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Olimpíadas e China
Quinta-feira,
4/9/2008
O desempenho da China no desenvolvimento de costas
Vicente Escudero
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O etíope Abebe Bikila e seu genuíno pé-de-atleta.
Muitas águas passaram desde as Olimpíadas de 1960, em Roma, quando o corredor etíope Abebe Bikila venceu a maratona e conquistou a primeira medalha de ouro de um país africano na competição.
Descalço, o corredor etíope incorporou o espírito olímpico do jogo limpo e da superação, vencendo a prova e dizendo ao mundo que correra sem tênis para mostrar que seu país sempre competiu com determinação e heroísmo.
Quase cinqüenta anos depois a competição acontece na China, um país em crescimento, que ensaia uma hegemonia geopolítica, supostamente às portas da democracia e ainda engatinhando na interpretação dos esportes como valorização e celebração da superação dos limites físicos do ser humano.
Crescimento ou desenvolvimento? Independente da denominação, esta disputa não é justa e não está sendo encarada de frente. A linha de chegada está distante, apesar do crescimento econômico do país causar torpor suficiente para cegar parte da crítica, defensora irrestrita do modelo econômico chinês. Quem liga se a China impede, na ONU, o fim do massacre de Darfur, no Sudão, para enriquecer fornecendo armamento ao conflito?
A ideologia comunista gradualmente diminui. Seu perfil político, agora, é traçado de acordo com as demandas econômicas do mercado: teme-se mais a concorrência do que a figura de Mao.
Então, com todas estas peculiaridades, a China rema... rumo ao...?
Vale a pena falar do remo, esporte que pratiquei durante uns quatro anos. Comecei com o canoe, barco de madeira para iniciantes, depois passei para o skiff, barco profissional, levinho, que não deve pesar mais de quinze quilos. E ele voa, se voa! Depois de muito tempo de treinamento, com o sincronismo afiado dos remos, a sensação da remada se transforma num suave deslize sobre a água, uma viagem de um quilômetro, solitária, de costas, rumo à chegada.
E é assim que a China cresce: de costas. Se o skiff segue leve, num ritmo cadenciado, firme e seguro, rumo ao pódio, a China atropela tudo, como um barco viking desgovernado, comandado pelo timoneiro gigante Yao Ming ― de tranças? ―, no rio Huang He em direção ao Tibete, passando por cima dos direitos humanos, do crescimento sustentável e do espírito olímpico.
Toda olimpíada é sedutora e, diante de um estádio como o Ninho de Pássaro ou de um ginásio como o Cubo D'Água, todos se esquecem que os operários destas construções foram gentilmente expulsos de Pequim após o término das obras. Segundo fontes não-oficiais, naturalmente.
A China atual é algo novo na geopolítica. Qualquer previsão sobre o resultado da mistura entre a submissão da doutrina de Confúcio com a escola keynesiana, corrupção crescente, governo comunista e partido único, tem a seriedade de uma consulta ao I Ching.
Diante destas singularidades, fica a pergunta: qual democracia força a participação de um corredor contundido?
Ah, quase ia me esquecendo! Também pratiquei vôlei e natação, o que que não aumenta, em nada, as chances de eu levantar a bola da China.
Esporte e intelecto: mens sana in corpore sano?
Confesso. Pratico esportes desde sempre. Comecei com a natação, depois o vôlei e, por último, o remo. Noves fora as esporádicas partidas de basquete. Sempre estive próximo a atletas: jogadores de vôlei, um goleiro de futebol, um jogador de basquete, todos profissionais. Joguei até no time de futebol da minha rua. Tínhamos uniforme e tudo. Aos sábados e domingos "tirávamos um contra". Entupíamos um carro com o time todo ou bagunçávamos dentro do ônibus até o local do derby.
Quase participei das famosas peneiras de vôlei. Ainda moleque, percebi que minha cabeça estava mais no mundo da lua do que os meus pés no chão da quadra e acabei deixando de lado a idéia de me profissionalizar no esporte. Mas só por isso?
Não. Em primeiro lugar, porque não gostava da rotina do esporte profissional, em segundo e em menor grau, porque esporte profissional, no Brasil, deve ser praticado fora do Brasil. Patrocínio sério, estrutura adequada, salários em dia e respeito só existem por aqui, e um pouco, no futebol. O oportunismo das outras esferas repete-se no trato dos esportes.
Admito. O primeiro destes conflitos pesou. Nunca tratei o esporte como uma excludente de qualquer atividade intelectual, menos ainda como tábua de salvação para qualquer problema. Entre uma rotina extenuante, de abnegação, e um futuro universitário, optei pela segunda opção. Impossível praticar, profissionalmente, as duas modalidades.
Nem por isso abri mão do esporte. Continuo nadando, correndo e acreditando que, tanto nas ciências, como no esporte, todo desafio é íntimo, toda superação é individual.
Lições da olimpíada de Pequim.
Os americanos, que são chegados em descer a porrada, não sabem passar o bastão.
Mas, e a China? Bem... a China conseguiu treinar o primeiro corredor de 110 metros rasos com barreiras, sincronizado. Com o governo, claro.
A tal professora primária ― literalmente ― do Michael Phelps, estava certa. Além de só ganhar peso nas olimpíadas, ele, até hoje, nada.
Por último, o mais importante:
Vicente Escudero
São Paulo,
4/9/2008
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