Gente, muita gente. Essa é a visão que fica quando caminhamos pela avenida Paulista, o centro financeiro (e nervoso) de São Paulo. Principalmente quando se passa em suas calçadas por volta das seis da tarde, horário em que todos os trabalhadores se esvaem como água da chuva para os coletivos, ônibus fretados e metrô. De forma apressada, dos engravatados aos de roupa comum, andam com pressa. O olhar no relógio, seja o de pulso ou dos que estão espalhados pela avenida, confere a tensão desejosa de chegar em um instante em casa.
Caminhar pela Paulista de dia é interessante, pois, com mais calma, é possível perceber o céu azul escondido pelos arranha-céus, o andar mais tranqüilo de um horário como dez da manhã, por exemplo. O número de carros nas pistas é menor, a corrida desenfreada dá lugar a um meio-termo um tanto esquisito para a capital do estado. Mas é só passar por esses mesmos lugares às oito da manhã ou no fim do dia para perceber que o cenário provocou uma metamorfose absurda: buzinas, faróis altos, corre-corre, engarrafamento, gente demais para poucas calçadas.
Um caso à parte que provoca o caos no trânsito são os ônibus fretados. Coisa de metrópole de um lugar ainda não desenvolvido plenamente, mesmo que grite por isso com urgência. Muitos dos empregados moram em locais distantes do centro, seja ele geográfico (praça da Sé, por exemplo), seja econômico (Paulista ou a emergente Berrini). E para evitar o desconforto de várias conduções, o suor, o empurra-empurra, ou mesmo a falta de transporte até o local do trabalho, diversas empresas fazem contrato com locadoras de ônibus de viagem para fazer uma verdadeira via crucis, de um ponto extremo da cidade até outro. Eu mesmo, quando vivia na região de Itaquera, Zona Leste, e trabalhava em Alphaville, em Barueri (outro município, situado à oeste da cidade), utilizava desse meio de transporte. Podia dormir durante o trânsito. Em outro caso, estaria num metrô, num trem, com o dobro do tempo gasto, sem a menor condição de chegar inteiro e descansado para trabalhar. Era mais fácil chegar estressado e nem um pouco a fim de trabalhar.
Mas voltando à Paulista e a o que esses ônibus causam, o fluxo de veículos na avenida aumenta estrondosamente. E é engraçado ver as pessoas correndo, o motorista buzinando para a mulher que sai esbaforida do prédio, para o homem que está no bar olhando as moças bonitas que passam. Ao mesmo tempo, na estação Brigadeiro do metrô, próximo do início da avenida, a multidão convive entre desvios, "licença", e empurrões, com o vendedor de milho, o garoto que entrega folheto, o outro que vende bolsas, os homens que tomam no bar uma cerveja para esquecer o dia difícil de trabalho. Sem falar nas obras que a prefeitura tem feito para melhorar o acesso, mas que tem dificultado aos montes quem passa todos os dias pelo local. Verdadeiras barricadas foram colocadas, com grades de madeira, fazendo trilhas indicativas de onde se pode andar. É preciso atenção para não trombar com os outros e paciência para andar numa quase fila indiana, um atrás do outro pelo espaço aberto entre tais barreiras.
Mais pra frente, na região da estação Trianon-Masp, o clima é mais executivo. Até as pessoas aparentam estar mais arrumadas. Há menos ambulantes, porém, mais mendigos, com espaço para pedir uma esmola a quem possa dar. Até os edifícios ganham outra conotação, a maioria dos bancos grandes (não só agências) fica nesse pedaço da avenida. Já na região da estação Consolação o tumulto retorna, com pontos de ônibus apinhados e calçadas lotadas. Mesmo assim é possível pintar cenários de beleza. Claro, entendendo o contexto de uma metrópole desorganizada e chamativa, justamente por seu jeito maluco de existir.
E o mais estranho, mas também simbólico, é que a Paulista se encerra com o último prédio da parte transitável mais alta da cidade, que é a região onde está localizada a avenida, com seus 700 metros de altura. E não podia terminar de outra forma: o horizonte com o céu apontando para as árvores do tranqüilo bairro do Pacaembu. Sinal do que ela representa: concreto, janelas, luzes, barulho, velocidade. A avenida Paulista é a síntese da cidade: um verdadeiro caos, organizado. Mais pela sensação de bagunça que fica do que por algo ordenado. Porque fica o pensamento: é tudo tão absurdo que não pode ser normal. Mas o que importa é que ela é bonita mesmo assim. Uma beleza própria, típica das grandes capitais, com suas peculiaridades e esquisitices. Talvez por isso mesmo apaixone tanto os paulistanos.
Conceitos de beleza são sempre complicados e discutíveis. Às vezes tenho uma certa impressão que nós, paulistanos, forçamos um pouco a barra para ver beleza onde ela não existe. Não sei, parece algo ligado a um certo instinto de sobrevivência, algo para não nos deixar enlouquecer neste caos.
Acho a Avenida Paulista um dos lugares mais interessantes e atraentes da cidade, com todas essas nuances antropológicas comentadas pelo Rodrigo, mas beleza mesmo, pra mim, é outra coisa. Ela até tem belos pontos, como o Parque Trianon e o MASP, mas, no geral, é um aglomerado de prédios desarmonicamente dispostos, poluição em muitas de suas formas e desrespeito de todos os tipos.
E o pior é que a Paulista é um oásis neste deserto de miséria em que vivemos. Mas, no fim de tudo, é justamente essa feiúra que me fascina na minha cidade. Cidade pela qual tenho uma verdadeira e doentia relação de amor e ódio.
Eu sou um carioca que amo a Avenida Paulista. É meu centro de referência sempre que vou a SP. É de lá que costumo partir pra tudo. Sem passar pela Paulista me perco, fico sem referencial na cidade. Amo tanto que escolhi uma livraria da Paulista (a Cultura do Conjunto Nacional) pra lançar meu livro "Albatroz, o encontro das tribos", no dia 6 de junho, embora quase todos tenham me recomendado a Livraria da Vila (que teria mais a ver com o tema do livro, o movimento hippie na Califórnia). Mas sei lá! Me sinto melhor na Paulista. Como insinua o texto do Rodrigo: há um mistério! Que, pra mim, envolve prazer, grandiosidade, gente legal e... acolhimento.