Um verdadeiro ataque de focas. "Foca", no jargão dos jornalistas, é aquele iniciante que ainda tem bastante o que aprender. E dependendo da missão, põe-se um foca na roda, que é para não gastar jornalistas mais experientes. Não sei nada sobre jornalistas e muito menos sobre o que eles aprendem, mas sei que a escrita é uma de suas ferramentas de trabalho. Mais do que ela, a linguagem. Ou deveria ser.
Há quem não acredite que pessoas jovens possam fazer um bom trabalho. Sempre há o que aprender, mesmo quando se é velho e experimentado. Na profissão ou na vida, se não há mais o que fazer, o negócio é morrer. Enquanto não for, a idéia geral é a de que as coisas estão sempre em movimento. Mesmo quando não parece. E em tempos de novas mídias e novos letramentos, o que mais há é gente nova que sabe o que gente mais velha não sabe. Isso não quer dizer que aquele saiba mais do que este, nem vice-versa, nem nada. Quer dizer apenas que as pessoas dominam aspectos diferentes dos saberes e que, independentemente da idade que sustentem, podem aprender umas com as outras. Quem tem filho sabe bem do que estou falando. Se não sabe, precisa saber.
Entre os jornalistas acontece algo que sempre me deixou intrigada. E não tem a ver com saber operar blogs ou não saber nada sobre tecnologias. Isso pouco importa para mim. Interessa mais saber do que o cara é capaz.
Quando dei aula para cursos de Comunicação, ficava impressionada com garotos de 19 anos que sabiam tirar proveito de tudo o que acontecia dentro e fora da universidade. Nas aulas de Oficina de Texto, demonstravam bastante perícia com o objeto que os levaria à profissão. Mas havia, em contraponto, aqueles meninos e meninas que não tinham a menor idéia do que faziam ali, trancafiados naquela sala por horas e horas, tentando conectar o mundo lá fora com o que liam e ouviam. Não era difícil saber quem estava motivado e quem não estava, quem havia escolhido a profissão e quem não sabia sequer o que era escolher.
Alguns daqueles meninos me deixavam curiosa e intrigada. O que estuda um jornalista? Lendo os Parâmetros Curriculares Nacionais para os cursos de Comunicação Social (com habilitação em Jornalismo), descobri uma série de diretrizes que deveriam guiar não apenas os cursos, mas os alunos que porventura quisessem ser jornalistas. Ouvi muito comentário engraçado, muita insinuação de que o jornalista é um cara que sabe pouquíssimo sobre tudo e precisa aprender a fazer parecer que sabe muito sobre alguma coisa. Infinitas discussões sobre o caso das "reservas de mercado", especialmente em Belo Horizonte, onde é obrigatório ter diploma de jornalista para atuar em um jornal (exceto se se tem o rótulo de cronista ou coisa que o valha).
Casei-me com um jornalista que acha que o jornalismo morreu e tem um blog sobre temas ligados à comunicação. Hoje, dou aulas só para engenheiros em formação, futuros profissionais que me parecem bastante sérios no que fazem, ao menos na instituição em que estão. Prefiro mil vezes dar aulas "fora" da minha área do que dentro dela. E ainda fico intrigada com algumas coisas.
Faz pouco, fui a São Paulo para o lançamento de meu livreto de poemas. Muitos amigos, ex-amigos, conhecidos e desconhecidos na mesa, ao meu lado, comendo os mesmos tomates secos. Um deles, imediatamente ao meu lado, é jornalista famoso, desses jovens arrogantes e conhecidos. O máximo para ele era ser carioca e morar em São Paulo. Além do assunto infrutífero (e levado a sério por muitos e infindáveis minutos) sobre se o Rio é mais cosmopolita do que São Paulo e as defesas insustentáveis e absolutamente imbecis sobre sotaques (sendo que o carioquês, claro, é o "correto"), algo me impressionou muito. O moço, sem fazer muito esforço, se arvorava por qualquer assunto que quicasse na mesa, mesmo sem saber quase nada de profundo sobre o objeto do discurso. Parava a bola e não deixava mais ninguém chutar. Vez ou outra, impunha-se dando "carteiradas" com o nome do jornalão em que trabalha (e assina isto e aquilo), outras tantas vezes falava mais alto, só mais alto, para que outros se abafassem atrás do vozeirão. Impressionante como sabia tudo de tudo, quase nada de tudo, com direito até a citações bibliográficas. Mais às tantas da noite, um blogueiro gaúcho juntou-se ao carioca sabichão e passaram os dois a discutir onde entrava o Sul nessa ciranda de cosmopolitismo.
Bem-formado, provavelmente por uma boa escola de Comunicação, experiente (o tanto que os trinta e poucos anos permitem), funcionário de um jornalão dos maiores do país, afirmativo e eloqüente. Bastante impressionante que ainda não se tenha tornado professor, que é o que muitos fazem quando dão o que tinham que dar no mercadão. Nome pra lá, nome pra cá, se dizia morador de Higienópolis, onde não via pobre, nas palavras higiênicas dele. Assinava colunas de política e dizia que o jornalismo de São Paulo não é subserviente a nada, como são outros mercados no país. Meu Deus, até eu que sou de nada, inexperiente e burrinha de tudo, de mãe e pai, sei que neste país não existe imprensa livre, dessas que falam o que deve ser falado. Quem disse isso a ele, meu Deus? Será que vai agüentar o baque?
Tanta gente boa que não pode escrever porque não tem diploma ajustado. Tem de médico, de analista de sistemas, de psicólogo, sabe escrever como poucos, mas está à deriva num blog pouco acessado. À deriva sim, nesta barca biruta que é a internet. O professor Sírio Possenti é que está certo, num texto cético sobre o hipertexto: nossa capacidade de seleção e processamento continua a mesma (cognitivamente), ainda que nos tenham presentado com tanto brinquedo veloz. E há quem pense que processa melhor do que os demais a pouca informação que tem. Jornalista arrogante deveria ser discrepância, mas tem hora que parece redundância. Uma lástima e um desgosto ouvir tanto despropósito naquela mesa de bar. E se eu ao menos tomasse cerveja, talvez a noite parecesse engraçada. Dureza foi ouvir tanta abobrinha completamente sóbria.
Bastante pertinente o seu artigo. Acredito que haja muita gente com esse perfil no Brasil, com uma certa necessidade de aparecer, de querer mostrar que sabe mais, que e' melhor do que os outros. Numa sociedade onde faltam oportunidades, muitos acabam incorporando o tipo "metido a besta" para poder se sobressair e "esmagar a concorrencia". O problema e' que nao conseguem largar disso. Alguem precisa avisar a esse tipo que ele nao esta' o tempo todo num processo seletivo, numa dinamica de grupo. Ou talvez ele tenha nascido assim mesmo e ai' a cura e' realmente bem dificil. De qualquer modo, do jeito que as coisas caminham para o Jornalismo tradicional, talvez o Doutor Sabichao do seu artigo esteja com os dias contados...
Concordo com você, Ana Elisa. Eu, como jornalista de formação, atesto que existem alguns profissionais da área que exageram na manifestação do próprio conhecimento. Além disso, um sujeito preocupado em dizer que a cidade em que vive é cosmopolita pode estar certo em sua avaliação e a cidade a qual se refere pode ter deveras tal qualidade, mas, com certeza, indivíduo que assim se pronuncia irá provar seu provincianismo. Um "homem do mundo" tem pouca inclinação a olhar para o próprio umbigo, uma vez que possui a característica intrínseca de todo o cosmopolita de ser pessoa voltada para fora, de ter sempre um olhar para o outro, pelo natural anseio de querer conhecer a si mesmo. Por cultivar o gosto de ser morador do planeta, aborrece-se em se sentir filho de um só lugar, de uma só cultura e de uma única expressão pessoal, porque encontrar a identidade não é ser reconhecido, mas reconhecer-se.
Ana Elisa, falar alto é próprio dos surdos ou dos que pretendem fazer-se notar, quando a auréola da mediocridade rebrilha sobre suas cabeças. Não foi diferente com esta "coisa", produzida pela teimosia de freqüentar uma faculdade, no caso, de jornalismo. Um requisito especial para o jornalismo, o talento, não se consegue na graduação, pós, mestrado ou doutorado... Nasce com o indivíduo. Ainda não inventaram um seletor para idenficar quem tem algum ou nenhum dom. Uma pena, pois somos ludibriados pelas máquinas de produzir profissionais disto e daquilo, sem qualquer pudor. Assim o "jornalista" carioca que, pelos menos teve a ventura de ir morar em Sampa, vai delirando em sua "febre intelectual", verberando sandices e "filando a bóia" em coquetéis e cerimônias. Fazer o que, né? Aprendi que: Razão se dá a trouxa. Quando e se encontrar outro desses, insista que ele está certo. E veja que irá embora rapidinho, sem mais incomodar a ninguém.
Olá, Ana Elisa! Pois é... O tipo sabe-tudo, mais do que saber alguma coisa, sabe como ninguém se tornar detestável... E sempre temos que agüentar um e outro desse tipo por aí. Haja paciência...
Sabe-tudo arrogante parece ser um mal de profissionais de comunicação em geral. Pelo menos, a sua descrição serviria direitinho para os publicitários. Sei lá, vai ver é o acesso à quantidade de informação, ou fato de produzir informação, que suba à cabeça dessas pessoas (eu, incluída, porque também faço parte do time). É por isso que, quando vou ensinar redação publicitária, por exemplo, é complicado convencer esses meninos que eles têm o que aprender, que exige algum esforço e que o curso não é só festa. Assim como você, tive experiências acadêmicas muito melhores com cursos que não da minha área. Em Administração, por exemplo, encontrei alunos mais sérios, mais focados e mais comprometidos com o que se dispuseram a estudar na faculdade.
Ana (com perdão pela intimidade), sou jornalista, leitor e metido a escritor. "Sem mais chorumelas", só queria perguntar: afinal, e seu livreto de poemas? (Aproveito para informar-lhe que se fosse tão burra assim como se descreveu, não teria escrito crônica tão boa.)
Ana, como sempre você escreve bem o que pensamos e sentimos. Tenho para mim que esse "sabe-tudo" não sabe nada. Meus professores mais sábios eram também os mais humildes. Uma variação disso: uma amiga me dizia que as pessoas que "precisam" mostrar que são ricas é porque não o são. Quem é rico de verdade, em geral prefere ser mais discreto e essa amiga citava os dizeres de sua avó: "cofrinho vazio, com poucas moedas é que faz barulho".
Oi, Ana. Tive uma professora [nos EUA, pra vc ver como esse tipo infeliz é internacional] que cunhou um termo pra descrever esse tipo de gente: "urban provincials", esse cara que acha que falar do calçamento de Ipanema ou da Oscar Freire é ser cosmopolita. Susan Sontag escreveu um texto muito legal sobre Machado de Assis que ela encerra com um comentário certeiro: o moderno, o universal e o cosmopolita são geralmente termos autoconglaturatórios, feitos para que um infeliz sinta-se superior com relação aos outros. Olha, contra a ignorância existe remédio, agora, contra a imbecilidade... Abs, Paulo