Há algum tempo ando às voltas com um novo tema, a literatura digital. Ou eletrônica. Ou on-line. Porque não podemos negar que a internet é o símbolo das novas tecnologias de comunicação, que já transformaram a música, o cinema, a televisão e, de certo, transformarão também a literatura.
Nessa linha, muitos já discutem o fim do livro como suporte, discussão que acho acessória (particularmente acho que os livros terão vida muito mais longa do que esses e-books baseados na versão em PDF dos livros, pois tais versões são como filmar uma peça de teatro e dizer que isso é cinema! Nada disso, o teatro sobreviveu ao cinema exatamente porque o cinema é outra coisa, com outras possibilidades e desafios). O que me intriga, então, é pensar de que forma a literatura será veiculada na internet, de que forma a literatura irá explorar as ferramentas das novas tecnologias para criar obras instigantes, originais, multimídias, interativas e, ainda assim, obras literárias, e não games ou clipes.
Vale lembrar que embora hoje literatura seja sinônimo de livro, nem sempre foi o livro o suporte da literatura. Ou alguém acha que as tragédias gregas não são literárias porque, em vez de impressas, eram encenadas? Ou que os contos de fadas não são literários porque, ao invés de escritos, eram transmitidos oralmente? Claro que não. O livro é apenas um meio de se transmitir literatura, assim como o LP, o K7, o CD ou o MP3 são meios/mídias diferentes para a mesma arte: música.
Ocorre que, na literatura, essas mudanças na forma costumam ser acompanhadas de profundas mudanças estéticas. O romance, por exemplo, é um gênero relativamente recente, associado à modernidade (Dom Quixote é de 1605), e seu apogeu em relação a outras formas, como a epopéia ou as tragédias, tem muito a ver com a invenção da imprensa e a facilidade de impressão de livros. Assim como Edgar Allan Poe, espécie de inventor do conto moderno, associa a short story à popularização das revistas e jornais.
Claro que isso demora anos, décadas, gerações. É preciso que as gerações nascidas sob a égide da nova tecnologia cresçam, produzam suas próprias ficções nesse suporte e com suas particularidades, depois cheguem nas academias, na mídia e passem a valorizar este tipo de produção. Mas é tarefa das cabeças pensantes do nosso tempo perceber a pertinência dessa reflexão, a potencialidade criativa que as novas tecnologias oferecem e incentivar essa criação. Foi com esse intuito, aliás, que promovi aqui no RS o I Prêmio Gaúcho de Arte Eletrônica. Foram três categorias, Artes Visuais, Cartum e Literatura, e acho que os trabalhos mais interessantes acabaram mesmo sendo na área de literatura.
CiberPoesia, da ilustradora Ana Gruszynski e do escritor Sérgio Capparelli, no concurso ficou com o Prêmio Especial por ser um projeto absolutamente a frente de seu tempo. Utilizando o Flash, o site traz diversos poemas visuais e ciberpoemas interativos que demonstram a riqueza de possibilidades da nova ferramenta: o leitor não apenas lê, ele também cria através da interação, vê os movimentos das ilustrações integrados ao poema e ao final observa o resultado da criação. Um projeto como esse só poderia surgir de um escritor acostumado com a literatura infantil, um gênero que há tempos não se restringe ao texto, e, por esse motivo, deixou de ser um trabalho único, autoral, para se tornar um trabalho de equipe (raros são os escritores que também são ilustradores, e poucos são os ilustradores que acumulam a função de designer gráfico dos livros).
Outro trabalho que chamou minha atenção foi a novela Desfocado, de Mauro Paz. Mauro contou que havia escrito essa novela e, na hora de publicar, decidiu aproveitar seu conhecimento em Flash para criar uma novela multimídia e interativa. Dessa forma, o leitor encontra um menu com hiperlinks para cada capítulo e, à medida que for avançando na leitura da história, irá se deparar com cartas manuscritas, chocolates que vão perdendo seus pedaços à medida que a leitura avança e assim por diante. Para quem tem uma conexão razoavelmente rápida, é divertimento na certa. Com boa literatura por trás.
Mauro concorria na categoria Literatura, onde os dois mais votados ― a votação foi feita por artistas cadastrados no portal que organizou o Prêmio ― foram o blog de Rubem Penz, Rufar dos Tambores, e o e-book de Ana Mello, Finais Felizes, que levou o troféu. Olhando de fora, poderia dizer que o trabalho de Ana Mello é uma espécie de exemplo da transição entre a cultura livresca e a cultura digital. Apesar de o texto ser publicado em formato de livro (PDF), a paginação é feita com o efeito flip, há todo um cuidado de acabamento (capa, diagramação) e o gênero escolhido é um gênero perfeito para a internet: o miniconto. Já o blog de Rubem representa todos os blogs literários inscritos para o prêmio, e foram diversos, o que também evidencia que há muito a literatura tem buscado seu espaço no mundo digital e os blogs, por se tratarem de ferramentas fáceis de usar e gratuitas, se tornaram a porta de entrada preferida.
Claro que a abrangência do concurso é pequena para o universo da internet, nosso Estado é apenas um entre os vinte e poucos do país e nosso país é um entre as centenas do mundo, mas com ele parece que consegui mostrar aos mais céticos que é possível, sim, fazer boa literatura para a internet. E, mais ainda, que é possível ser original e criativo no uso das ferramentas dessas novas tecnologias para a produção de literatura.
Evidentemente, voltarei ao tema em outras tantas colunas, provocando leitores e, acima de tudo, escritores a pensar diferente. Por enquanto, convido vocês a me enviarem links de outras obras literárias publicadas na internet para, aos poucos, criarmos uma biblioteca paralela somente com bons exemplos de literatura on-line. Somente assim, acabem as árvores, os papéis ou os livros, a literatura permanecerá mais viva do que nunca.
Marcelo, bom dia! Se tu me pedes um link... Eis aqui um.
Se é só pretensão ou qualidade,
Literatura acha e deseja ser.
Se o é mesmo, ora, ora...
Ainda vamos saber!
E ao cronista de plantão, meus abraços. J.P.
Caro Marcelo, O RS tem mostrado a pujança na cultura desde há muito tempo. Seu texto e o concurso mostram esta vanguarda na busca do entendimento na aceitação da tecnologia. Sem dúvida, eu como artista plástico e escritor MARGINAL, tenho feito uso do Computador tanto na Pintura Acadêmica - Levada ao Museu do Louvre no ano passado e premiada pela Academia Francesa, como na literatura em diversos livros impressos e também digitalizados, os conhecidos e-books. De início, especialmente a poesia, mas há muito tenho livros digitais. A tecnologia sempre tem afastado e confundido os que dela não se utilizam, até ficarem pasmos com o sucesso! Nem a pintura tradicional ou o livro impresso jamais perecerão, como também não mais perecerão os artistas e escritores dependentes dos 'ditadores culturais'. Muito bom que editoras e galerias saibam disto e aliem-se às inovações de nossos tempos, ou preparem-se para fechar as portas! Saudações Culturais - Celito Medeiros
Marcelo, a internet é liberdade para escrever e ler, sem pagamento. Diretamente, não ganho nada, mas também não pago nada. Indiretamente, ganho leitores, comentários, amigos, quem sabe? Minhas palavras andam muito rápido e não são os efeitos que valorizam meu texto, o próprio texto tem seu valor, é claro, mas a diferença é o fator humano e sempre será. A simpatia, como dizem alguns. Eu digo que é o fator humano nas relações, na divulgação. A influência da divulgação na internet é milhões de vezes mais eficaz do que fora dela. E nenhum recurso vai superar isso, na minha opinião. Sucesso para todos nós.