Se há alguma coisa na minha última coluna da qual me arrependo ter dito, é o trecho a seguir: "Há, sim, endereços com bom conteúdo. Mas o que vemos entre os 20 primeiros colocados são blogs de humor e de cultura pop ou trash, todos descartáveis". Essa afirmação abriu precedentes para chegarem ao ponto de dizer que não gosto de blogs ou programas de humor, ou que não considero esse tipo de conteúdo relevante. Culpa minha, claro, por não ter dito o que queria dizer de maneira mais clara. Aproveito agora e digo que gosto de programas, livros, sites e blogs humorísticos. Só me incomoda o fato de eles estarem no topo das listas brasileiras de "blogs mais acessados" ou "melhores blogs". Sobre a relevância deles, alguns são, outros não.
Quanto ao resto ― sobre essa falta de relevância da maior parte dos blogueiros brasileiros, seus posts vazios, sem conteúdo e mal escritos ―, não muda nada. Também mantenho a opinião de que existe, sim, bons blogs, de bom conteúdo. Mas, infelizmente, é uma parcela muito pequena da blogosfera brasileira.
Muitas pessoas me disseram coisas do tipo: "relevante é aquilo que você julga?", "se não acha bom, não entra" e me chamaram de "dono da verdade", como se eu estivesse colocando pela primeira vez a questão da relevância e da qualidade. Tudo o que foi dito no meu texto reflete a minha opinião, o meu ponto de vista. Não decretei nada. E, mesmo que decretasse, o texto é meu, eu decreto o que eu quiser. Mas é um decreto pessoal, segue quem quer. E, se falei sobre esses assuntos, foi porque os próprios blogueiros falaram. Foram eles que exigiram respeito da imprensa e, quiçá, da sociedade brasileira. Foram eles que reivindicaram a pecha de relevantes. Ou não?
Isso não acontece apenas com blogueiros. É assim em todas as esferas da arte. Músicos, artistas, escritores, enfim, quase todo artista acha que tem um papel fundamental na sociedade, que sua obra é de extrema relevância e, quando não tem a atenção que acredita merecer, começa a se lamentar, a dizer que ninguém o compreende etc. Acontece que vivemos numa época de banalização da arte. No filme Igual a tudo na vida o personagem de Woody Allen diz o seguinte: "se um cara subir no palco do Carnegie Hall e vomitar, você vai achar alguém chamando isso de arte".
E por aí vai: o cara faz uma musiquinha mais ou menos, e acha que aquilo é música. O cara escreve um livrinho de contos, e acha que aquilo é literatura. O cara empilha umas cadeiras no MAC, e diz que aquilo é arte. Infelizmente, parece que as pessoas, de um modo geral, além de não quererem enxergar isso, ficam com vergonha de admitir e afirmar que as coisas são assim, hoje.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, em A arte de escrever, diz o seguinte: "Ocorre na literatura o mesmo que na vida: para onde quer que alguém se volte, depara-se logo com o incorrigível vulgo da humanidade, que se encontra por toda parte em legiões, enchendo e sujando tudo, como as moscas no verão. Isso explica a quantidade de livros ruins, essa abundante erva daninha da literatura que tira a nutrição do trigo e o sufoca. Pois eles roubam tempo, dinheiro e atenção do público, coisas que pertencem por direito aos bons livros e a seus objetivos nobres, enquanto que os livros ruins são escritos exclusivamente com a intenção de ganhar dinheiro ou criar empregos. Nesse caso, eles são apenas inúteis, prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura atual não têm nenhum outro objetivo a não ser tirar alguns trocados do bolso do público: para isso, o autor, o editor e o crítico literário compactuam".
Troque "literatura" por "blogosfera", "livros" por "blogs" e suprima a última frase. O resultado disso é o que quero dizer, é a minha opinião.
Quando daquela campanha do Estado de S. Paulo, eu não fiquei cheio de dores, apesar de ser blogueiro. Nem fiquei aqui torcendo pelo time dos blogueiros, quando da Campus Party. Na verdade, achei tudo uma grande bobagem, e vi os blogueiros como macacos, mesmo, fazendo macacadas, divertindo a platéia. E, preciso confessar, me diverti muito. Dei boas risadas com os reclames de "não somos macacos" e com aquela papagaiada toda de se vestir de dinossauro.
É provável que este texto não chegue a levantar uma nova discussão sobre o assunto. Afinal, estou aqui somente reafirmando o que disse anteriormente. Mas, no final daquela coluna, falei sobre esta entidade chamada "leitor". E, depois de alguns comentarem que o leitor é quem decide o que vai ler ou não, que é ele quem decide o que é bom (pra ele, claro) ou não, me peguei pensando um pouco no assunto.
O que eu disse: "Seria injusto terminar este texto sem citar o principal personagem desta 'briga': nós, leitores. Afinal, somos nós que compramos os jornais e revistas, e acessamos os blogs. Nós é que decidimos quem são os 'melhores'. Precisamos ter também um pouco mais de maturidade, critério e bom senso, separar o que é importante do que não é, saber a diferença entre um comentário mais longo e uma matéria bem feita, distinguir um blog de um site de entretenimento em formato de blog".
O que eu penso sobre o que eu disse: fui condescendente demais. Farei agora como os blogueiros e não tomarei como base nenhum dado, não usarei nenhuma fonte. Mas, se pararmos para analisar, somos um país de poucos bons leitores. Somos um país, na verdade, de poucos leitores. Ler, bem ler, não é apenas decifrar o que está escrito no papel ou na tela. É interpretar, entender, perceber as intenções do autor (nenhum texto é puro de intenção, nenhum texto é 100% imparcial), comparar com outras opiniões e, depois, se possível, tirar suas próprias conclusões. O fato é que a maior parte do público que acessa a internet não faz isso, nem procura informação e conteúdo relevante. Basta ver quais são as palavras que os brasileiros mais buscam no Google, por mês (não vou relacioná-las aqui, para não atrair algum desavisado; até porque elas variam de acordo com a época e o que está em evidência), para entender o que estou dizendo.
Em entrevista ao jornal Rascunho, o escritor Enrique Vila-Matas, ao responder a pergunta "Em O mal de Montano, o narrador fala sobre os 'inimigos do literário'. Em sua opinião, quem são os maiores inimigos do literário na literatura contemporânea?", diz:
"Os diretores das editoras que já não são leitores de literatura e programam livros como se fossem camisas ou qualquer outro produto que se possa vender. Os escritores que, atentos a atender uma clientela imediata, buscam fórmulas prontas para seus livros e, além disso, renunciam a ser exigentes consigo mesmos. Os leitores ― com estes ninguém se mete, como se fossem santos ― que compram livros-lixo sobre o Santo Graal e outros romances de qualidade ínfima e, ainda assim, crêem que lêem."
Vila-Matas não é o primeiro a dizer isso sobre os leitores. Vejamos o que Arthur Schopenhauer disse sobre:
"É inacreditável a tolice e a perversidade do público que deixa de ler os espíritos mais nobres e mais raros de cada gênero, de todos os tempos e lugares, para ler as besteiras escritas por cabeças banais que aparecem diariamente, que se espalham a cada ano em grande quantidade, como moscas."
Como bem diz Vila-Matas, a culpa é de todos e ao mesmo tempo não é de ninguém. Schopenhauer joga a culpa para o público, mas também não podemos determinar isso. A questão do leitor e suas escolhas perpassa vários outros fatores: situação econômica, histórico cultural, possibilidade de acesso a cultura, educação escolar, enfim, uma série de pontos. Aí alguém grita, dizendo que, então, a culpa é do governo. É, mas não só. Um outro alguém diz que a culpa é dos portugueses, que só mandaram gente ruim pra cá, quando do "Descobrimento". Não acho que chega a tanto.
Mas é inegável que nós, leitores, e, principalmente, os que querem ser lidos, precisamos tomar uma atitude, nem que seja uma atitude mínima: a de desprezar conteúdos que não sejam realmente relevantes ou importantes. Melhor dizendo: dar menos atenção a eles. Porque a mídia (e agrupo nesse termo jornalistas e blogueiros) dá ao povo o que o povo quer. Se continuarmos a ler bobagens, mais bobagens aparecerão. Então, tentemos ler, ver e ouvir mais coisas boas, coisas que têm conteúdo, que agregam valor. E o que é uma coisa boa? Algo que "passe uma mensagem", talvez? Algo "edificante", não sei. Uma vez eu disse que sei quando um livro é bom e quando não é. Vou mudar um pouco a frase, de modo a ficar menos arrogante: eu acho que sei quando um livro é bom e quando não é. A isso se chama bom senso, aliado a alguns fatores ― no meu caso, muitas leituras e algum estudo. Tentemos seguir pessoas de bom senso, de bom gosto. Acredito que assim as coisas seriam bem melhores.
Concordo com você. É triste observar que nosso público leitor se interessa muito mais em saber "quem casa com quem" na Globo do que sobre a vida de quem decide seu futuro em Brasília.
Contudo, acho que essa é uma maturidade que virá apenas com o tempo. É necessário que as famílias e as escolas desenvolvam mais a consciência das crianças para o mundo que as cerca. Assim, teremos adolescentes e adultos mais conscientes e interessados em consumir qualidade.
Hoje, mesmo na área do humor, vê-se o domínio do lixo e da cultura descartável. O talento e a elegância "do bom", já não é mais necessário para o "grande sucesso".
Quem sabe se, com uma evolução da mentalidade do público, essa "volta" à percepção de que talento e qualidade são fundamentais não volte?
Excelente artigo.
Muito bom texto. E, apesar de você ter sido mal interpretado por muitos, não foi por mim.
Eu concordo que é lamentável blogs de "asneiras" ocuparem os top 20, alguns eu até visito, mas falta identidade à blogosfera brasileira.
Cadê blogs conhecidos de política? Educação? Saúde? Jornalismo... cadê?
Vou citar um dos motivos pelos quais considero a blogosfera brasileira fraca: quer ganhar dinheiro? escreva um blog!
A grande maioria dos blogueiros não gera conteúdo, eles o trasmitem e, de certa forma, muito mal.
É óbvio que toda generalização é burra, e por aqui não há de ser diferente. Mas que tem muita coisa ruim nos top, isso tem!!!
Não entendo o porquê de um cara com um texto inteligente e bem escrito como o seu querer se retratar com um bando de semi-letrados e analfabetos que compõe 99% da "blogosfera", se desculpando por ser mal-interpretado. Ressentimento? Para que isso? Não dizem por aí que "os ignorantes são mais felizes"? Então que a felicidade - junto com a mediocridade - reine na internet das maravilhas.
Acho que a blogsfera se divide em três classes: 70% são de pessoas que a utilizam apenas para expor suas idéias. Eu me encaixo nessa fatia. Sem maiores pretensões, nós escrevemos e só. Para mim, blogar é lazer. Não espero que me levem a sério.
Há outros 25% que se leva a sério e quer ser reconhecido pelo que bloga. Só que esses escrevem mal e não contribuem em nada para melhorar a imagem da blogsfera. Escrevem coisas, muitas vezes, medíocres, vestidas de uma falsa modernidade e são cultuados por uma legião de blogueiros que neles se espelham para difundir a mediocridade. Infelizmente, muitos dos sites considerados melhores do país estão nessa fatia.
Os 5% restantes são os "profissionais". Em grande parte, vêm da imprensa formal e estão casados com a informação. Conseguem expor sua visão pessoal, sem ferir as regras do "casamento".
Acho que a maioria dos blogueiros brasileiros não querem ser levados a sério. E não há nada de mal nisso. O que me incomoda são os 25$. Ah, os 25%!!...
Rafael, também acho desnecessário reafirmar sua posição. Esse texto mexeu com todo mundo e, principalmente, com você, penso. Quem não entendeu a primeira leitura, talvez não mude de opinião. Só não concordo com os comentários que ofendem os autores dos textos com palavras pesadas, como li contra seu texto. Conversamos sobre idéias e pontos de vistas, e não sobre pessoas, e o respeito é fundamental. Seu texto é ótimo, mas se for feito um "ranking" dos títulos mais eficientes do Digestivo, certamente o seu estará entre os 10 melhores. É impossível passar batido por ele. Abraço.
Oi, Rafael. Entendo perfeitamente suas colocações e concordo com outros comentários te apoiando. Há 5 anos eu era absolutamente contra blogs e achava que era uma besteira sem tamanho. Só que mudei quando encontrei uma função diferente pra mim. Ter um blog com função específica foi o caminho que encontrei. Por isso, criei o Fim de Jogo - que acompanha os arredores do Maracanã em dias de jogos. Não ganho dinheiro com ele, nem com os anúncios do Google que coloquei lá. Mas é minha paixão e acredito nesse formato de blog - jornalístico -, que pelo jeito ainda é muito restrito na Blogosfera. Pelos percentuais que vc e outros colegas mencionaram aqui, ainda sou minoria, mas a satisfação pelo que eu informo e sinto que sou útil é imensa. Já perdi (ou ganhei!) muitos finais de semana para cobrir os jogos. Enquanto alguns me acham louca, outros passaram a gostar dessa paixão que demonstro nesse meu "hobby". Ao ler seu artigo, mais uma vez tive a sensação que estou no caminho certo. Abs.
Não posso negar que o governo tem um toque de culpa em não dar mais acesso à cultura para todos, mas isso não é desculpa para quem quer ler coisas boas. Quantos casos já não vimos de pessoas que viveram a vida inteirinha em condições miseráveis e que agora são formados em direito. Raro? É sim, mas eles conseguiram porque não viram outra forma de "evoluir intelectualmente". Os livros estão aí, bibliotecas, sebos... Os sites estão aí. Vai de cada um escolher o que ler. Anatol Rosenfeld ou Zíbia Gaspareto? Teoria ou Auto-Ajuda? Difícil? Para mim, não...