Estereótipos do Twitter (e do Foursquare) | Fernanda Prates | Digestivo Cultural

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Segunda-feira, 18/7/2011
Estereótipos do Twitter (e do Foursquare)
Fernanda Prates
+ de 6500 Acessos

Se tem algo que o Twitter me ensinou, meus amigos, é que existe um vasto grupo de coisas desinteressantes nesse mundo. E qual não foi minha surpresa ao descobrir, mais de 8 mil tweets depois, que faço parte deste desagradável bando?

Sabem, quem diria que dá pra falar tanta merda em 140 caracteres? Surpreendente. Mas cá estamos nós, nessa superação diária, ficando cada vez mais insuportáveis. O Twitter criou uma coisa de opinião compulsiva que, convenhamos, é chata pra caralho. E não estou me tirando dessa, não. Pelo contrário. Sabem, eu nunca fui de acumular fãs, sejamos bem francos, mas pessoas que costumavam me achar no mínimo inofensiva parecem ter desenvolvido verdadeiro asco pela minha pessoa graças ao Twitter. Ele mudou meu jeito de pensar? Não. Fez de mim uma pessoa pior? Não. Eu sempre fui igualmente podre. Mas antes eu precisava articular meus pensamentos podres em posts. É trabalhoso, sabem. E no meio do caminho, a tendência é repensar. "OK, isso pode soar ofensivo demais". Mas o Twitter acabou com isso na minha vida. Eu não ligo se é ofensivo demais. O Blackberry está na minha mão, a ideia na minha cabeça e, pronto, ofendi alguém. Em 140 caracteres. É tudo deliciosamente prático e eficiente e eu... Bem, eu só precisava de uma arma rápida o suficiente para libertar minha bully interior. Eu estou muito on fire.

A graça (e o problema) do Twitter é que lá é onde você começa a realmente ver a personalidade das pessoas. É meio como o BBB. Com aquela facilidade toda de falar, você acaba exibindo sua personalidade em algum momento, mesmo sem querer. Você está lá, com seu smartphone na mão, preso no engarrafamento e... Pronto. De repente, eis um tweet babaca comentando sobre a ineficiência do transporte público no Rio de Janeiro. Você não queria dizer isso, sabe. Você nunca quis ser uma dessas pessoas. Mas sucumbiu. E seus seguidores viram. Com o tempo, as fraquezas se tornam mais frequentes. As pessoas interagem. É um tal de mention e RT tentando você. Você quer ter RTs, você quer ver suas palavras ecoando. As coisas vão acontecendo e, do dia pra noite, pronto, você, é um estereótipo de Twitter. Não se acanhe, meu amigo. Estamos todos no mesmo barco. Somos todos, enfim, gigantescos estereótipos. Eles são vários. Pessoas como eu, propensas à compulsão, tendem a se encaixar em todos. E odiar a todos ao mesmo tempo. É bem confuso, na verdade.

Elaboremos sobre isso. Um dos estereótipos mais básicos é o povo Foursquare. Veja bem: claro que o povo Foursquare não posta só localização. Falo de um conceito mais abrangente. Em geral, o simples fato de uma pessoa aderir ao Foursquare já diz muito sobre ela. O povo Foursquare é um pouquinho mais sem noção que o resto, no sentido de que não se incomoda de simplesmente falar onde está. É uma coisa na qual obviamente ninguém está interessado, mas e daí? Você quer dizer onde está, sabe-se lá por quê. E diz. A pessoa Foursquare é geralmente aquela que acorda e fala "hum, sono". É aquela que sente fome e diz "hum, fome". É aquela que pode informar, sem maiores constrangimentos, que está vendo televisão. Sem nem especificar o programa, claro. Isso seria trabalhoso demais. Eu sempre recriminei o povo Foursquare, mas agora eu vejo que eles não são tão diferentes de nós, aliás. Na verdade, são até mais práticos. Não precisam nem se dar ao trabalho de digitar uma irrelevância, há um aplicativo que cuida disso tudo. Smart.

Aí, do outro lado, tem a galera da opinião. A galera da opinião está muito convencida de que, bem, tem algo importante a dizer. Eles têm um método. Geralmente atestam um fato, por exemplo: "a polícia matou não-sei-quantos. Acho chato." Vejam bem, os opinativos sentem um pouco de remorso, ao contrário dos "Foursquare". Eles tentam disfarçar a própria irrelevância com uma informação antes. Seduzem o leitor de forma a fazê-lo acreditar que aquilo ali é de alguma maneira importante. E aí, quando você menos espera... Pow!, opinião irrelevante. E eles tendem a terminar a opinião assim, com duas palavras. Talvez três. Pra aumentar o efeito de choque, sabem. Eles não vão simplesmente jogar um fato ou um sentimento. Eles vão contextualizar. E provavelmente usarão memes da década passada para enfeitar aquela opinião. Os opinativos são bem espertinhos.

Aí tem os engajados. Os engajados vão aderir a todo tipo de hasthag e movimento que tiver rolando. Os engajados vão usar twibbons, os engajados vão amar o Rio, os engajados vão rezar pelo Japão, os engajados vão dar RT em apelos pelo Egito, pela Líbia, pelo Piauí... Os engajados vão morrer de pena da capela da ECO pegando fogo. Os engajados são admiráveis, até, porque acreditam numa coisa de força da internet que eu acho comovente. Nem todos os engajados acreditam que uma hasthag vá mudar qualquer coisa, claro, mas no fundo, no fundo, eles curtem sentir que estão movimentando, construindo, que estão participando de algo maior que eles. Os engajados são os órfãos da ditadura que, na falta de uma galera pra ir pra rua reclamar da vida, querem participar via Twitter. São tímidos, ineficientes e frustrados visionários. Mas visionários, há de se reconhecer. E isso é corajoso num mundo cada vez mais apático.

Os engajados são especialmente corajosos porque lidam com uma raça perigosa. Os antiengajados. No caso, eu. Os antiengajados não só não querem participar de nada como vão zoar todos que, dear God, ousam participar. Os antiengajados são os bullies da timeline. São aqueles que não podem ver uma hasthag que querem atacá-la tal qual uma piñata recheada de docinhos. Os antiengajados curtem oprimir, ver o circo pegar fogo, causar constrangimento. Os antiengajados veem um tweet engajado e zoam logo depois, refocilando na inibição dos oprimidos. Nós, os antiengajados, somos os covardes. Nós, os antiengajados, zoamos quem tuíta em outros idiomas, quem tuíta citação, quem lamenta algo particular. Nós somos chatos, implicantes, escrotos. Nós somos os babacas. Os engajados, tímidos que só eles, calam-se perante nossa opressão. Veem um manifesto antiengajamento e pensam "é; melhor, não". E se retiram pra almoçar sozinhos no banheiro, porque os antiengajados estão tocando o terror no recreio.

Aí, tem aqueles que não são engajados nem antiengajados: são os "questionadores". Esses são bem irritantes. Eles se recusam a assumir uma posição sobre o assunto do momento. Eles opinam sobre alguns assuntos, claro, mas sempre sobre pautas frias. Jogam uma coisinha aqui ou acolá, nada que possa criar muita intriga. Mas, quando o negócio esquenta, eles ficam na deles. Ficam quietinhos, à espreita, apenas aguardando enquanto os antiengajados soltam toda a munição em cima dos pobres engajados. E aí, lançam um questionamento bombástico. "O que é pior: se lamentar ou atacar quem se lamenta?". O ataque é esperto porque é em frente dupla. Ele provavelmente receberá comentários dos dois lados da questão, e brincará de advogado do diabo. Jogará um engajado contra um antiengajado e se sairá como o "ponderado" da questão. Lamentará a polarização de sua timeline, pobres seres radicais, e observará do alto de seu trono de reflexão e racionalidade. Os questionadores não apartam a briga, jamais. Eles incitam a polêmica. Como inspetores de colégio que, vendo o pau comer, deixam a parada ficar feia o suficiente antes de chamarem a diretora da escola. E narram tudo em detalhes sádicos, recheados de julgamento e satisfação contida. São semeadores silenciosos da discórdia.

Em paralelo a tudo isso, ainda temos os monocórdicos, ou seja, aqueles que só sabem falar sobre um assunto e o esgotam até o fim. Temos os monocórdicos de futebol, os monocórdios de MMA, os monocórdios de cinema, os monocórdicos de televisão. Varia. Os monocórdicos, em geral, não curtem sair do assunto. Eles veem seus perfis no Twitter como, por que não?, uma forma de utilidade pública. Os monocórdicos têm informação e opinião, eles buscam fundamentar o que dizem e gostam de pensar que as pessoas vieram a seus perfis por um motivo. Eles querem "fidelizar", garantir que aquele cara que chegou até ali por um motivo não vai dar unfollow. Unfollow é um temor absoluto do monocórdico, e ele vai evitar que isso aconteça. Nem que isso signifique segurar a vontade de comentar a eliminação do BBB. Ou de comentar aquele gol ridículo que só o Renato Abreu poderia perder.

Os tuiteiros monocórdicos, é importante diferenciar, às vezes sequer são intencionais. Tem gente que só sabe mesmo falar de um assunto só. Tem gente que, realmente, na falta de coisa melhor pra fazer, só sabe fazer maratona de séries. Só sabe ir ao cinema e achar coisas sobre os filmes. Só sabe ler o globoesporte.com e reclamar das contratações do time. São espécimes em geral solitários, devo dizer, mas geralmente autênticos. Tendem a não sair muito disso. Já os monocórdicos intencionais, e eu digo isso por experiência própria (já tentei ser uma), são calculados, cuidadosos. Mas têm seus dias contados. A tentação é forte e, em algum momento, o cotidiano vai sair pelos seus dedos. É questão de tempo. Até você perder seus seguidores fiéis, receber unfollows dolorosos e ler indiretas. Ah, meus amigos, digo a vocês que dói. Mas passa. Afinal, quem aguenta quem só sabe falar de uma coisa só, não é?

No fim das contas, somos todos muito, muito chatos. E acho que sempre soubemos disso, mas é como dizem: nada como a convivência para trazer o que há de pior nas pessoas. E foi isso que o Twitter fez. Permitiu que todos convivêssemos, diariamente, como uma grande e disfuncional família. Eis que, do nada, estou ciente de cada passo do dia de dezenas de pessoas com as quais eu sequer trocaria duas palavras no MSN. Eu sei o que elas comem, o que elas ouvem, onde elas almoçam e qual tipo de bunda preferem. E elas aprendem que eu odeio engarrafamento, citação da Clarice Lispector e gente que atravanca a Lagoa no meio da minha corrida de sábado. O problema disso tudo é que ninguém perguntou. E meio que ninguém quer saber. O fato é que, em menor ou maior escala, todos viramos informação de mais.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no seu blog O superficial é o novo profundo. (Leia também "Sinais de Vulgaridade", "10 tipos de Comentador de Forum" e "Como ser uma webcelebridade".)


Fernanda Prates
Rio de Janeiro, 18/7/2011

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