Posso dizer que faço parte da "geração internet", que pegou a WWW ainda na fase embrionária e revolucionou a forma do mundo pensar e se comunicar. Contudo, ela tem peculiaridades que ainda me fogem a compreensão. Realmente não sei de onde vem essa sanha de forjar (e enterrar) uma "revolução" por dia. Com a crise financeira dizimando empresas dos mais variados segmentos, a imprensa ― que já vivia uma crise própria ― vê estarrecida os jornais americanos serem jogados no triturador, diaapósdia. A cada velório anunciado, blogueiros se refestelam em espasmos mediúnicos, vislumbrando o dia da "democratização da informação" cada vez mais próximo. De longe, eu olho para tudo isso com a maior das desconfianças. E tenho cá minhas razões para o ceticismo:
1) Por enquanto, a morte dos jornais está acontecendo nos EUA, não aqui. Mesmo que as vendas de jornais continuem caindo, existe uma boa distância entre a queda nas vendas e a "morte". Além de nossa internet ser muito incipiente perto da americana, nossa blogosfera ainda é, grosso modo, bastante ingênua. E, passada a crise, será de lá, dos EUA, que virá um novo modelo de jornalismo na internet;
2) O fim dos jornais não garante a tal "democratização da informação", como reza o post-panfleto preferido dos blogueiros "revolucionários". Ao contrário, vai contra todo o conceito de pluralidade, tão caro aos interneteiros (como se não existissem blogueiros que se vendem a um grupo, partido ou ideologia por algumas migalhas). De qualquer maneira, toda essa grita dos blogueiros me lembram jovens partidários do PC do B numa passeata contra o "imperialismo ianque";
3) É muita ingenuidade acreditar que, mesmo que os jornais acabem, os grandes grupos de mídia também vão acabar. Isso mostra o quanto essa discussão ainda é turva e como confundem o fim dos jornais com o fim do jornalismo. A única coisa que está em xeque é o papel como suporte para o jornalismo. A internet já fez o trabalho de tirar o controle sobre toda e qualquer informação das mãos da grande mídia, mas não ocorre aos blogueiros que os mesmos grandes grupos continuarão sendo as principais fontes de informação, mesmo que seja só pela internet e com redações mais enxutas;
4) E finalmente, porque sem uma imprensa forte e vigilante, a democracia fica enfraquecida. Sobre essa questão, meu amigo Ram Rajagopal tem algo a acrescentar: "Democracia não se faz de palpites ou de intenções de pequenos indivíduos isolados, mas da força de instituições que a preservam. E uma destas instituições, que inclusive aparece na Constituição americana e na francesa, é a imprensa. Já cometemos um erro quando deixamos a imprensa receber grana do governo para sobreviver. Cometeremos mais um quando, incapazes de entender os fundamentos de uma democracia, acharmos que a função de um jornal é entreter o copo de café morno de manhã... Inclusive, a pequenez da ideia de que não devemos pagar, voluntariamente, por um serviço que preserva a democracia, é um tiro no próprio pé. O mundo pode conviver com blogs E jornais E livros E Kindle etc... Quanto mais informação, quanto mais observação, mais garantias temos da nossa liberdade".
Sendo assim, por mais que afirmem categoricamente que os jornais vão acabar, ainda não é possível estabelecer uma resolução definitiva. Portanto, não posso ― e não vou ― encampar essa ideia de "fim" disso ou daquilo. Esse, definitivamente, não é o caminho. Se for pra acabar mesmo, não será através do grito dos caciques da blogosfera, mas sim por uma evolução (ou regressão) natural das coisas. Um "fim" que eu certamente adoraria assistir é o fim dos jornais controlados pelas oligarquias e coronéis nordestinos (isso, sim, seria um grande serviço à democracia), mas os únicos que podem responder a essas e outras perguntas ainda não nasceram. Sim, as próximas gerações é que vão nos dizer o que vai embora e o que fica. Tudo o que dissermos agora, em 2009, será chute, puro e simples.
No livro O destino do jornal, Lourival Sant'Anna mostra o que, hoje, parece ser um consenso entre os editores dos três jornalões brasileiros: a de que os portais focarão mais o hardnews e que os jornais se tornarão mais analíticos. Por enquanto, não é o que tenho visto na maioria dos jornais. Mas, olhando a questão pelas duas perspectivas (a da internet e a do papel), eu, que estou em ambas as trincheiras, posso falar do que já vi. De dentro da imprensa, tive recentemente duas revelações. A primeira delas foi no dia em que Barack Obama foi eleito presidente dos EUA. Não pela eleição em si, que já era esperada, mas porque muitos jornais populares (principalmente no Rio de Janeiro) preferiram estampar, com amplo destaque, o barraco do Dado Dolabela com a Luana Piovani, que foi parar na delegacia. Enquanto alguns se limitaram a uma pequena notinha de rodapé sobre o Obama, outros ignoraram completamente o assunto. Não que manchetes-celebritites fossem novidade, e também não é só porque se tratava das eleições americanas (fosse John Mccain o eleito, não seria uma grande notícia)... Mas sim por se tratar do primeiro presidente negro eleito num país com um histórico de segregações, como os EUA, e de todos os simbolismos que aquilo representava no Brasil e no mundo.
Dirão os editores dos tais jornais que, para os leitores destes, o barraco do Dado Dolabela interessava mais. Outros se esconderão atrás do clichê obscurantista "precisamos nos preocupar com as vendas". Pouco importa, ambas justificativas são cínicas e revelam o que muitos jornalistas preferem esconder: o mundo está mudando, e esses mesmos jornalistas não estão acompanhando as mudanças. Num país como o Brasil, onde preconceitos são escamoteados por trás de uma pseudodemocracia racial, onde se discutem cotas raciais nas universidades e ainda se considera necessário ter um "Ministério da Igualdade Racial", a eleição de um presidente negro era sim a notícia mais importante naquele dia para todos os leitores brasileiros (negros ou brancos; pobres ou ricos). E em todas as esferas da mídia ― inclusive nos jornais ditos "populares".
Mas o grande choque aconteceu há poucos dias, quando um jornal daqui de São Paulo abriu sua página de "Internacional" com a seguinte notícia: "Bin Laden some do mapa". A princípio, aquilo me parecia um copy/paste da Wikipédia, mas confesso que continuo sem entender nada, pois essa "matéria" poderia ter sido publicada em qualquer dia entre setembro de 2001 e hoje que não faria a menor diferença. Esse episódio, além de mostrar como ainda subestimam qualquer capacidade intelectual do leitor, escancarou também o completo descaso e preguiça de alguns jornalistas com o ofício. Em tempos de preservação ambiental e de economia de papel, cada coluna, cada linha no jornal é preciosa, já que as notícias andam disputando a tapas o espaço com os anúncios. Mesmo assim, preferiram gastar papel com o "sumiço" do Bin Laden. Alguns jornais parecem mesmo não perceber que é esse tipo de coisa que faz os já distantes leitores se distanciarem ainda mais e que os fazem perguntar, em dias de YouTube e Twitter, se o jornal ainda é necessário. Exposta na redação, essa pérola do jornalismo gerou um comentário revelador: "Os jornais não estão morrendo. Estão se suicidando". Fosse um blogueiro dizendo isso, seria mais uma previsão apocalíptica de quem tem todo interesse em destruir a feira para depois catar seus restos e bagaços no chão. Mas, ditas por um jornalista de redação, essas palavras mostram como o jornalismo tradicional desceu do pedestal e deitou no divã.
Fechar o conteúdo dos portais apenas para os assinantes tem sido apontado como uma das soluções para salvar os jornais, embora isso só seja possível através de uma difícil arregimentação entre todos os grupos de mídia e agências de notícia (de que adiantaria uns fecharem o conteúdo e outros deixarem aberto?). Mesmo assim, muitos blogueiros pagariam para acessar tais portais e continuariam reproduzindo conteúdos em seus blogs em busca de cliques para seus anúncios. Portanto, se fechar o conteúdo é a única solução para salvar os jornais, melhor procurar outras.
Mas suponhamos que os blogueiros do apocalipse estejam certos e que todos os jornais e grupos de mídia sejam varridos da civilização. Quem faria o trabalho de trazer as notícias para o público? Os mesmos blogueiros? Desconfio um pouco (ou muito) disso por uma razão muito simples: se os blogueiros só se dão ao trabalho de reproduzir ou comentar o conteúdo dos portais, como eles ficarão se os mesmos portais não mais existirem? Eles vão ler o Diário Oficial e publicar suas opiniões? Salvo raras exceções, as opiniões da maioria dos blogueiros de hoje é absolutamente dispensável. A única cobertura em que a blogosfera dá um baile nos jornais é a de tecnologia, novas mídias etc. Já todo o restante do noticiário é o trabalho diário de jornalistas, editores, pauteiros, colunistas, fotógrafos, designers, diagramadores, infografistas e ilustradores. Mesmo que alguns poucos blogueiros vivam exclusivamente de seus blogs, para a grande maioria blogar ainda é algo que ainda se faz nos intervalos de seus empregos ou em casa ― e não há compromisso algum com a notícia para fins profissionais. Se o sol estiver raiando lindamente e a patroa quiser ir à praia, ficará o blogueiro na frente do computador, de plantão, esperando as notícias chegarem? Ok, não esqueçam de usar protetor solar...
O que quero dizer é o seguinte: trabalhar com a notícia é como trabalhar em qualquer outra coisa. Alguém precisa trabalhar integralmente nisso e, principalmente, receber por esse trabalho. Ou você acha que fotógrafos não são deslocados para cobrir as finais do campeonato? Ou que repórteres não vão a campo todos os dias em busca das matérias? Ou que designers, ilustradores, infografistas e diagramadores não esperam a definição das pautas para encontrar soluções gráficas que sejam atraentes para o leitor? Não é algo que se faz em coffee breaks ou quando dá na telha. Com as postagens no meu antigo blog era assim: uma, às vezes duas por semana. E só quando eu encontrava tempo.
A grande pergunta é: como e onde os blogueiros vão encontrar recursos para se sustentar e viver exclusivamente de seus blogs? Diante de tantas incertezas, o fato é que ainda não se estabeleceu um modelo que sustente o jornalismo na internet. A tão falada "monetização" ainda não resolveu a vida de ninguém. Alguns conseguiram piorar ainda mais as coisas. Com os tais "posts pagos" desvirtuaram tudo aquilo que a internet tem de melhor: a independência. Por outro lado, exemplos como o Interney e este Digestivo Cultural são primorosos e provam a força da internet, que consegue aliar ótimos conteúdos colaborativos com o negócio em si, mas também mostram que ainda é um negócio para poucos. Uma coisa é certa: jornais que não se adaptarem aos novos tempos, que não valorizarem seus profissionais e não respeitarem seus leitores vão mesmo acabar, como qualquer empresa que não consegue se sustentar. E mesmo que o jornal (em papel) morra, uma coisa ficará: o jornalismo de qualidade. A este, público leitor não falta ― ao contrário, aumenta a cada dia. Se os anúncios migrarem mesmo para a internet (como já sinaliza um estudo feito na Europa), os fundamentos do jornalismo atual serão mantidos, só que em outra plataforma. No fim, alguém continuará pagando a conta para que tenhamos as notícias do dia e para que bons profissionais possam trazê-la a público. E, não duvide, esses bons profissionais estarão onde não precisem se vender por "cem maravilhosos reais".
Finalmente alguém falou a verdade sobre os boatos de fim dos jornais. Tudo permanecerá com menos destaque, mesmo porque os idosos, que não são poucos no Brasil, adoram ler um jornal. Por acaso o rádio sumiu depois da TV? E nem todos aderem à internet, pois preferem filmes. Parabéns ao jornalista pela matéria coerente.
Diogo, concordo em parte com você. Mas a "morte" dos jornais nada tem a ver com as intrigas blogueiros x jornalistas, e sim com a morte do meio físico, papel, para dar notícias. Claro que será lenta, ainda mais para gerações mais acostumadas com eles. (E sempre terão os saudosistas, como acontece com o vinil.) Porém, não temos como imaginar daqui a 10 anos você ler notícias e sequer interagir, reclamar, concordar, enfim, dar sua opinião. A concorrência do celular para ler as notícias em qualquer lugar e ainda poder deixar sua opinião será, na minha opinião, devastadora. Agora, isso só mudará o meio, os grandes grandes veículos de mídia continurão a dominar. Pode um ou outro cair ou surgir um novo, mas nada que altere o status quo.
Análise esclarecedora e com um ótimo texto a sustentá-la! Como repórter de jornal diário e blogueiro, confesso que adoto postura passional sobre este assunto. Por um lado, fico feliz e satisfeito ao constatar que a internet está revigorando e oxigenando o espírito jornalístico. Por outro, torço ferozmente para que o papel nunca acabe. Café morno, banheiro (perdão) e poltrona pedem a companhia de um bom jornal. Abraços!
Não sou jornalista, mas cada jornal que fecha é terrível para seus profissionais, assim como na Web deve ter sido o encerramento do NoMínimo. Mas gosto do desafio que voce propõe... rs. Da crise, não tanto de interesse quanto de grana (para adquirir revistas e jornais), eu entendo, é muito real e não é de hoje... Mas papel, lápis e banca de jornal, como espaço de convivência, não vai acabar só porque dizem que vai. Parece que tem gente torcendo por isso por aí... ou não. Beijo da amiga do Df. Gisele.
Torço para que vingue o consenso dos portais dos jornais com edições analíticas em papel, que podem existir com muito menos folhas, em formato tablóide, em papel reciclado. Claro que, assim, as redações terão de ficar enxutas. Em dez anos saberemos como vai ficar. Por enquanto, é especulação.