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COLUNAS

Quarta-feira, 5/11/2008
Um noir cubano
Luiz Rebinski Junior
+ de 3800 Acessos

Depois de cinco livros publicados no Brasil, o escritor Pedro Juan Gutiérrez se distancia da literatura autobiográfica que, desde sua estréia por aqui, lhe valeu insistentes comparações com os escritores norte-americanos Henry Miller e Charles Bukowski. É o que fica claro em Nosso GG em Havana (Alfaguara, 2008, 128 págs.), livro em que o relato em primeira pessoa dá lugar a uma história de espionagem que remete, conforme sugere o título, à literatura do britânico Graham Greene, em especial a Nosso Homem em Havana, um dos clássicos de sua bibliografia.

Porém, apesar de se arriscar em um gênero até então inédito em sua trajetória, o escritor cubano não se desvencilha da fórmula literária que o tornou famoso, baseada numa escrita ligeira, que privilegia frases curtas, e que fala, essencialmente, de sexo e do difícil cotidiano dos habitantes de Cuba. E, por incrível que pareça, é exatamente aí que o escritor perde a mão. Ao optar por um gênero em que a engenhosidade narrativa é fundamental, Pedro Juan não consegue se descolar do tom jornalístico, com toques de crônica social, de livros como Trilogia suja de Havana e O Rei de Havana, seus melhores trabalhos.

No seu texto policial, Pedro Juan situa a história nos anos 1950, pré-Revolução Cubana. Apesar desse contexto histórico, o escritor naufraga na tentativa de recriar a atmosfera de uma Cuba que, infestada de cassinos e endinheirados, certamente se diferenciava da ilha de hoje. Misturando fatos reais da vida de Graham Greene ― que trabalhou para o serviço secreto inglês e foi jornalista ― a passagens de Nosso Homem em Havana ― alguns personagens são os mesmos ―, o escritor começa bem seu romance ao apresentar uma história que surpreende de início, mas que depois perde o fôlego.

Tudo se desenrola quando um homem chamado George Greene se faz passar, a princípio sem intenção, pelo escritor Graham Greene em um hotel de Havana. Ao se envolver em um assassinato, o farsante é preso, o que obriga o verdadeiro Greene a deixar sua casa na ilha de Capri, com o manuscrito de O americano tranqüilo debaixo do braço, e voar para Cuba. Ao tentar resolver o mal-entendido, GG é envolvido em uma trama internacional, que tem como personagens agentes do FBI, espiãs da KGB, gângsteres cubanos, caçadores de nazistas, prostitutas e travestis. Praticamente a mesma fauna contida na trama de Nosso Homem em Havana. O personagem Graham Greene é então assediado por esses diferentes grupos, todos interessados na visibilidade que suas causas podem alcançar por meio dos livros do escritor. Tal interesse colocará Greene em situações bastante delicadas. São as melhores passagens do livro, em que o autor consegue instigar o suspense, afastando-se do relato testemunhal e jornalístico de suas narrativas curtas.

"Nós temos a lista completa dos nazistas que moram em Havana e em toda a América. Bem, serei humilde: a lista quase completa. E começamos a executá-los. A senhora é a segunda. E não há apelação. Olho por olho, dente por dente. A mulher fechou os olhos com força porque o homem de guaiabeira levantou rapidamente a pistola, colocou-a a dez centímetros de sua têmpora e disparou. A cabeça estremeceu e se abateu. O golpe surdo do tiro. Uma pequena mancha de sangue cobriu o pescoço da mulher, escorreu e manchou seu roupão de renda. A bala não saiu do outro lado da cabeça. Ficou incrustrada no cérebro. GG ficou em silêncio", diz um dos trechos em que Graham é obrigado a presenciar um assassinato dos caçadores de nazistas.

O final em aberto, no entanto, esfria a trama, quando deveria ter efeito contrário. Se nos seus contos o final da história é apenas detalhe, neste caso não deveria ser. O fecho com GG simplesmente voltando para casa após escapar de mais uma situação perigosa evidencia a falta de fôlego do autor para um final mais condizente com uma novela noir. Se o livro começou com uma boa idéia, terminou com uma melancólica falta de criatividade, em que o autor não soube dar cabo ao argumento interessante que criou.

Visivelmente desconfortável com a nova empreitada, Pedro Juan Gutiérrez não conseguiu reproduzir em Nosso GG em Havana o mesmo tom seco, ferino e impiedoso de seus contos. O melhor de sua literatura reside na crônica crua do cotidiano de um lugar ao mesmo tempo fascinante e cruel. A forma sucinta e certeira de seus relatos, em que a simples aquisição de um sabonete em Cuba ganha contornos épicos, deu corpo a uma literatura vibrante, calcada no jornalismo, mas também inspirada na prosa de Hemingway. E foi assim que, mesmo fazendo questão de se mostrar apolítico com relação ao que se vive em Cuba, Pedro Juan Gutiérrez se tornou um cronista independente, que mostra as privações, tristezas e alegrias do povo cubano sem levantar bandeiras. É como se a literatura lhe fornecesse a isenção que o jornalismo sempre procura, mas quase nunca encontra, para falar, indiretamente, de um assunto que desperta amor e ódio. Seu objetivo é narrar e, o do leitor, interpretar da maneira que quiser. Assim, sutilmente, entre uma transa e outra, nas entrelinhas, o escritor passa o recado. A atmosfera cubana, com seus casarões em ruínas e mulatas esculturais, ganha forma, cores e cheiros na prosa cinematográfica do autor. É aí que o escritor revela o que tem de melhor. Em Nosso GG em Havana essa força literária se perde na tentativa frustrada de criar uma trama à altura dos melhores trabalhos de Graham Greene, um dos mestres do suspense policial.

O texto de orelha de Nosso GG em Havana diz que o livro representa uma nova fase na carreira do escritor. Prefiro acreditar que a novela é apenas um livro de transição, em que Pedro Juan Gutiérrez ganha fôlego para ser novamente o rei de Havana.

Para ir além






Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 5/11/2008

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