Blog? Twitter? Ah, mas isso é coisa lá dos candidatos nos "Estêitis"... Não é mais. Coqueluche do momento, o candidato ianque Barack Obama deflagrou um novo jeito de se vender politicamente. Mesmo que ele seja apenas "menos pior" do que John McCain, a imprensa internacional já o colocou como uma nova esperança para o mundo. De qualquer forma, o candidato democrata rompeu uma tradição secular e não se acomodou em apenas receber astros de Hollywood para apóiá-lo. Soube usar, inteligentemente, todo o aparato tecnológico para tornar sua candidatura palatável às novas gerações, via YouTube, Twitter, MySpace e Facebook.
Na crista da onda do "quero ser Barack Obama", nossos ilibados homens públicos demoraram, mas finalmente perceberam que o eleitorado jovem está na internet e não se acomoda em ser apenas receptor ― quer também ser emissor. Mesmo que os duelos políticos ainda sejam um tanto ingênuos e soem mais como gritos de torcida organizada, uma boa parcela desse novo eleitorado está aqui. Com isso, parecia que as portas para século XXI se abririam para um novo mundo na política tupiniquim. Novas idéias poderiam arejar o cenário político. Mas, mais uma vez, perdemos a chance. Pena. A política nacional mal começou a migrar para a Web e nela já começa a acumular todos seus dejetos. Logo à primeira olhada em blogs e sites oficiais das campanhas (com notícias e vídeos dos candidatos), voltamos rapidamente aos tempos remotos. Nossos candidatos, sempre impolutos, preferiram usar as novas ferramentas para saciar velhos vícios, atacando adversários e repetindo as mesmas bravatas vazias e lugares-comuns de campanhas passadas. E este cenário se reproduz pelo Brasil todo. Quando faltam propostas, fica difícil não apelar.
Aqui em São Paulo, Geraldo Alckmin é o retrato dessa nova mazela. Dois anos após a derrota nas eleições presidenciais, ele volta a rachar seu partido, mas, dessa vez, traz consigo uma nova e curiosa faceta que tem caracterizado os políticos da oposição: o neolulismo. Se há dois anos eles bradavam pela ética na política e criticavam duramente o presidente, agora ― que sua popularidade está nas alturas ― ninguém ousa confrontá-lo. Alckmin que o diga: "Com Lula, tudo bem; o problema é o PT". Mas nenhum caso é mais emblemático do que o do deputado ACM Neto. Candidato em Salvador, seus adversários se deliciam com um vídeo de 2005 (auge do mensalão) onde ele prometia "dar uma surra" no presidente. Hoje ele vai à justiça tentar retirar o vídeo do ar e se desmancha em elogios a Lula. Se havia alguma dúvida quanto à mediocridade da oposição, a pergunta que se faz agora é se existe mesmo alguma oposição.
Voltando a São Paulo, Gilberto Kassab, atual prefeito, sofre daquela patologia bastante comum a todos os candidatos que concorrem à reeleição. Achando que está tudo uma maravilha, não consegue ir além do "São Paulo no rumo certo" e do "ainda temos muito a fazer" e pede mais quatro anos. Para isso, se valeu de uma estranha aliança com Orestes Quércia. Já Marta Suplicy ressurge numa versão botocada de si mesma, fazendo mea-culpa pelos erros do passado e prometendo internet grátis para todos. Mesmo que os candidatos tentem impor números inflados e dados enviesados, o eleitor já percebeu que o debate hoje é muito mais técnico (e menos ideológico) do que no passado ― e talvez por isso as propostas se assemelhem tanto. Em pauta, como o dinheiro público será usado. Metrô, ônibus, escolas, creches... Você decide.
Paulo Maluf surgiu apenas como um bônus para o eleitor. Sua presença em eleições seria esdrúxula em qualquer parte do mundo, mas aqui virou folclore. "Dotô Paulo" representa a senilidade da política de trinta, quarenta anos atrás e já não tem nada mais a oferecer, além de sua própria caricatura. Pelo menos o eleitorado paulista ainda tem do que rir, já que não aguenta mais chorar com tanta desgraça.
A única que destoa dos clichês de campanha é a candidata-blogueira Soninha Francine. Ex-VJ da MTV e comentarista esportiva da ESPN, é a candidata "exótica" desta eleição (dos nanicos nem vale a pena falar porque chega a dar dó). Com poucos recursos e sem nenhuma chance, ela aproveita para subverter as regras do marketing político, rejeitar o media training e defender propostas impopulares, como o pedágio urbano. Mas também sucumbe a utopias, como transformar as ruas de São Paulo em ciclovias. Por enquanto, Soninha, como candidata, ainda permanece uma ótima blogueira. Mas, se lhe faltam propostas concretas, pelo menos ela foi a única candidata que tocou na ferida do fisiologismo político que se incrustou nos parlamentos espalhados pelo Brasil ― e quase apanhou dentro da Câmara dos Vereadores por isso. Quando alguém menciona a existência dos tais "feudos" na política, os ânimos se exaltam... Sabe como é, atrapalha a "governabilidade". Em seu blog, ela traz relatos escabrosos dos bastidores da Câmara, mas que lá parecem ser "normais".
Mesmo com todas as excentricidades, Soninha sinaliza para onde pode ir a política no futuro, já que o eleitorado jovem a acolheu. As velhas raposas ainda não perceberam que se tornou insustentável essa política de tráfico de influência e troca de favores que transformou o Brasil nessa república de coronéis e compadres. Soninha, brejeiramente, se colocou na linha de combate e promete seguir em frente. Mesmo assim, é bom continuar alerta. Sua ligação com José Serra, por exemplo, é bastante questionável e soa como um paradoxo. E se ela não largou a vida pública, mesmo depois de tudo o que presenciou na Câmara, não significa que num futuro ela também não possa lançar mão de artifícios parecidos para alcançar lugares mais altos. Continuamos de olho ― curiosos, mas desconfiados.
De volta à idade da pedra, chegamos aos dinossauros na blogosfera. Minha primeira impressão era de que muitos políticos mal sabiam ligar um computador. Mas, para preencher esse vazio virtual (e real), sempre existem assessores. Só que alguns caciques inverteram a lógica e resolveram ter umas aulinhas de informática (com seus netos?). E, surpreendentemente, se mostraram alunos aplicados. Escrevendo newsletters e postando em blogs, eles tentam atrair leitores e eleitores, mas só conseguem mesmo é causar repulsa.
Um desses velhos neoblogueiros que escreve suas próprias postagens é o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia. Fica tanto tempo blogando que esquece que tem uma cidade cheia de problemas para governar. Disparar contra o PT, Lula e as Farc é fácil. Difícil é explicar porque o Rio teve este ano sua maior epidemia de dengue desde 2002... Figura estranha, esse César Maia. Foi ele quem cunhou o termo "ex-blog", para definir seu infame newsletter. Agora dá contornos para uma nova definição de sua persona: pato-manco carioca (qualé-qualé-qualé). De prefeito blogueiro, ele será um ex-prefeito, que escreve um ex-blog para ex-leitores. Mas, claro, sem nunca perder o seu charme reacionário. Demora, mas o tempo consegue corrigir as anomalias para colocá-las no seu devido lugar. Já vai tarde.
Já no blog do Dirceu ― que sempre traz as últimas da nova esquerda geriátrica ― também fica a impressão de que é ele mesmo quem escreve as postagens, mas confesso que fiquei na dúvida. Depois de ser atropelado pelo escândalo do mensalão, José Dirceu agora trabalha como "consultor" e se mostra um prodigioso adepto do capitalismo selvagem. Com uma agenda dessas, não sei onde ele encontra tempo para tantas postagens diárias. Se não é ele quem posta, só pode ser algum militante do MST ou um desses mordomos dos poderosos ― os "intelequituais". Você sabe, para sair à caça de direitistas, "neocons" e "reaças" de plantão, ter treinamento de guerrilha em Cuba sempre ajuda...
Essa estranha dicotomia ― com José Dirceu à esquerda e César Maia à direita ― retrata bem a aridez da nossa blogosfera política. E o pior é que não se restringem apenas aos políticos. Muitos articulistas arregaçam as mangas para trabalhar como assessores de imprensa dos poderosos. No fim, esse lixo virtual atinge muitos leitores, e essas sequelas mostram a falta de percepção do brasileiro para distinguir o que é fato e o que é ideologia. É a epítome do anacronismo que se tornou esse embate entre "esquerda" e "direita" por aqui. Fica claro que, quem concorda com tudo o que se lê nesses blogs, não compreende o mundo em que vivemos hoje. Millôr já dizia que, quando uma ideologia fica bem velhinha, vem morar no Brasil. Aí está a prova.
No fim, os políticos e seus aspones podem blogar à vontade, mas nunca passarão de ideólogos-spammers. Por enquanto, as melhores leituras sobre política na internet permanecem nos sites e blogs de humor (onde as verdades doem, mas a gente faz com jeitinho). E como eu não tenho nenhum compromisso com o protocolo, meu cinismo e minha cara-de-pau me deixam à vontade para fazer um jabá.
Caro amigo Diogo, seu texto, além de muito bom, tem por mérito levantar esta lebre: como a política brasileira anda aproveitando a internet e seus instrumentos? Como deu para perceber: muito mal, salvo raras exceções. E o pior é que isso não é surpresa. Se nos EUA as eleições também são calcadas na imagem e no marketing, ao menos há espaço para questionamentos. Por aqui, nem isso. Só não concordo com o que você mencionou sobre "algum militante do MST" ao referir-se ao blog do Dirceu. Soou preconceituoso. Abraços e parabéns!