COLUNAS
Segunda-feira,
26/5/2008
Bienal do Livro em Minas e o acesso à cultura
Pilar Fazito
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É caro. Ainda é muito caro usufruir de bons programas culturais no Brasil. Às vezes esse preço afugenta as pessoas de salas de teatro, de cinema e livrarias, e costumamos a confundir essa proteção do orçamento doméstico com a falta de interesse ou, até mesmo, com um gosto duvidoso da população. Não é bem assim... Quando há bons programas culturais de graça ou a um preço camarada, a massa comparece. O povo também gosta de cultura e isso se vê nas apresentações de música clássica em parques, nos festivais de teatro de rua, nas campanhas de popularização do teatro, nos cinemas em praça pública e em muitas feiras de livros.
Mesmo não sendo tão barato assim, houve quem deixou de emendar o feriadão e partir para o litoral para andar em meio aos livros na capital mineira. É que, de 15 a 25 de maio, ocorreu em Belo Horizonte a primeira Bienal do Livro de Minas e, embora estivesse espremida entre um feriado e um fim-de-semana, a sexta-feira, 23, foi um sucesso de público.
Andar pela Bienal é uma coisa, comprar livros já são, literalmente, outros quinhentos. Ali mesmo foi possível ver que a pechincha faz toda a diferença. Os estandes que mais atraíram o público foram os que ofereceram livros a quatro reais, mega promoções com descontos de até 70%, ou ainda os livros de bolso, que costumam ser bem mais baratos que outras edições. Ainda bem que esses estandes existiram porque, a julgar pela entrada de seis reais mais o estacionamento de sete e o capuccino de cinco no Café Literário, a Bienal, definitivamente, não pode ser considerada um programa barato para toda a família.
Quanto ao estacionamento, é caro, mas vá lá... Com essa onda de compra de carros que assola as ruas e avenidas das grandes capitais, o negócio é cobrar caro mesmo. Mas se o evento tem a intenção de fomentar o estímulo e o interesse à leitura e querer que as pessoas comprem livros, seis reais de entrada pode ser um gasto bastante relevante.
É bem verdade que a estrutura física da Bienal é muito melhor do que a do ex-Salão do Livro — evento anual promovido pela Fundação Municipal de Cultura e que, a partir de agora, terá o nome de Encontro das Literaturas. A praça de alimentação é bem espaçosa e arejada, e os estandes contemplam uma boa gama de editoras e livrarias, além de apresentar projetos locais bem interessantes. Por outro lado, deu para perceber que a Bienal não gosta dos sebos. Tudo ali cheira a novo e esse aconchego que vem impregnado nos livros usados, junto com ácaros e traças, foi mesmo deixado de lado.
De todo modo, o sujeito pagou pelo direito de entrar, circular pelos corredores da Bienal, contar as migalhas para comprar os livros que queria (afinal, nem todas as pechinchas se revelavam vantajosas em termos qualitativos) e esperar mais de uma hora na fila para ser um dos sortudos que assistiria aos diálogos no Café Literário.
Sorte. Além de dinheiro e boa vontade, foi preciso sair de casa com uma boa dose de sorte e paciência. Uma das grandes dificuldades de eventos como esse são os debates e as apresentações de escritores. No último Salão do Livro, as salas destinadas à interlocução de autores e público ficavam tão escondidas que intimidavam muitas pessoas. Não parecia uma apresentação, mas uma reunião a portas fechadas. Infelizmente, isso afugentou muita gente na época. Entretanto, como a estrutura do Salão é bem mais modesta, já era de se esperar que isso acontecesse. Por outro lado, a estrutura da Bienal do Livro em Minas é assombrosa e não há justificativa para o confinamento de poucas pessoas dentro de uma saleta de vidro, restrita a poucos. Em meio a tantos estandes, auditórios e arenas amplas, a organização do evento resolveu destinar uma espécie de aquário minúsculo para os debates entre autores. O que era para ser um encontro charmoso, regado a café, com os escritores papeando no sofá, virou uma bolha de vidro VIP.
Na quarta-feira, 21, uma verdadeira turba de leitores do Rubem Alves chegou a protestar contra a exclusão cultural. O fato é que cabiam pouco mais de cem pessoas ali e as portas foram fechadas tão logo a capacidade foi atingida. Não adiantou chegar na hora, ou meia-hora antes. Quem não conseguiu lugar cativo dentro da vitrine teria que se contentar em admirar o debate do lado de fora por meio de um telão. Admirar, já que o som estava tão ruim que nem leitura de lábios conseguiria aplacar a curiosidade dos fãs do autor.
Ora, qualquer produtor em sã consciência sabe que o público de um Rubem Alves lota auditórios em qualquer lugar aonde ele vá. Não deu outra. Os excluídos culturais fizeram um protesto do lado de fora chamando a atenção de quem passava. Mais tarde, e visivelmente cansado, Rubem Alves encontrou os manifestantes num auditório maior e respondeu às perguntas daqueles que só estavam ali para ouvi-lo.
Na sexta-feira, 23, não chegou a haver o mesmo tumulto, mas o constrangimento de enfrentar uma fila e pegar senhas, que se esgotaram uma hora antes, para assistir aos debates com o Moacyr Scliar e, mais tarde, com a Martha Medeiros, reforçam como o Café Literário foi mal organizado. Ou subestimado. A certa altura, só entrava no aquário se alguém saísse antes.
Transmissões em telões para outros auditórios não é a mesma coisa. O público quer ouvir de perto e ter a oportunidade de interagir, de perguntar algo para o escritor, mesmo que acabe não perguntando, e de pegar autógrafos no fim.
Além da falta de espaço dentro do caixote de vidro, o Café Literário pôs, no mesmo sofá, escritores que não tinham nada a ver uns com os outros, a exemplo de Rubem Alves e Zeca Camargo ou Heloísa Seixas e Ivo Pitanguy.
E os puseram para debater temas bizarros ou insossos, como a Literatura Feminina, que girou em torno da pergunta de sempre: a escrita feminina é diferente da masculina? Nesse dia, o trio Maria Esther Maciel, Martha Medeiros e Malu Praxedes parecia tão integrado quanto uma mistura de óleo e água. E fora a presença de palco, a sensatez e a notória aproximação da Martha com o público, o debate foi meio truncado. O academicismo exagerado de Maria Esther a deixava além do público e o deslumbramento de Malu a deixava aquém. Martha foi a medida certa da noite, deixando claro que o tema da mesa era tão relevante quanto a cor do cavalo branco de Napoleão Bonaparte.
Para muita gente, pode ser interessante comparecer a esses eventos apenas para estar mais perto do escritor, de uma "celebridade." Mas para quem nutre um olhar mais apurado em relação à escrita e à leitura, é preciso haver debates realmente substanciais, que justifiquem a saída de casa para ouvir o que os autores têm a dizer.
Não é mesmo fácil estruturar mesas de debates e entrevistas com escritores sem cair em obviedades ou assuntos recorrentes. Por isso mesmo, o melhor é quando não há tema sugerido. Os melhores debates entre escritores são aqueles em que eles se sentem à vontade e "papeiam" entre si no palco ou na mesa de bar. Esse formato deu tão certo no I Encontro Nacional de Escritores de Natal, em 2006, que os autores continuavam a conversa após o término formal da sessão, sentados do lado de fora da tenda principal do evento. E o público que quisesse podia acompanhar a informalidade.
Mas esse formato dificilmente será "importado" para Minas Gerais. Aqui, ainda temos a mania besta de endeusar personalidades e acreditar que são seres inacessíveis. Não adianta o artista vir para onde o povo está se os organizadores do evento os põem dentro de bolhas e os impedem de se aproximar do público. O acesso à cultura depende de muitas coisas, dentre elas, simplicidade.
Pilar Fazito
Belo Horizonte,
26/5/2008
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