O assunto não é novo e nem sei se interessa, mas como parece à beira de cair no ridículo e virar mais um motivo de charge da impávida imprensa, volto a ele a partir de uma palestra do lingüista Carlos Alberto Faraco.
Antes das opiniões, os fatos. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é um tratado internacional de 1990, isso mesmo, 1990!, que tem como objetivo unificar a ortografia do português, que hoje conta com duas ortografias distintas, a do Brasil e a dos demais países, encabeçados por Portugal. À época o acordo foi assinado pelos representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe em Lisboa, mas manobras políticas têm adiado sua efetivação, marcada agora para 2009.
O tema voltou ao noticiário porque três países ratificaram o acordo, o que permitiria, legalmente, que ele fosse implantado já a partir de 2008, alterando regras de acentuação e hifenização, entre outros. O objetivo aparente é unificar as ortografias, já que o português é a terceira língua ocidental mais falada no mundo e a única das línguas faladas por mais de cinqüenta milhões de pessoas com mais de uma ortografia oficial, o que atrapalharia inclusive a redação de contratos em português por organismos internacionais. Mas por trás disso há profundos objetivos políticos, e é a partir deles que Faraco justifica a resistência dos portugueses em aceitar o acordo.
Em palestra proferida numa Universidade de Porto Alegre, Faraco afirma que Portugal estaria fazendo uso político da variação ortográfica oficial para dificultar, "embaraçar" a presença brasileira em países de língua portuguesa, trazendo claros prejuízos culturais, econômicos e políticos. Prova disso seria o fato de que diversos livros de autores portugueses e luso-africanos — ultimamente editados às pencas no Brasil — trazem a grafia original a pedido do autor, mas nenhum livro de autor brasileiro é editado com a grafia original em Portugal, pois os portugueses não aceitariam tal ousadia, tal ultraje. Os portugueses, segundo Faraco, se julgam os donos da língua, mas o futuro da língua está inegavelmente no Brasil e seus quase duzentos milhões de falantes, o que os preocupa sobremaneira.
Não se pode negar, entretanto, que a disputa entre adotar ou não o novo acordo deixou de ser apenas uma queda de braço entre Brasil e Portugal e passou a ser motivo de polêmica também dentro do país, onde a mídia em geral e alguns doutos em particular defendem com unhas e dentes a preservação da ortografia atual. Os argumentos são diversos e devem ser respeitados, mas Faraco faz questão de lembrá-los e rebatê-los um a um.
Primeiramente se diz que nenhum acordo, nenhum papel assinado será capaz de unificar a língua falada aqui e além-mar, afora o léxico bastante variado que existe no Brasil, em Portugal e em Moçambique, por exemplo, ou a pronúncia quase incompreensível dos portugueses (particularmente acho mais fácil compreender a narração de um jogo de futebol numa TV espanhola do que numa TV portuguesa). E Faraco não discorda de nada disso, acrescentando ainda que jamais se conseguirá diminuir as variações lingüísticas existentes dentro do próprio Brasil, inerentes e saudáveis a qualquer língua do mundo. Não seria este, entretanto, o objetivo do acordo, que visa unificar a ortografia, não a língua. E cita as línguas inglesa e espanhola como exemplo de línguas com usos variados de acordo com o país mas ortografia oficial única.
Outro argumento constante daqueles que são contra o acordo é o enorme custo que o governo terá para adquirir novos livros didáticos para seus milhões de alunos, reequipar as já agonizantes bibliotecas, reeducar os já despreparados professores. A este argumento, econômico, Faraco responde com o já citado argumento político e lembra que estrategicamente o Brasil perde e perderá muito mais dinheiro com a duplicidade de ortografia por causa das dificuldades por ela suscitadas no comércio internacional do que eventualmente dispenderá com a compra de novos materiais didáticos. Além do que, sublinha o gramático, não se quer a reimpressão de todas as bibliotecas e todos os livros escritos, outras mudanças ortográficas já foram feitas no país — 1943, 1971 — e elas sempre valem dali em diante.
Por fim, Faraco considera a rejeição à mudança ortográfica proposta apenas um sinal claro de que os falantes de uma língua rejeitam mudanças recentes em sua língua, especialmente se elas mexem na língua culta, onde há forte monitoramento social, mesmo quando elas já são usuárias da mudança. Por isso os mesmos que em casa falam "a cidade que nasci" ou "vamos se respeitar" na escola dirão, aos berros, que o correto é "a cidade em que nasci" ou "vamos nos respeitar" (isso quando não se hipercorrigirem e inventarem "vamos nos respeitarmos").
Na base de tudo isso, segundo o gramático, está a vergonha que o brasileiro tem da própria língua e o fato de que "nossa sociedade é intolerante e preconceituosa, não admite a diversidade". Mas aí seria tema pra outra coluna, outra palestra e outra polêmica. Por ora nos interessa apenas lembrar ainda que os países de língua portuguesa que motivam essa disputa "ortografopolítica", especialmente Angola e Moçambique, libertaram-se de Portugal apenas em 1975, depois de sangrentas guerras coloniais, e só no século XXI conseguiram erradicar as guerras civis patrocinadas em seus territórios por comunistas e liberais, emergindo agora de uma situação de profunda pobreza e despertando o interesse comercial das nações em desenvolvimento. Afinal, trata-se de uma população de 20 milhões de pessoas em Moçambique e 12 milhões em Angola, ambas mais populosas, apesar de tantas mortes e guerras, do que a população de Portugal.
Por mais absurdo que possa parecer, concordo com o Mário de Andrade e com o Houaiss, e, ainda, com Ribeiro Couto: quando, afinal, chamaremos nossa língua de Língua Brasileira??
Discordo do sentido implícito na frase "o português é ... a única das línguas faladas por mais de cinqüenta milhões de pessoas com mais de uma ortografia oficial, o que atrapalharia inclusive a redação de contratos". A maioria dos contratos internacionais são redigidos em inglês, não por causa de méritos da língua, que não tem nenhuma ortografia oficial, mas porque os sistemas legais dos países de fala inglesa são considerados previsíveis - as autoridades só tem o poder que lhes é conferido pela lei. Por exemplo, a constituição americana não dá à União o poder de regulamentar a língua, e seu uso é uma liberdade dos falantes - americanos, ingleses, do Brasil, da Índia ou do Burzequistão, dispensando-se tratados multinacionais. Aliás, a constituição brasileira também não dá às autoridades o poder de regulamentar a língua falada ou escrita, então eles deveriam nos deixar em paz com o nosso português!
Os argumentos do sr. Faraco não me convenceram em nada de que tudo deve ficar como não está. Sim, gastaremos muito com os livros didáticos; sim, perderemos muito da musicalidade da língua quanto à questão do do trema; sim, nossos esforços terão que fazer um hiper esforço para guardar as novas regras. Não há nada, absolutamente nada de errado com a ortografia da língua falada no Brasil. Entraremos numa roubada, mas, quem liga?
Independentemente de ser uma questão política, essa "mudança" na ortografia só vai prejudicar a quem domina a língua escrita e confundir ainda mais os que sabem "mais ou menos". A verdadeira reforma seria se viesse realmente para ajudar em casos que não têm muito sentido, como o "esse" (S) com som de "zê" (Z), os dois "esses" (SS) com som de cedilha (Ç), o "xis" e o "ch"!! Pura iluzão! Ilusão?? Será que é isso? Iço??
É uma balela essa reforma! Imagine! A última reforma foi em 1971, e até hoje há pessoas que escrevem como antes. É pra português ver!! Irc!!
Concordo em gênero e grau com o que a Cristiane disse acima, mas não sei se o Houaiss estaria de acordo: ele é um dos mentores desse tratado de unificação gramatical. Na minha opinião, em vez de tentar forçar as duas línguas a se aproximarem, deveríamos começar a tratá-las como idiomas diferentes que merecem respeito, e, conseqüentemente, preservar as riquezas e nuances delas, não só da Brasileira e Portuguesa, mas também de todos os outros dialetos que se espalham pelo mundo lusófono. Acho que mudanças nas línguas são naturais, mas não devem ser impostas.
As normas ortográficas Britânica e a Americana, embora não oficias, mas consagradas pelo uso, são realmente diferentes. Não precisamos de acordo, mas sim de mais intercâmbio cultural e tolerância lingüistica. O países de língua inglesa não andam nesses tontices como os países lusofonos.
Já há uma língua formal, culta, e outra coloquial, popular, isso em nada mudaria com a reforma; as pessoas permaneceriam falando do mesmo jeito que falam, com seus vícios e sotaques, que não fazem mal a ninguém, nem mesmo à própria língua. Também não traria nenhum prejuízo à nossa literatura, pois a vivacidade e inovação nessa área dependem da criatividade e do preparo dos escritores, não das regras gramaticais e modelos de escrita, que servem apenas como base, não como lei, aos grandes autores. Quanto aos possíveis prejuízos aos estudantes e intelectuais, independente de mudanças, todos temos algum tipo de dificuldade com a língua oficial, ela nunca é dominada totalmente por aqueles que não se dedicam ao estudo da gramática; os erros não aumentariam tanto após a reforma, já erramos muito, então não há por que temê-la enquanto acordo, algo que possa diminuir determinadas burocracias. Talvez seja mais perigoso o domínio da língua inglesa em nosso país.
Não entendo por que, depois de tantos anos em contato com o pó de giz das escolas, nós nunca pudemos opinar sobre a estrutura da língua que ensinamos e amamos! Em todos os âmbitos, seja em nível político, cultural ou religioso, sempre há uma "plêiade", que auto se intitula douta, pronta para ditar as normas sobre os assuntos dos quais menos tem domínio! E muito me impunge ter de reconhecer que o língüista Carlos A. Faraco é um dos que dão respaldo a essa trupe desgovernada de parco conhecimento do idioma. Quanto faz falta um gramático do jaez de Cláudio Moreno ou de Pascoale Cipro Neto! Repito o título que nosso amigo Felipe supracitou: "Deixem o nosso Português em paz, e vão conhecer a realidade lingüística do povo, algo do qual o nosso gramático em relevo se esqueceu!"
Eu acredito que, se o Brasil vai parar para mudar a ortografia, deveria esperar mais um tempo e fazer de fato uma mudança. O que se propõe de mudança é muito pouco para o que deveria mudar. Isso vale para qualquer assunto gramatical, textual ou lingüístico.