Uma grande empresa de produtos de limpeza destinava boa parte de sua verba para entender os consumidores. Ou seja, gastava rios de dinheiro com pesquisas de opinião, consultores, publicitários. Nada, porém, teve tanto impacto para o presidente da companhia como o dia em que ele próprio resolveu espiar o comportamento de um comprador em um supermercado chique de São Paulo. Fingindo distração, ele observou um homem maduro, com o carrinho repleto de vinhos caros, comparando os preços dos limpadores multiuso. A diferença era de centavos, mesmo assim o sujeito se deu ao trabalho de escolher o mais barato, preterindo a marca da tal empresa.
O executivo não escondia sua indignação quando me contou o episódio. Que lógica havia no comportamento de alguém que esbanjava R$ 100,00 em uma garrafa de bebida, sem pestanejar, e "compensava" isso economizando centavos que não somariam R$ 1,00 nas gôndolas de produtos de limpeza? Nenhuma, claro. É bobagem cobrar coerência desse consumidor. Ou de qualquer outro: a mulher que se endivida por uma bolsa de grife, o rico que compra DVD em camelô, o adolescente que paga R$ 100,00 para assistir ao show de seu artista favorito de binóculo, mas não aceita pagar R$ 1,00 para baixar as suas músicas na internet.
Comparar consumo cultural com a compra no supermercado pode parecer desbaratado, mas não é. Somos igualmente irracionais, movidos por sentimentos inconfessáveis até para o analista, na hora de atribuir valor às coisas. Aliás, a hora, assim como o lugar, é algo que pode fazer toda a diferença. Em um café charmoso, uma pessoa aceita pagar três vezes mais por 237 mililitros de Coca-Cola, que vem numa embalagem de vidro apelidada de Mae West, numa alusão às curvas da atriz americana. No supermercado, espera por uma promoção para a garrafa de 2 litros. O líquido preto, emblemático da nossa sociedade de consumo, é o mesmo.
A indústria cultural, sob o impacto das novas tecnologias, busca hoje acima de tudo a sobrevivência. Os profetas do apocalipse aproveitam para avisar que o fim está próximo: começará pelo CD, passará pelos jornais, chegará ao livro e ao cinema, arrastando também a TV e as rádios. A lógica é que a internet e as novas formas de distribuição dos produtos culturais vão eliminar as antigas "embalagens", e mudar para sempre a nossa forma de consumir músicas, filmes, narrativas, arte. Sobreviverá, na indústria, quem conseguir se antecipar às tendências e descobrir formas de se financiar a criação cultural neste novo contexto.
Pode ser. Mas talvez devêssemos pensar na Coca-Cola, que há tempos adotou a estratégia de segmentar e diversificar suas embalagens. Se um mesmo consumidor age de forma diferente dependendo da ocasião, imagine as possibilidades para se vender refrigerante por aí. E se os livros/narrativas forem como Coca-Cola? Tratando-se do inescrutável consumidor, vale observar um exemplo específico, como fez o presidente da empresa no supermercado. Sou uma leitora de livros que lê cada vez mais no computador. Mas não pretendo abandonar meus livros!
Escolhas, poder de escolhas. Embora tenha TV a cabo e DVD em casa adoro ir ao cinema com as filhas. Revistas? Amo ir à banca de jornais e escolher uma. Livros? Sempre q/ posso compro-os. Internet? Quantas horas puder. Enfim as novidades chegam e somam-se as demais. Vale a criatividade dos empresários na globalização. Avante!
Acho que essa pechincha consumista tem muita relação com o "que agrada diretamente ao eu de cada um", ou no popular "olhando para o próprio umbigo". Esse homem paga o preço que for para degustar seu vinho predileto, mas que importância tem para ele o detergente usado? Não é ele quem vai usar a vassoura ou a máquina de lavar roupa. A mulher com a bolsa de grife precisa se afirmar naquele acessório. Mas o que vejo no dia a dia é que uma boa parte dessas pessoas é capaz de dizer não ao filho que pede uma revista na banca de jornal. O ser humano está muito incoerente e pouco afetivo. Essa afetividade e poder de sorrir com pequenas coisas é o que me faz concordar contigo que não há nada melhor que uma tela de cinema com um bom balde de pipoca. Mas me faz discordar dos seus planos quanto aos Kindles que aparecerão, pois não há nada melhor do que folhear um bom livro, e deixar nossas impressões em suas margens, ou sair sublinhando as frases que ficarão para sempre em nossa memória. Bjs
Marta, somos dois. No que depender de mim, os "produtos culturais analógicos" jamais vão cair em desuso... Nada mais romântico que ir ao cinema ou ler um livro na praia... Isso nunca vai sair de moda! (Espero.)