um jornalista como o americano Gay Talese não teria a mesma repercussão que teria se fosse publicado num jornal impresso. Na rede, o texto se perderia, e sofreria com os leitores-pula-pula, que com certeza não leriam a reportagem inteira. Não há espaço na internet para gente do quilate de Gay Talese ou David Remnick, por exemplo. Diversos jornalistas e colunistas que fizeram carreira em veículos impressos têm blogs e colunas em diversos sites. Mas aí é que está: se eles vieram da mídia impressa, por que ela deveria acabar, se é ela que tem financiado, digamos assim, o melhor conteúdo dos sites e blogs?
Recebi recentemente o livro O massacre, do Jornalista (sim, com "J" maiúsculo) Eric Nepomuceno, um livro-reportagem sobre a carnificina em Eldorado dos Carajás, no Pará, que ocorreu em 1996. O Jornalista apresenta assim, o seu livro:
"Trabalhei neste livro entre fevereiro de 2004 e junho de 2007. Entrevistei 32 pessoas, algumas delas várias vezes, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília, Belém do Pará, Marabá, Eldorado dos Carajás e Parauapebas. Essas conversas resultaram em cerca de 54 horas de gravações, além de três cadernetas de anotações.
Li, da primeira à última, as quase 20 mil páginas que integram os dois inquéritos — o da Polícia Militar e o da Polícia Civil — que investigaram o caso. Perdi a conta do número de documentos acadêmicos, análises, ensaios e material de imprensa que consultei."
Isso é jornalismo. Não creio que exista a possibilidade de a internet dar esse suporte a um jornalista. Não vejo como alguém "criado na rede" consiga fazer algo semelhante ao que Nepomuceno fez. O livro é dedicado a Eduardo Galeano. Se tivermos, no Brasil, dois (eu disse "dois") blogueiros-jornalistas (que escrevam apenas na internet) com 10% da capacidade, conhecimento e qualidade jornalística e literária de Eric e Eduardo, mudo meu nome.
Como leitor, não tenho interesse em ler matérias ou posts nos quais o sujeito fez uma pesquisinha no Google, deu uma olhadinha na Wikipedia e publicou seu texto baseado nas informações adquiridas em sua "pesquisa". Como leitor, me interessa o jornalista que levanta a bunda da cadeira para ver o fato como ele é. Me interessa o jornalista ou articulista que leu não só uma ou duas notícias relacionadas ao fato sobre o qual ele vai escrever, mas sim uma série de textos sobre o assunto. Me interessa o jornalista que luta até o fim para descobrir a veracidade de uma informação ou para consegui-la. Existe algum blogueiro que faça isso? Existe. Mas quantos são?
Recentemente, o jornalista Pedro Doria (que durante sete anos participou da equipe do NoMínimo, site referência em jornalismo on-line, mas composto por gente graúda e egressa da imprensa impressa) concedeu uma entrevista ao Digestivo Cultural. Sobre a questão do fim do jornalismo, disse:
"Redações não vão acabar e blogs não substituirão o jornalismo. Quem apostar contra as redações, vai perder; quem apostar contra os grandes, vai perder também. (...) as melhores escolas de jornalismo ainda são as redações."
Rafael
Penso que os jornais acabarão no momento em que seus leitores se extinguirem e sua atividade perca o sentido. A necessidade de informação cotidiana e a disponibilidade de tempo para tal tarefa é somente um fator para que alguém escolha um veículo.
Ler se dá por hábito, cultura e disponibilidade. Neste momento, uma geração de novos leitores está muito à vontade com o formato e suas normas vigentes, a exemplo de períodos curtos e clichês, que podem ser conteplados não somente na internet. É próxima desta abordagem cognitiva que estes leitores se informam e que até que a mídia impressa se apresenta. Ele ficará indiferente a ela ou, ao menos, envolvido exclusivamente com seus intereses pontuais.
Quanto aos jornalistas, eles podem ser bons ou maus em qualquer mídia. É só uma questão de escolha. Não cabe comparar um ensaio com um telegrama.
Este culto ao jornalista como oráculo ou historiador é um reflexo romântico e não resiste a uma análise da imprensa atual.
Rafa, estou de pleno acordo. Vejo muita gente que há anos diz "o papel vai acabar" e o que vemos é que ele não acaba. Está sim, diminuindo, perdendo o fôlego, buscando uma reciclagem, mas acabando não. Eu também não acredito nessa briga "internet x papel" porque eles tem públicos diferentes para situações diferentes, como você citou bem no texto.
Rafael, achei o texto pertinente e ótimo para refletirmos a respeito, mas faço algumas ressalvas: não dá para ser irredutível ao dizer que no jornalismo impresso não ocorre a pressa em publicar e ver a repercussão. Ocorre sim. Muita coisa é feita a toque de caixa, porque não dá pra perder tempo, é tudo para ontem, principalmente nos jornais diários. E tem que vender. Sabemos bem as grandes empresas que se tornaram os grandes jornais diários, principalmente aqui em São Paulo. Ou seja, mesmo na mídia impressa ainda tem gente que não tem tempo pra pesquisar a fundo determinado assunto, e a matéria sai. Também não é novidade sabermos que praticamente não se passa mais a informação com imparcialidade. Muitas vezes tem uma opinião, explícita ou embutida nas entrelinhas, de acordo com o jornalista ou com o que o editor pede. Então esse também não é um problema só de blogs e blogueiros. Analisando de um lado e de outro, estou achando mesmo é que não se faz o bom e velho jornalismo há muito tempo!
É verdade, Calu Baroncelli. Como não se fazem mais juízes, padres e presidentes da República como antigamente há muito tempo. Nem professor, político e eleitor... Salvo, obviamente, raras e honrosas excessões. É preciso erguer da sarjeta muita coisa!
Concordo em gênero, número e grau contigo, Rafa. O jornalismo impresso não vai acabar nunca porque agrada leitores e jornalistas. Nenhum profissional fica satisfeito em ter que diversificar informação online e ter que deixar de lado o aprofundamento em matérias de interesse da população. Parabéns!
O meio impresso ainda é a maneira mais segura e eficaz de transmitir, organizar e armazenar conhecimento e informação. Concordo plenamente contigo, Rafael. Mas acho apenas que tu subestimas por demais o online. Uma coisa não é excludente da outra. Por exemplo: a internet pode ser uma grande aliada dos veículos impressos, pois nela não existe limite de laudas. Um jornalista de veículo impresso dispõe de um espaço deveras limitado. E na internet, ele tem a oportunidade de expandir a matéria, sugerir leituras complementares etc.