Meu filho ainda era pequeno quando isso aconteceu. Estava aprendendo a andar e eu o levava quando íamos comprar pão. Certa vez passamos por um rapaz sentado no meio-fio. Ele estava lá parado, sentado, o olhar perdido no nada, como se até mesmo pensar fosse um esforço grande demais. Com os passos pequenos de meu filho, demoramos a chegar na panificadora, e demoramos a voltar, mas quando voltamos, lá estava o rapaz parado, estático, bobo. Era como se ele estivesse apenas observando a vida passar diante dele.
A experiência me marcou. Percebi que existem pessoas e pessoas. Existem aquelas que simplesmente passam pela vida e deixam a vida ir embora, sem fazer qualquer diferença. Por outro lado, existem aquelas que se destacam tanto que mudam o mundo, o nosso jeito de pensar, a nossa percepção das coisas. São os grandes, os gigantes, pessoas que deveriam ser seguidas. Eis a minha lista:
Monteiro Lobato
Ao pensar em alguém que fez a diferença em minha vida e na de muitas outras pessoas, o primeiro nome que me vem à mente é Monteiro Lobato. Lobato é muito mais do que um escritor de literatura infantil, embora ele tenha produzido uma obra genial nessa área. Lobato foi um visionário, alguém muito avançado para sua época. Mesmo sua abordagem da literatura infantil tinha muito de afronta aos pré-conceitos, afinal, na época essa era considerada uma área menor da literatura. Lobato me ensinou o valor da clareza, da importância de compreensão por parte do leitor. Ele escrevia sobre os temas mais difíceis e sempre de maneira agradável. Tenho visto tanta gente que acha que escrever é enrolar o leitor numa teia de dificuldades e palavras difíceis (muitas vezes usadas equivocadamente), e sempre penso: esse pessoal não leu Lobato. E Lobato era de uma sinceridade provocante, embora também fosse muito gentil (quando Mário de Andrade escreveu um texto matando-o, Lobato declarou: "Mário é grande, ele tem o direito de nos matar"). Uma de suas frases prediletas virou meu lema: "Isto acima de tudo: seja fiel a ti mesmo".
Alan Moore
Não há quem leia uma obra de Alan Moore e não passe a ver os quadrinhos de forma diferente. Moore revolucionou a maneira como as pessoas viam os roteiristas. Antes, as grandes estrelas eram os desenhistas, disputados a tapas pelas editoras. Parecia que os leitores só compravam as revistas por causa dos desenhos. Alan Moore produziu obras tão fantásticas que a simples menção de seu nome na capa de uma revista já é indício de boas vendas. Sua genialidade é tal que é muito difícil definir qual é a sua melhor obra. Miracleman, Monstro do Pântano, Watchmen, V de Vingança, Do Inferno, todos esses são obras-primas. E são como cebolas, que descascamos e descobrimos novos sabores, novas interpretações a cada leitura. A melhor obra é aquela que nos surpreende a cada leitura. Eu poderia passar o resto da minha vida lendo e relendo os trabalhos de Alan Moore e uma leitura jamais seria igual à outra.
Gandhi
A ética inabalável, o desprendimento pelo fruto de suas ações e a generosidade mesmo para com os inimigos são exemplos que deveriam ser seguidos por qualquer homem público. Infelizmente, os exemplos são poucos e, por isso mesmo, louváveis. Gandhi é um deles. A todos esses atributos, ele juntou mais outro: a inteligência e a estratégia. Até o início do século XX, os ingleses eram vistos como homens nobres e civilizados, que estariam tirando suas colônias da barbárie. A forma violenta como os ingleses reprimiram as pacíficas manifestações de Gandhi mostraram ao mundo uma situação invertida: o honrado britânico na verdade era um bárbaro, enquanto o pequenino hindu se comportava como um gentleman. Inteligência, acima da violência, essa foi a grande lição de Gandhi.
Hipátia
Entre 370 e 415 viveu em Alexandria uma filósofa chamada Hipátia. Filha do sábio Theon, ela foi criada para ser um exemplo do ideal helênico de mente sã, corpo são. Hipátia dominava a matemática, astronomia, filosofia, religião, poesia, as artes e a retórica. Dizem que andava pelas ruas ensinando Aristóteles, Platão e Sócrates a quem quisesse ouvir. O fato de ser mulher e o fato de estar esclarecendo o povo incomodou os cristãos fanáticos, que a pegaram na rua, tiraram suas vestes, deixando-a nua, e a levaram para uma igreja, onde ela foi retalhada com conchas até a morte. Depois seu corpo e suas obras foram queimadas. Mesmo sabendo que era perigoso, Hipátia foi fiel a si mesma até o último momento.
Chaplin
A minha ligação com Chaplin é mais que estética. É espiritual. Alguém que tinha as mesmas crenças que eu e o mesmo tipo de inimigo. E Chaplin ensinou ao mundo que havia poesia até mesmo nos momentos mais tristes... Indico um filme menos conhecido, mas genial, que demonstra bem o tipo de história que Chaplin contava: Luzes da ribalta, sobre um palhaço que salva uma bailarina do suicídio.
Lao Tse
Foi o criador do taoísmo e de uma filosofia que valorizava a mudança, muito antes de Pitágoras. Para entender sua importância, é importante lembrar que, para muitos filósofos, existia uma essência imutável e a mudança era apenas aparente. Ao valorizar a mudança, o taoísmo nos dá uma dica sobre como lidar com o mundo e com a nossa própria vida. Também foi uma antecipação do anarquismo, ao dizer que o melhor governo é o que menos governa.
Duchamp
O homem que revolucionou a arte, invertendo a lógica. Antes dele, o artista era visto quase como um artesão, alguém que tinha uma habilidade manual e a usava para criar coisas belas. Duchamp mostrou que artista é o autor da ideia. Fazer arte é idealizar, é pensar sobre o mundo e até sobre a arte. A mudança de foco trazida por ele permite, por exemplo, que Alan Moore, um roteirista de quadrinhos, seja considerado um grande artista.
Danton
De onde acham que tirei meu nome? Em 1989, comemorava-se os 200 anos da revolução francesa e as bancas foram inundadas de publicações sobre o assunto. Comprei tudo que pude. E fiquei fascinado com a figura de Danton, o único dos revolucionários que se levantou contra o terror revolucionário, mesmo sabendo que isso lhe custaria a cabeça. Como dizia Lobato: seja fiel a ti mesmo. Até o fim.
Gian Lorenzo Bernini
Antigamente eu assinava Jean Danton. Mas parecia estranho. Não era um bom nome. Então, um dia, folheando um livro na biblioteca, acabei me deparando com um texto sobre Bernini. Fascinante. Ele representou para o barroco o que Leonardo da Vinci representou para a renascença. Era arquiteto, escultor, pintor, cenógrafo. Suas imagens tinham a perfeição dos renascentistas, mas eram mais emocionais, o que era destacado pelo uso da luz. Gostei muito, tanto que peguei dele o nome.
O estudante chinês que parou um tanque
Ninguém sabe seu nome, mas ele fez história. Ficou na frente de um tanque que vinha para reprimir os estudantes em protesto na Praça da Paz Celestial, em Pequim. O motorista tinha permissão de atropelá-lo, mas não o fez, comovido com aquele gesto que muito me lembra Gandhi. Eu vi essa cena quando lia sobre Danton e a revolução francesa. A cena marcou minha adolescência. Se eu morasse na China, estaria ali. E também seria provavelmente morto quando o governo chinês resolveu usar a violência para acabar com o protesto que pedia liberdade e lutava contra a corrupção. Um gesto para ser seguido por todos aqueles que não compactuam com os canalhas e ditadores. Todos aqueles que são fiéis a si mesmos.
Como diria Voltaire: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las". Deixando as hipérboles à parte, acredito que suas referências pessoais sejam de figuras que tiveram grandes ideias do que foram grandes exemplos, de toda forma são bem interessantes.
Algumas figuras já são notórias, outras não tanto. É bom ler textos como esse para conhecer mais de pessoas que fizeram a diferença no mundo e que, apesar dos inevitáveis tropeços e defeitos, merecem mesmo serem seguidas.