A seguir a segunda parte dos meus discos nacionais preferidos em 2007. Veja também a primeira parte.
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Lea Freire ― Cartas Brasileiras
Ouça um trecho de "Maré"
Lea Freire dirige o selo musical Maritaca, que lança alguns dos melhores discos instrumentais do país. Seu trabalho como arranjadora também é notável, como percebi claramente num show em homenagem a Maysa. Em Cartas Brasileiras Lea junta parte da nata dos instrumentistas nacionais para gravar um disco maravilhoso, com todas as músicas de sua autoria, incluindo ótimos arranjos seus e de Tiago Costa, Luca Raele, Proveta, Mozar Terra e Gil Jardim. As canções são lindas e, como muito da (boa) música brasileira, alia elementos eruditos a populares. Tentei encontrar palavras para definir mais precisamente toda a beleza de "Maré", mas não consegui. Só ouvindo. No encarte, Lea conta um pouco sobre o disco e faz pequenos e precisos comentários sobre a obra, que é colorida, de diversas texturas, destacando a riqueza da música brasileira. Espero que ecoe em muitos ouvidos por muito tempo.
Lobão, um dos músicos que mais brigaram pela cena independente, um ferrenho crítico do mainstream de gravadoras e mídia fazendo um acústico? Um dos formatos mais desgastados da indústria, usado em momentos de desespero? E na MTV, cada vez mais comercial e menos musical? Só podia dar errado. Mas não deu. O disco é ótimo. Não mudei minha opinião sobre ele ― está lá, num post do blog.
Minhas músicas preferidas: "Bambina", "Vou te levar", "A gente vai se amar", "A vida é doce", "A queda", "Você e a noite escura".
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Luciana Souza ― The new Bossa Nova
Ouça um trecho de "You and the girl"
Há anos Luciana Souza é uma das melhores cantoras brasileiras. Tem lançado ótimos discos e ano passado fez fantástico show em duo com Romero Lubambo. The new Bossa Nova traz músicas pop com roupagem bossa. Com essa proposta ela se aproxima perigosamente de uma massa de gente ruim que também faz versões de canções pop em ritmo bossa. Felizmente sua qualidade e de seus músicos ― mais a aposta em músicas menos óbvias ― assegura um alto nível, ainda que com resultado irregular. Mas corre o risco de algum desavisado colocá-la erroneamente na sacola dos enganadores. No meio das versões há espaço para a belíssima "You and the girl", música sua, em parceria com seu marido e produtor do disco, Larry Klein. Luciana já é conhecida por ter grande domínio de sua voz, uma virtuose. Nesse disco é interessante ver como sua voz continua bonita e forte em melodias mais diretas. Ou seja: ela se garante, seja qual for o estilo da canção, indo a seu cerne sem perder sua personalidade. O resultado é um disco bom de ouvir, ainda que longe de todo seu potencial.
Minhas músicas preferidas: "You and the girl", "Never die young", "When we dance", "Satellite".
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Roberta Sá ― Que belo estranho dia para se ter alegria
Ouça um trecho de "Mais alguém"
Este é outro disco gostoso de ouvir. Mas não veio para abalar as estruturas nem revolucionar nada. Roberta Sá apareceu para o grande público em 2002, participando do pastiche Fama, programa da Rede Globo que tentou imitar o American Idol e revelar, mais que um cantor, um "famoso". Ela não chegou à final e se resguardou, foi tocar com gente realmente interessante e construiu sua carreira de maneira cuidadosa. Lançou o bom Braseiro em 2005 e aos poucos foi sendo comentada e ouvida. Agora, lança outro bom disco, com belas melodias e interpretações e que mostra como um bom produtor (Rodrigo Campello) pode potencializar o talento de um artista. Não me agrada ― nem nela nem em ninguém ― o excesso de gravações de samba com arranjos conservadores ("Laranjeira", "Samba de amor e ódio"). Roberta se sai muito melhor quando o estilo é "desrespeitado" como em "Interessa" e "Novo amor" ou quando flerta com o pop, como em "Mais alguém". O problema é que Marisa Monte ― tanto na voz quando na interpretação por vezes etérea em excesso ― ecoa aqui e ali. Se Roberta conseguir se sobrepor a isso e colocar um pouco de pimenta na execução das canções, certamente se tornará uma das grandes intérpretes brasileiras.
Minhas músicas preferidas: "O pedido", "Fogo e gasolina", "Interessa", "Mais alguém".
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Sérgio 'Serj' Buss ― Liquid piece of me
Ouça um trecho de "Thinking heads"
Liquid piece of me é fantástico. Num momento do mercado musical em que qualquer um grava, em que pessoas querem fama, dinheiro e glória antes do preparo e da relevância artística, Serj depurou por anos seu disco e o resultado é um dos melhores e mais bem cuidados CDs dos últimos tempos. Em qualquer categoria. O capricho e preocupação com detalhes de concepção (as músicas fazem parte de uma história), encarte (um livreto com ilustrações, de capa dura) e, principalmente, música (sua feitura, execuções e gravação) chega a ser comovente. Mostra a entrega de uma pessoa à Música. Serj tem trabalhado muito com jingles publicitários. Aproveitou dessa experiência a necessidade de concisão, evitar excessos; músico inteligente, descartou o popularesco da atividade, procurando aprofundar a criatividade. O resultado é um disco certeiro, de lindas melodias e grandes canções instrumentais. O virtuosismo ― inevitável de um grande instrumentista, com influência dos guitarristas dos anos 80 e que trabalhou com Steve Vai ― aparece, mas em pequenas pinceladas. Em "O outro lado" o trecho de 02:15 a 02:30 é um bom exemplo de virtuosismo aplicado em prol do contexto da música. Convido todos a ouvir sem preconceitos "guitarrísticos" esse disco memorável.
Minhas músicas preferidas: "O outro lado", "Thinking heads", "Would you?", "Lines and curves", "Hostile".
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Yamandu Costa ― Lida
Ouça um trecho de "Ana Terra"
Yamandu surgiu como prodígio. Muitos o criticavam por excesso de virtuosismo ― de certa forma cobravam de um garoto a maturidade de um artista estabelecido. Ele não se intimidou e seguiu firme. Prolífico, gravou muito, fez diversos shows no Brasil e fora, interagiu com novos e consagrados artistas sem distinção. Ou seja, se doou à música. Hoje, com 27 anos, demonstra evolução significativa. Em Lida isso fica claro: belas composições, grandes interpretações. Burilou o fraseado, que está mais conciso ― sem perder a pegada e o virtuosismo que lhe são característicos. Há muito Yamandu deixou de ser promessa para ser fato. O novo disco traz formato interessante: um trio com violão, violino (Nicolas Krassik) e baixo acústico (Guto Wirtti). A maioria das canções é de Yamandu, mas há espaço também para parcerias e composições alheias, como "Dayanna" de Alessandro Penezzi, outro fenomenal violonista da nova geração. Se depender dessa turma para termos música de qualidade estamos tranqüilos por muito tempo.
Lobão não trai seus fãs, mesmo aderindo ao esquema comercial. Uma delícia ouvir o cd, fantástico o show, uma energia incrível.
Sou suspeita pra comentar, meu blogue se chama "Na velocidade terrível da queda", título tirado de uma de suas canções.
Mas é mais uma das identificações que descubro ao ler a sua coluna, Rafael.
Parabéns pelos seus textos, sempre os leio com prazer.
De todos os cedês, só conheço o do Lobão e realmente é muito bom. O cara continua sendo irreverente sem perder a ternura. Háhá. Vou tentar dar uma espiada nos outros, ou melhor, dar uma escutada. Parabéns pelo artigo. Bj.