André Barcinski foi um dos autores preferidos de uma geração que hoje está beirando os 30. E olha que ele não era escritor. Ele somente foi um dos privilegiados, na era pré-digital, que estavam por dentro de todas as novidades da música pop no Brasil antes de todo mundo. Barcinski era repórter da Bizz em uma época que poucos tinham a chance de se informar decentemente sobre música, discos, livros e tudo que envolvia cultura pop. Isso era nos anos 1990, quando a Bizz era a tábua de salvação de quem gostava de generalidades pop, mais precisamente de música, e não tinha acesso a revistas e discos importados. Receber em casa a Bizz era uma alegria ― que durava pouco. Eu devorava a revista em poucas horas e passava o resto do mês folheando o que já tinha lido e relido inúmeras vezes. Era triste. A Bizz para um pré-adolescente ávido de informação no extremo sul de um estado do sul era como santo para carola. Era um objeto meio sacro mesmo, que tratava de preencher a cabeça vazia de quem só podia gravar fitas cassetes se quisesse escutar bandas que só conhecia de ouvir falar. Então, tudo que se tinha era a Bizz e as páginas de cadernos de cultura. Só. Uma época braba até para profissionais, que tinham que ler o New Music Express, a Mojo e a
Rolling Stone com semanas de atraso, às vezes meses, para saber o que estava rolando de importante na música.
Assim, Barcinski ― e a trupe que fazia a Bizz ― não precisava de muito para ser admirado. O simples fato de estar onde muitos gostariam e poucos tinham a chance era o que bastava. Mas claro que havia algo mais nisso. E esse algo mais podia ser resumido em uma equação simples: texto bacana + dedicação = bom jornalismo cultural. Menos ácido que o outro André, o Forastieri, também lendário da antiga Bizz, Barcinski ajudou a instruir, musicalmente, talvez mais de uma geração de jovens tarados por música, mas que se viam tolhidos pela falta de informação.
Acompanhado por gente que hoje é referência no jornalismo cultural brasileiro, como Ana Maria Bahiana ― sempre em algum canto especial dos Estados Unidos mandando novidades do hype (àquela época a expressão nem era usada) para a província ―, Pedro Alexandre Sanches, Pedro Só, Alex Antunes e o já citado Forastieri, Barcinski fez parte de uma turma que ajudou a desbravar o jornalismo musical do país. Afinal de contas, até meados dos anos 1985, quando a Bizz foi criada, as experiências com periódicos dedicados ao público jovem não tinham sido nada animadoras ― haja vista a primeira tentativa de lançar a Rolling Stone brasileira em meados dos anos 1970 e coisas primárias como a revista Pop.
Foi só com a onda do rock Brasil nos anos 1980 que uma revista de música dedicada ao público jovem foi possível. Talvez por conta do ineditismo da experiência, surgiram muitos bons jornalistas, todos loucos para mostrar serviço e reviver a saga de ícones como Lester Bangs. Deve ter sido esse espírito que moveu, no início dos 90, auge do grunge, André Barcinski a meter o pé na estrada e ir atrás das bandas americanas que pipocavam no cenário musical da época. A aventura ganhou forma e nome: Barulho ― uma viagem pelo underground do rock americano. Um livrinho meio tosco, em formato de revista e com diagramação sofrível, mas que materializava aquilo que só existia em sonho para muitos leitores e até mesmo jornalistas da própria Bizz.
Afinal, se os discos demoravam a chegar por aqui, imagine os artistas (com exceção de dinossauros que já não interessavam mais ao público gringo). Mas Barcinski não esperou que o novo envelhecesse. Foi em busca de bandas que estavam à frente da novíssima música americana e que tomariam de assalto o mundo com camisas xadrez, calças rasgadas e cabelos sebosos. Sim, o cara foi até Seattle para ver o Nirvana no auge de sua loucura e criatividade; peregrinou pelo Village atrás da estranha figura de Joey Ramone e se trancou no estúdio com o Ministry. Tudo isso, diz a lenda, sem grana de editora ou patrocinador. Certamente, à época, "uma humilhação enorme aos outros jornalistas ligados à música e a cena culturaleba em geral", conforme escreve Forastieri no prefácio da edição.
"... pegar o avião com dois velhos amigos e se enfiar dois meses nos Estados Unidos. Atravessar a coisa toda de costa a costa ― só para ver vídeos com Joey Ramone, assistir a um ensaio dos Red Hot Chili Peppers, detonar a noite inteira com o Ministry. Presenciar o estouro do Nirvana, trocar discos com o líder dos Dead Kennedys Jello Biafra, conhecer a nova capital do rock USA, Seattle. Só para ir a shows toda noite! Ao cinema toda tarde! Comprar zilhões de CDs, discos, vídeos, pôsteres, camisetas! Só para curtir FESTAS ALUCINANTES TODO DIA!", escreve Forastieri sobre a trip do amigo.
O prefácio de Forastieri não só dá o tom da narrativa que virá nas páginas seguintes, mas também evidência a relação dúbia que os jornalistas musicais da época tinham com o seu trabalho. Algo que ainda hoje existe, mas que naqueles tempos, por conta das dificuldades de acesso aos produtos culturais, ficava mais evidente. Separar o jornalista do fã, em uma época de escassez sonora, era muito mais difícil.
Por isso o livro de Barcinski soa, hoje, muito mais como um relato apaixonado de um fã da música jovem do que um livro-reportagem comprometido em dissecar, em tom crítico, os vários lados da cena americana do início da década de 1990. Barcinski não foi investigar nada, não quis procurar respostas, apenas prestar tributo, conhecer e ver com os próprios olhos qual era a real daquilo tudo que nós, brasileiros, só víamos de longe. Era apenas um garoto de 23 anos querendo conhecer seus heróis, bater um papo com os malucos do Cramps e beber cerveja nos inferninhos mais toscos dos Estados Unidos.
E Barulho é isso, uma trip nervosa de uma fã de rock. Mas, mesmo com suas deficiências, o livro de Barcinski, hoje esquecido, foi um marco do jornalismo musical nacional. A evocação tardia do "faça-você-mesmo" tupiniquim encarnado por Barcinski serviu de estímulo a muita gente, não só jornalistas. Yes, we can, gritava com fúria punk o jovem Barcinski sem suspeitar da existência de Obama. Se Barulho é o filho bastardo de Reações Psicóticas, certamente é pai legítimo de Rumo à Estação Islândia.
Em um texto simples e direto, Barcinski revela histórias que só o tête-à-tête faz emergir. Jello Biafra, um profundo conhecedor das ditaduras latino-americanas, fazia-lhe perguntas empolgadas sobre Collor e discursava sobre a história do Paraguai. Isso mesmo, o maluco se especializou em história do Paraguai na Universidade de Santa Cruz, nos Estados Unidos. No apartamento de Joey, uma audição em primeira mão de Mondo Bizarro, um dos discos mais bem-sucedidos comercialmente dos Ramones. Entre uma música e outra, o fã Barcinski se rende ao momento que parece não acreditar estar vivendo.
"Incrível: meu maior ídolo, o cara estampado em três pôsteres na minha sala, o vocalista que me ensinou a gostar de rock, todo contente porque eu gostei de sua música. Parecia que era ele o fã". Reverência pura.
Olhando hoje, folheando os exemplares da Bizz que sobreviveram às minhas várias mudanças, a revista não parece grande coisa, afinal, agora temos a Rolling Stone (e a internet, claro), que, mesmo com suas matérias chupadas da matriz, é uma boa revista de variedades pop. Não de música pop, pois seu projeto, que é bem claro, não é focar apenas na música, o que pode ser bom para um país que tem várias publicações dedicadas somente à música (como Estados Unidos e Inglaterra), mas ruim para nós brasileiros que não temos outras opções.
A ShowBizz, tentativa de modificar o rumo da velha Bizz, era, a bem da verdade, fraquinha. Mas a velha Bizz, mesmo com suas carências editorias, tinha meia dúzia de caras que fazia a diferença e que, só agora, um tanto por saudosismo, é verdade, percebo o quanto eles fazem falta. Caras como Barcinski e Forastieri, que conseguiam realizar a difícil tarefa de transpor para o texto a energia e chapação do rock. Tarefa das mais difíceis e inglórias, diga-se de passagem. Mas os caras, se não conseguiam por completo dizer o que era uma música dos Pistols, por exemplo, chegavam bem próximo. E Forastieri, irmão siamês de Barcinski, escreveu o melhor texto que já li sobre o que é escutar Ramones na adolescência:
"Viver é uma confusão desgraçada ― e nunca isso fica mais claro na vida de um homem do que quando começam a aparecer os primeiros pêlos na cara. O absurdo é que quatro nova-iorquinos broncos tenham capturado com tanta precisão este estado de espírito púbere que-se-foda. Sem intelectualismo nem autoparódia e em plena hegemonia Yes-Led, os Ramones inventaram o som da adolescência. Puro, sem misturas, sem gelo..."
Os Ramones levaram a coisa um passo adiante, indo direto ao esqueleto do negócio: músicas de dois minutos, refrões simples e riffs primários, letras que viam a dor e a delícia de ser teenager através do "rayban" da cultura popular mais acessível e rastaquera.
Tudo tão rápido, pesado e pegajoso quanto possível. Urgente como um comercial de TV. Punk rock, mesmo ― se você pensar que punk originalmente significa vagabundo de rua, tranqueira, cara inútil para a sociedade...
O que importa é Joey Ramone cantando "I don't care about this world/ I don't care about that girl. I don't care". Eu não tô nem aí, não tô nem aqui e quero que tudo mais vá pro inferno. I just wanna have some fun. Ramones, a melhor banda de rock'n'roll da história ― provavelmente."