Vou me tornar cristão; vou ler a Bíblia com regularidade e sem questionamentos; me tornarei leitor de Paulo Coelho; passarei a ouvir pagode; olharei o funcionário público com condolência; acreditarei piamente que o Poder Judiciário promove a justiça; deixarei de criticar os professores; nunca mais recusarei cafezinho ralo oferecido por entrevistados; nunca mais rogarei praga nas imensas filas do Banestes (Banco do Estado do Espírito Santo); evitarei comentários maldosos ao ler textos que contenham “o mesmo” ao se referir a algo que o antecede; conterei minha revolta com reportagens mal-escritas, mal-apuradas e notinhas com indiretas insidiosas e rasas.
Me esquivarei de debates com feministas (machos mal-acabados, para Nelson Rodrigues), machistas (machos muito mal-acabados) e crentes (os que acreditam na ocorrência do improvável); não mais condenarei a barbárie, já institucionalizada nas relações humanas; deixarei de acreditar que um bárbaro nasce bárbaro e não tem conserto; deixarei de rir daqueles que acham meu texto difícil; conterei a indignação com o racismo explícito de alguns negros e do disfarçado da maioria dos brancos (sic); conterei o riso ao ouvir político falar “pôbrema”; disfarçarei a decepção com jornalistas massacrando o “este é o objetivo...” e “essa questão é...”; não mais desejarei a morte por enforcamento de Bill Gates quando meu windows “travar”; deixarei de explicar a colegas que estereótipo é uma forma desafortunada de colocar sob as sombras o que se desconhece e ridicularizar o que não se compreende; não mais escolherei amigos com tanto rigor; forjarei meus textos como se fossem redações de primeiro dia de aula (contrariando Fabrício Campos); nunca mais farei citações, no intuito de dividir conhecimento com o leitor; disfarçarei meu desgosto com presentes que parecem ter sido feitos para causar esse tipo de reação; nunca mais darei minha opinião sincera quando pedirem minha avaliação sobre algum texto.
Sim, meus caros, prometo cumprir todos os itens da lista quando descobrirem cientifica e irrefutavelmente quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha.
O modess intelectual
A inteligência do homem reside mais no fato dele absorver criticamente o impacto de certas mudanças do que revidar cega e agressivamente um ataque às suas crenças mais infantis. Sartre, numa entrevista que assisti na Rede Brasil, admitiu que as manifestações em Paris, no “maio de 68”, fizeram-no questionar sua posição de professor (uma das reivindicações era a melhoria do ensino) e de pensador. “Se havia uma insatisfação era porque algo estava errado; que os professores haviam se distanciado de seus alunos”, disse o filósofo francês, mais ou menos com essas palavras. O fato ampliou o foco de observação de Sartre — apesar de seu olho de caranguejo — ao invés de podá-lo, como ocorre com grande parte dos nossos queridos jardineiros do conhecimento.
O homem médio, por exemplo, passa a maior parte do tempo falando bobagens sobre assuntos que desconhece e conhecendo bobagens que faz questão de nada dizer. É um mecanismo de defesa completamente lícito, para não cair no ridículo entre seus amigos não menos desafortunados intelectualmente.
Mas a ignorância não é privilégio dos ignorantes. Tenho lido muita gente boa ser sugada pelo buraco negro do lugar-comum ao analisar os atentados aos EUA. Por isso é que eu fujo sem o menor pudor toda vez que um conhecido vem pedir uma opinião sobre o assunto. Como vou falar alguma coisa sem conhecer a história dos povos do Oriente Médio, da relação dos EUA com aqueles países, do porquê desse ódio deslavado dos povos árabes pelos norte-americanos? Além do que, nada mais pode ser dito sobre o assunto depois do que disseram em entrevistas Noam Chomsky e Eric Hobsbawn. Só se fossem vivos os jornalistas H. L. Mencken (1880-1956) e Edmund Wilson (1895-1972). Daria o mundo para saber o que eles teriam a dizer.
Neste inicio de século, nós viramos peneira pela quantidade de bombardeio de diversos meios. O da informação é o mais assustador, segundo a reação mais comum. Mas a quantidade de informação atual só nos faz ter certeza de que ela nos é absolutamente dispensável. Aliás, para não ter um colapso nervoso, o melhor é se abster dessa avalanche encabeçada pela dona mass media. Senão, a absorção do impacto será tão eficaz quanto a das gêmeas do World Trade Center no episódio dos aviões desgovernados. E, acredite, meu caro: há vida inteligente fora das colunas sociais.
Lecture
Terminei de ler “Edmund Wilson, uma biografia” (Civilização Brasileira, 682 páginas), escrita pelo também jornalista Jeffrey Meyers. Wilson foi o mais destacado e erudito jornalista literário dos EUA (talvez do mundo) entre as décadas de 1920 e 1960. É o que podemos chamar de personalidade hiperbólica. Exagerou em tudo: escreveu maravilhosamente bem, bebeu como uma destilaria de álcool, fornicou à vontade, tornou-se poliglota e brigou com muita gente. Fascinante.
Quid est est
Não sei quanto a você leitor, mas sobre determinados assuntos prometi nada dizer após a morte que já não tenha dito em vida. Como Montaigne.
Depois de ser obrigado a ler porcarias como Veja,Isto é, Época,salvo Carta Capital seu texto é muilto bem vindo.Obrigado pela dica Edmund Wilson.Vou correndo comprar.
Um abraço