As distribuidoras de filmes no Brasil parecem se preocupar bastante com os títulos dos filmes que vêm para as telas do país. Preocupação compreensível, diga-se de passagem (afinal, o produto tem que ser vendido, nem que seja por um maldito subtítulo explicativo como O contador de histórias ou O oitavo passageiro), mas, sinceramente, acho que eles exageram na maioria das vezes. Uma escola muito louca, Um maluco no pedaço ou qualquer combinação cafona de "Artigo + Substantivo + Advérbio de Intensidade + Adjetivo" torna a vida mais difícil para quem procura um pouco mais do que gastar duas horas comendo pipoca. O título do filme é como qualquer outro título. Serve para dar uma idéia do conteúdo da obra, e ao mesmo tempo provocar um mínimo de curiosidade.
Somos mais felizes na literatura, onde não se traduz 1984 para Um homem contra o sistema, nem Moby Dick para O caçador de baleias. Mas no cinema, O som da música parece não ser suficiente para dizer que estamos falando de uma noviça que vai contra as regras da sociedade e muda a vida das pessoas ao redor. Quem vai ao cinema para ver O recém-formado (ou O Universitário, O Graduado, como queiram) não tem como saber (pobre alma!) que está prestes a assistir um filme que (entre tantas outras coisas) fala da primeira noite de um homem.
A lista é interminável: Mulholland Drive (Cidade dos sonhos), Ocean's Eleven (Onze homens e um segredo), All about Eve (A Malvada), The Godfather (O poderoso chefão)... O meu preferido (ou preterido) é Annie Hall, que transmutou em Noivo neurótico, noiva nervosa, seguindo uma lógica ainda desconhecida para o resto da humanidade. "Mas o público não vai entender e não vai comprar!" deve ser o argumento principal. E o público de língua inglesa, entende que Jaws é um filme sobre ataque de tubarão só pelo título? Deixam de ir ao cinema por isso?
Claro que alguns títulos são mesmo difíceis de se traduzir, seja pela referência a uma expressão cultural, seja por não fazerem muito sentido mesmo. 3:10 to Yuma é difícil. O horário do trem que vai levar o assassino para a prisão de Yuma parece pouco para dar nome ao filme que trata de temas clássicos do western ― honra, amizade, coragem ― e do tema mor do cinema americano, a redenção. Na época do lançamento do filme original, em 1957, auge das traduções esdrúxulas (High Noon ― Bater ou morrer), 3:10 to Yuma foi trazido ao Brasil com o pomposo título de Galante e sanguinário, referência ao vilão do filme, Ben Wade, um cruel assaltante especializado em cargas da ferrovia Southern Pacific, mas que recita trechos da Bíblia, é culto, capaz de seduzir a todos e é até um sensível desenhista. Galante, sem dúvida. Sua contraparte é Dan Evans, fazendeiro, veterano da Guerra Civil, honesto e trabalhador, mas, essencialmente, um fracassado. Sem dinheiro para sustentar a família (que pouco o respeita), ele se oferece para escoltar o bandido até outra cidade para o trem das 3:10, mesmo tendo o bando de Wade em seu encalço.
Premissa dada, vejamos: o filme de 1957 é um clássico do gênero, dirigido por Delmer Daves com Glenn Ford no papel do charmoso vilão. James Mangold (Johnny e June ― no original, Walk the line ―, Garota, interrompida) é o responsável pelo cuidadoso remake que estréia agora nos cinemas. Nada de câmera tremida ou planos ultra-rápidos. A montagem é absolutamente clássica, com um ótimo ritmo. O visual é bonito, mesmo sem o uso extensivo de lentes grande-angulares. A música (recém-indicada ao Oscar) não aparece mais que o filme e o roteiro é interessante, apesar de ter sido acusado de inverossímil (não pode?).
Todos esses pontos positivos fazem um filme bom. O que torna o filme realmente ótimo são as atuações de Russel Crowe e Christian Bale. Crowe, como o vilão, apesar de longe de superar a si próprio de O Informante e de Los Angeles ― Cidade proibida, está, para encurtar, fascinante. Ele faz com que o poder de persuasão do personagem seja completamente crível, e que, mesmo algemado, ele sempre pareça ter o controle da situação. Já Bale, que fez até o Batman ficar real, não faz por menos e traz credibilidade para cada motivação do personagem.
Destaque para Ben Foster (X-Men 3), que faz o braço direito de Ben Wade, Charlie, e que só não rouba a cena por causa da dupla fortíssima de protagonistas, e para o eterno Easy Rider, Peter Fonda.
Curioso destacar que, ao melhor estilo Sergio Leone, são estrangeiros que fazem esse western legitimamente americano. Russel Crowe é da Nova Zelândia e Christian Bale é inglês.
3:10 to Yuma pode não ser o filme que trouxe o western de volta (como quase fez Clint Eastwood com Os Imperdoáveis), mas sem dúvida não faz feio para o gênero.
A distribuidora brasileira, inclusive, pegou carona no título de Os Imperdoáveis (ele mesmo um tanto mal traduzido, já que o original é Unforgiven, Imperdoável, em referência ao passado do protagonista, e/ou às atitudes do vilão) e deu para 3:10 to Yuma o singelo título de Os Indomáveis. Não tem necessariamente nada a ver com o filme, mas vale a pena guardar, nem que seja para comprar o ingresso no cinema.
No livro "De Hitchcock a Greenaway pela História da Filosofia", de Julio Cabrera, o último capítulo "Os brutos também traduzem" traz uma bem-humorada lista de títulos de filmes traduzidos para o português em confronto com o nome original, mostrando o quanto os nossos "tradutores" acertam ou deturpam o entendimento de uma obra cinematográfica e trata especificamente da renomeação, não da tradução. O que se pretende mostrar é que os brutos também renomeiam e criam títulos absurdos e desvinculados do original.