Permitam-me um pouco de biografismo: 2008 me tem sido um bom ano literário. Finalmente consegui uma editora que editará meus livros e investirá no meu trabalho, consegui criar um formato de palestra que deu certo e com ela já fui do Rio de Janeiro à Ijuí, cidade a 450 km de Porto Alegre. E foi justamente o tema proposto por essa cidade que provocou este artigo: literatura é coisa para jovem?
A questão parece retórica, mas quem circula por escolas sabe que o interesse pela leitura decresce ao longo dos anos escolares, apesar do esforço das instituições para que os alunos se interessem por literatura: quando se pergunta numa turma de Eduação Infantil quem gosta de ler, todos levantam a mão rapidamente; no Ensino Fundamental, metade levanta a mão com certa timidez; no Ensino Médio, é raro alguém se manifestar. Partindo do pressuposto de que a literatura é, como qualquer arte, "coisa" para qualquer idade, qualquer classe social e qualquer lugar, porque é algo que nos ajuda a compreender o mundo e a nós mesmos, somos obrigados a nos perguntar os motivos desse desinteresse. E nesse ponto algumas perguntas se impõem:
1. A literatura é valorizada na mídia, na publicidade? Em outras palavras: quantas vezes num filme juvenil aparece um personagem leitor? Qual o espaço que a literatura ocupa nas publicações para jovens, desde a revista Recreio até a Capricho? Quando um personagem de Malhação manifestou interesse por literatura, pela escrita? Este parece o ponto central para compreendermos por que a sociedade como um todo não percebe valor na leitura, e isso responde um pouco também a questão 2.
2. A literatura é presente em casa? E na escola? A criança vê o pai ou o professor com um livro debaixo do braço? Não sejamos ingênuos: o problema da leitura pode começar na escola, mas prossegue ou se intensifica ao longo da vida. E hoje são poucos os leitores de fato: aqueles que, por puro prazer, entram numa livraria e compram livros. Isso não ocorre apenas com os pais, que têm lá suas ocupações e compromissos, mas também com os professores, soterrados por cargas horárias elevadíssimas e salários que não permitem a compra de, digamos, um bom livro por mês. Assim, a criança e o adolescente não têm o exemplo, a referência, e ainda que isso não signifique necessariamente um afastamento da leitura, pode desmotivar aqueles jovens propensos a ler. Jovens, aliás, logo estigmatizados como nerds ou algo do gênero.
3. Também não será verdade que há uma parcela de leitores entre nossos alunos? Como esboçado acima, não podemos negar que há algumas crianças e adolescentes propensos a ler, mais interessados na literatura, nas artes. É natural, aliás, que numa turma de 40 alunos uns 10 identifiquem-se mais com a matemática, outros com as ciências, outros com as humanas, incluída aí a literatura. É uma ilusão o professor pensar que toda sua classe irá reagir bem à Hora do Conto ou a um trabalho de literatura. Talvez seja o caso de valorizar aqueles que lêem a fim de que os demais percebam valor nisso. E aí vem a questão seguinte.
Que tipo de livros esses alunos procuram? E que tipo de livros nós gostaríamos que eles procurassem e por quê? Já foi dito que necessariamente haverá, numa classe de 40 alunos, uns 20% que gostam de ler, têm prazer em pegar um bom livro ou uma boa revista. O problema é quando o que eles consideram bom não é do gosto do professor, seja por um motivo ou outro. Exemplos temos vários, desde o menino fissurado por história em quadrinhos, que conhece todos os heróis e lê os gibis do pai para conhecer a história do gênero, até a menina ingênua encantada com Pollyanna ou agora fã de Meg Cabot. Passando, é claro, por alguns que descobrem que a literatura não precisa ser politicamente correta e procuram nela sexo ou violência, para pavor do professor, ainda que talvez seja este seu gênero preferido.
É nesse sentido que entra também o já batido debate sobre a leitura dos clássicos em sala de aula. Se percebemos uma perda de interesse pela leitura ao longo dos anos, não podemos negar que ela está relacionada à obrigatoriedade: quanto mais avançam na escola, mais os alunos são obrigados a determinadas leituras e, por não estarem de acordo com seus gostos e hábitos pessoais, rejeitam-nas. Mas, como sabemos, eles são obrigados a ler tais títulos, e isso os leva a rejeitar a leitura como um todo, não preservando sequer aquele eventual gosto por gibis ou contos de fadas ou histórias policiais.
Também é verdade que a escola e o professor não podem se omitir diante da indústria cultural. São eles, e talvez só eles, que um dia falarão sobre Homero, Machado de Assis, Luís de Camões, Gustave Flaubert, Edgar Allan Poe, ou mesmo Pablo Picasso, Wolfgang Mozart, Aleijadinho. É a escola a responsável por apresentar ao adolescente toda uma história cultural que forjou nossa civilização, mesmo que depois o aluno renegue esse aprendizado e torne-se um Homer Simpson diante da tevê.
Difícil dilema, que, para mim, só se resolve com equilíbrio e adequação. Mas não vou me furtar de uma idéia de solução, ou de intermediação: um olhar mais atento para a literatura contemporânea.
Porque entre o clássico Flaubert e a popular Meg Cabot temos o contemporâneo, o Milton Hatoum, o Chico Buarque, a Jane Tutikian, a Ana Maria Machado, o Luis Fernando Verissimo, o Renato Russo, o Vinicius de Moraes. Antes de ensinarmos a história da literatura, apresentarmos os clássicos, é preciso mostrar por que a literatura nos ajuda a compreender o mundo e a nós mesmos, tornando-se um prazer solitário e permanente. Isso não será feito com um texto de cem anos atrás que representa outra época, outro mundo, e sim com algo próximo a eles e escolhido pelo professor.
Sim, porque, como mencionei acima, o professor e a escola não podem se omitir. Eles precisam saber indicar à turma ou ao aluno o tipo de livro mais adequado ao seu perfil, ao seu nível de aprendizado e interesse. Há hoje uma enorme oferta de títulos, muitos especialmente feitos para crianças e/ou adolescentes, de qualidades e intenções variadas, de preços e procedências variadas. Tendo o professor como filtro dessa produção, o aluno poderá manter o prazer pela leitura, mas tornar-se-á mais exigente e, consequentemente, um leitor melhor.
Daniel Pennac, em "Os direitos imprescindíveis do leitor", defende, entre outros, o direito de ler qualquer coisa, e conclui dizendo que "uma das grandes alegrias do educador é ― toda leitura sendo autorizada ― a de ver um aluno bater sozinho à porta da fábrica Best-seller para subir e respirar na casa do amigo Balzac".
Aí, sim, aí está criado o ambiente propício para o professor passar aos clássicos, porque este deve ser, sempre, o objetivo final de uma disciplina de literatura (não o inicial, note-se bem). Ítalo Calvino tem um texto formidável sobre o tema, "Por que ler os clássicos?". Para ele, "os clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os 'seus' clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola."
Não é tarefa fácil, sem dúvidas. Mas depois de refletir sobre tudo isso me parece cada vez mais claro que o desafio é fazer da literatura não só coisa para jovens, mas coisa para pais e professores também. O que só se faz exatamente com bons professores ou quixotescos entusiastas, e você pode ter certeza de que é um deles se chegou ao final deste artigo.
Seu texto mereceria um comentário extenso e detalhado, mas devido à pressa vou tocar num ponto só: você mencionou Renato Russo. Trabalhei oficinas de leitura (atuo em biblioteca escolar) e uma das mais prazerosas - para mim e para meus leitores entre 11/13 anos - foi aquela em que levei fitas aúdio do Legião Urbana, dando a eles cópias das letras que iam acompanhando enquanto ouvíamos as canções... Depois, discutíamos cada letra justo por terem uma 'realidade', uma 'proximidade' inegável para eles - isso sem cair no óbvio e na ausência de poesia, tão visíveis em boa parte da dita 'literatura para jovens'. A leitura obrigatória nas escolas pode ser defendida e acusada, justo pelas razões que você aponta aqui. É necessária - mas o COMO fazer é importante, é central.
Caros leitores, do meu ponto de vista, há imposições e restrições quanto à leitura por parte dos pais, das instituições escolares e da mídia. No século XXI, em qual vestibular um texto de Franz Kafka é leitura obrigatória? Por outro lado, há clássicos que não foram escritos para crianças e, no entanto, as crianças se apropriaram dos referidos, como, por exemplo, "As viagens de Gulliver", de Jonathan Swift; "Moby Dick", de Hermam Melville; as obras de Charles Dickens e tantos outros. Tais escritos visavam o público adulto, jamais o infantil! Concordo com Daniel Penac, e com ele proclamo por "todos os direitos imprescindíveis do leitor", desde a infância!
Estou promovendo uma mesa redonda com crianças de dez a quatorze anos para debaterem sobre importância da leitura. Essas crianças participam do Bando da Leitura há mais de um ano. Fiquei impressionada com o nível da conversa. Nesta mesa redonda que se chama "Só para menores", os adultos só se pronunciam por meio de bilhetes que são enviados à mediadora e encaminhados aos debatedores da mesa. Em breve publicarei no blog um vídeo sobre o evento!
O bom seria que fôssemos um país de leitores. É claro, que não alcançaríamos a totalidade. Mas, que tal 70% da população? Isso! Certamente nos daria "visões" desse tipo: um ônibus com metade da lotação, lendo; um trem, um navio ou um avião repletos de pessoas com um livros nas mãos; nos bares e restaurantes, as mesas cheias de gente se deliciando com uma boa história; nos escritórios ou em consultórios, bancos e cadeiras com clientes esperando, enquanto lêem; enfim. Mas, enquanto não atingimos "metas" como essas, não percamos a esperança, sem desconsiderar também aqueles, que, por razões diversas, preferem a "hora da química, da física ou da biologia" à "hora do conto", sem, contudo, rejeitarem por completo a literatura. Apenas, dedicam menos tempo (e dinheiro, é claro) a ela.
Meus parabéns pela edição de seu livro! Copiei o texto para reler com calma: ele suscita muitos comentários pra seus leitores inquietos... rs. Sim, o amor pela leitura dos pais e professores e aliados é contagiante. Sou aprendiz, autodidata e mãe de filha única e leitora... Beijo ;-)
Acho que leitura é coisa para todas as idades. Desde o começo da minha vida fui incentivado a ler. Lembro de uma coleção que tinha do Monteiro Lobato. Depois, na escola, vivia freqüentando a biblioteca, e fora da escola também. Adorava a matéria literatura, onde tínhamos que ler livros: Clarice Lispector, Drummond, José de Alencar, George Orwell... Depois, uma cirurgia muito delicada de coluna que me deixou acamado por mais de 20 dias e fora o colete de gesso que fui obrigado a usar por 1 ano, me limitando a toda e qualquer atividade física, me aproximou ainda mais dos livros. Na minha casa, de três filhos eu fui o único que ama ler, as outras duas não passam nem perto. Hoje continuo com esse meu hábito de leitura, comecei a escrever uma coluna de crônica política em alguns sites, já tive ela publicada em um jornal da Bahia... Tudo ainda sem remuneração, mas não desisti. Hoje sou um comprador voraz de livros.
Tenho uma comunidade no Orkut chamada "Viciados em Livros", e tenho visto cada vez mais pessoas envolvidas com a leitura. Vejo jovens lendo, sim. Sempre gosto de encontrar alguém, ou no ônibus, metro, lendo. E os pais deveriam ajudar a incentivar esse hábito, mesmo hoje tendo concorrentes como jogos de computadores, videogames de ultima geração. Vale incentivar.
Marcelo, parabéns por sua conquista. Neste mundo de ilhas de vendas cheias de traduções e auto-ajuda, é uma vitória conseguir um lugar na estante. Concordo plenamente com sua opinião. De nada adianta apenas encomendar pesquisas sobre percentuais de leitores. Somos os responsáveis por fazer esses jovens perderem o brilho diante de um livro. Critica-se demais, cerceia-se demais, ganha-se leitores de menos. Há tantos autores contemporâneos que envolvem os leitores, nas mais variadas faixas etárias. Autores nacionais ou não. Por que não divulgamos essa literatura? Porque muitas vezes só os clássicos são valorizados. Esses que são imprescindíveis conhecermos, porém que não são de leitura exclusiva nem prioritária.