COLUNAS
Quarta-feira,
4/6/2008
Os filhos do imperador
Luiz Rebinski Junior
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Abatidos por uma crise existencial, três amigos, saídos das entranhas da elite intelectual norte-americana, chegam juntos aos 30 anos cheios de dúvidas e carregados de frustrações. Seus anseios e sonhos ― profissionais e amorosos ― vão, pouco a pouco, se esfacelando à medida que o tempo passa, fazendo com que as certezas e convicções de outrora sejam colocadas em xeque. Essa poderia ser a sinopse de um livro de Nick Hornby, autor que se notabilizou por retratar as angústias típicas da transição entre a juventude e a fase adulta, não fosse pela ausência de referências à cultura pop ― aqui substituídas pelas citações livrescas ― e por ter sido escrito por uma americana ― ainda que o típico humor inglês dê as caras por aqui também.
O livro em questão, Os filhos do imperador (Nova Fronteira, 2008, 480 págs.), quarto romance de Claire Messud, é uma comédia de costumes que mostra como a classe letrada de uma grande metrópole pode ser oca e sem conteúdo, ainda que tente demonstrar o contrário. Talvez por conta disso, o livro foi comparado, nos Estados Unidos, ao clássico de Tom Wolfe, A Fogueira das Vaidades. Ambientado em Manhattan, o romance percorre a vida de Marina Thwaite, Julius Clarke e Danielle Minkoff, amigos de longa data que se acham imprescindíveis para a cultura norte-americana, mas que não produziram absolutamente nada de relevante ainda. Cada um à sua maneira, convive com conflitos bastante parecidos, o que acaba por ora afastá-los, ora uni-los. Marina é filha de um bem-sucedido jornalista e escritor ― Murray Thwaite, o imperador do título ― que se sente frustrada por não ter conseguido alcançar a fama e reconhecimento do pai. Nunca teve um trabalho, é sustentada pelos pais e está escrevendo um livro, de importância duvidosa e que não consegue terminar, sobre a história da indumentária infantil. Danielle, sua melhor amiga, é uma produtora de TV que não consegue realizar projetos que deseja e está à procura de um grande amor, que nunca chega. O único homem do trio é um homossexual bastante cínico e de humor irônico. Crítico de música e cinema, Julius vive sem grana, o que o obriga a aceitar trabalhos que lhe envergonham. A esses três personagens, juntam-se outras figuras secundárias, mas não menos problemáticas e intrigantes, como o jornalista Thwaite, seu sobrinho Bootie ― pretensioso aspirante a intelectual ― e Ludovic Seeley, jornalista australiano que pretende revolucionar a crítica cultural americana com uma nova revista.
Com esse enredo, Messud constrói um interessante mosaico, que se movimenta a cada investida dos personagens, que, pouco a pouco, vão se mostrando por inteiro, com toda a sua insegurança, banalidade e falta de maturidade. Ainda que façam parte de um mesmo círculo social, que compartilhem dos mesmos anseios, cada personagem vai se revelando bastante complexo ao longo da narrativa. E isso se deve à forma atraente de narrar de Messud, que consegue entrelaçar seus personagens com habilidade, não se perdendo nas histórias individuais de cada um. Mesmo trabalhando com temas bastante propícios ao clichê ― o gay que não consegue ter uma relação estável (Julius), a menina que tenta provar que além de linda pode ser inteligente (Marina) e a jovem que se apaixona por um homem mais velho (Danielle) ―, a autora vai além do folhetim. Há, claro, algumas escorregadas no meio do caminho, como o fato de Julius ser um crítico respeitado (ele escreve em revistas importantes dos EUA), porém mal pago, e ter que aceitar trabalhar como digitador, por exemplo.
A paradoxal sensação de solidão em um mundo extremamente povoado e conectado, o sentimento de frustração causado por uma sociedade altamente competitiva que castra sonhos e a dificuldade de levar adiante ideais antigos são alguns dos temas que povoam os interessantes diálogos do livro. Em cada passagem há sempre uma discussão existencial, ainda que o assunto discutido não seja propriamente sério. É nas entrelinhas que Messud dialoga com o leitor. As situações mais banais e comezinhas são reveladoras da personalidade dos jovens intelectuais criados pela autora. É sempre por meio dos diálogos que crenças são reveladas, preconceitos vêm à tona e o vazio intelectual se mostra por inteiro. A ironia fina e o bom-humor de Messud possibilitam que temas sérios, como a questão da infidelidade no casamento, sejam discutidos com a mesma despretensão de quem comenta o aumento do preço do pãozinho na padaria. As referências literárias e filosóficas, mesmo que um pouco excessivas, também ajudam a valorizar o discurso. Bootie, o jovem aspirante a intelectual que chega do interior, por exemplo, é guiado pelos ensinamentos do filósofo americano Ralph Waldo Emerson. A cada momento difícil ou de indecisão, Bootie recorre ao mestre, elegendo como mantra uma das frases do filósofo que diz que "os grandes gênios têm as menores biografias". Tolstói, Dostoiévski, Thomas Pynchon e Robert Musil povoam os pensamentos e sonhos do jovem Bootie, ridicularizado por sua cara de nerd e sobrepeso.
O que fazer agora?, é a pergunta que está presente em cada diálogo, frase e pensamento do trio Julius-Marina-Danielle. Com a chegada dos trinta anos, o desejo por mudança aflora com intensidade. Mas o problema é como fazer as coisas darem certo; como realizar os sonhos que ainda não se concretizaram? E aí a figura imponente de Murray Thwaite aparece como uma sombra maligna que atormenta os jovens, lembrando-os a cada instante que seus trinta anos foram mal vividos e que nada ou quase nada do que sonharam foi realizado. A carreira bem-sucedida de Murray, seus livros de sucesso e seu prestígio acadêmico só realçam a insignificância de suas trajetórias. O paralelo entre a geração de Murray, um jornalista que militou contra a guerra do Vietnã e fez fama defendendo minorias, e a dos três amigos, pautada por uma acomodada busca pelo sucesso, serve para que Messud demonstre como as mudanças ocorridas nas últimas décadas na sociedade criaram um buraco existencial na juventude de hoje ― sem, no entanto, que a comparação soe saudosista ou excessivamente romântica. A vida dos três amigos demonstra como a cultura do individualismo, tão em voga, cria uma falsa sensação de liberdade, que resulta, muitas vezes, em um estado de desilusão permanente. E a inércia de ações e a falta de idéias ficam ainda mais evidentes com a tragédia do 11 de Setembro, vista aqui como metáfora para o fracasso da filosofia yuppie. Os filhos do imperador trata de uma fase específica e decisiva da vida, quando ainda é possível mudar o estado das coisas, mas seu principal mérito é captar, de forma bastante envolvente, as mudanças na relação contemporânea entre indivíduo e sociedade, onde as utopias deram lugar a um individualismo que nem sempre é sinônimo de liberdade e sucesso.
Para ir além
Luiz Rebinski Junior
Curitiba,
4/6/2008
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