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Quarta-feira,
8/7/2009
A Crise da música ― Parte 3/3
Rafael Fernandes
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Música em videogames
Uma das fontes de renda para bandas atualmente é a inclusão de músicas em jogos de videogame, como Guitar Hero ou Rock Band. Isso seria inimaginável há alguns anos, mas é assim que as coisas acontecem agora. Já existem até competições e "shows" com gente "tocando" os jogos. Não é loucura imaginar que próximo passo pode ser os jogadores criando suas próprias músicas a partir dos comandos aprendidos e distribuindo isso na rede. Esse tipo de estratégia é parte do que é chamado de "sincronização": a inclusão de músicas em filmes, séries etc. Não é algo absolutamente novo, mas tem ganhado destaque como mais uma forma de receita para os músicos.
Celulares
Cada vez mais são nosso centro de entretenimento e comunicação ― não foi à toa que Steve Jobs lançou o iPhone. Há dez anos, precisávamos de aparelhos de som, TV, video-cassete/DVD, computador, telefone fixo, máquina fotográfica, filmadora, videogame e computador. Agora, esse conteúdo migra para o que achávamos ser apenas um telefone móvel. No caso da música, vários são os sinais da sua importância: as operadoras já têm suas lojas de MP3 e há alguns anos têm sido lançados aparelhos temáticos com conteúdo de artistas, de High School Musical a U2. O Nine Inch Nails lançou recentemente uma aplicação para iPhone.
Investimento
Um artista que quer viver de sua música deve encarar a carreira como outro empreendimento qualquer ― como uma padaria ou um café. É preciso planejar, investir tempo e dinheiro e esperar o retorno ― que demora. Primeiro, há a preocupação em fazer uma música memorável e honesta: a criação artística deve ser intocável. A partir daí, é negócio. Então, só vai funcionar em vendas em grande escala ou num nicho que explore a diferenciação, para se ganhar em valor. Senão, tenha um outro trabalho e faça música no seu tempo livre ― a teoria do "sex & cash" de Hugh McLeod. Se você é produtor, ache um artista ou um modelo que venda. O governo pode ajudar em algum ponto, mas ele não pode e nem deve te salvar. Se você tem a síndrome de gênio incompreendido, achando sua "arte" é especial... Bem, pense de novo. Há milhões de outros "artistas" por aí. E ninguém se importa com você até que faça algo que preste.
Artista igual pedreiro
"Artista igual pedreiro" é a versão atual e brasileira do "do it yourself". É o título do álbum de estreia da boa banda Macaco Bong, de Cuiabá. Que é o conceito ― que eles usam ― do artista correr atrás, suar e fazer as coisas acontecerem, construindo tijolo por tijolo sua trajetória. Algo que também acontece com a Dani Gurgel, que está gravando seu disco novo via ArtistShare, e muitos outros da nova geração. O artista tem que se virar, além da parte artística em si: precisa ser o produtor, o vendedor de shows, o divulgador; deve saber criar orçamentos, escrever uma proposta de patrocínio, controlar dinheiro etc. Não adianta ficar esperando apoio ou produtores. Ajuda externa é sempre bem-vinda e num dado momento pode ser necessária. Porém, com o mercado duro e saturado, se o artista não andar com as próprias pernas e se não jogar nas 11 nada acontece. Tem que ser como o Didi naquele filme com o Pelé: cobrar escanteio e correr para a área para cabecear.
Shows?
Uma tendência comentada, quase unânime, é de que os artistas agora vão ganhar com shows. Correto. Mas há ao menos dois problemas:
1) Isso, obviamente, há anos já é uma fonte de renda dos músicos. Para muitos, inclusive, também há tempos a principal fonte de receita. A partir daqui, portanto, os músicos continuam com seu dinheiro das apresentações, mas não conseguem substituir as receitas perdidas com venda dos discos.
2) Qual a consequência? Maior concorrência para espetáculos musicais. Isso deve gerar um aumento de custos de produção, na tentativa de diferenciação e numa possível diminuição de valor dos ingressos. Um ponto positivo é que, diferente do que ocorre com um disco, quanto melhor e mais concorrido for seu show, mais é possível cobrar por ele. A questão é como chegar num nível em que se possa fazer um bom número de concertos com ingressos valorizados.
Esqueça do disco (ou quase isso)
Um álbum em formato físico não é mais o centro do negócio. Deve sobreviver, mas seu valor pode ser o mesmo que vender uma camiseta: só vai atender a um certo tipo de público. É claro que se ainda tiver demanda que justifique uma prensagem, o artista deve lançar. Como colocar suas músicas em sites como iMúsica, iTunes, eMusic etc.: a receita pode ser irrisória, mas é melhor ter do que não. Alguém pode argumentar que o CD é interessante para discos conceituais, que tenham uma história, ou algo assim. Mas o disco é uma limitação tecnológica: não é necessário para criar um conceito. O artista pode lançar uma música por mês, em datas significativas, a cada estação do ano, junto com um livro de fotos ou com uma camiseta ― as possibilidades são incontáveis. O Nine Inch Nails tem usado bem o disco como divulgação da turnê: em 2008 lançou The Slip de graça na internet (divulgando também versões físicas pagas) e anunciou as datas em seguida. Neste ano acertou uma série de shows com o Jane's Addiction e com o Street Sweeper Social Club (nova banda de Tom Morello). Juntos lançaram um EP com seis músicas, sendo duas músicas inéditas de cada banda. Também pode fazer sentido uma boa variedade de merchandising (se houver demanda) e edições especias (vide o próprio NIN, Dream Theater e Franz Ferdinand): se a venda em escala de um só produto está em queda, novos produtos podem valer à pena.
Contestando padrões
É preciso lembrar que houve um tempo em que a música só era executada ao vivo, em concertos. Depois, o negócio da música virou a edição de partituras. Em seguida, apareceram as jukeboxes. Daí os discos. Com isso o formato da música popular se difundiu nos três minutos de duração porque era o que cabia no disco, ou seja, uma limitação tecnológica. Quando eles ficaram com mais capacidade, começaram os lançamentos de coletâneas de músicas de diferentes artistas. Daí prum disco inteiro de apenas um músico foi um pulo. E desde então isso é tido como regra, mas é apenas uma limitação e um padrão de tecnologia. É preciso um rompimento para a descoberta do que funciona para cada artista. Por que é preciso juntar algumas músicas e lançar um disco? Por que é preciso repetir sempre o ciclo disco -> turnê de um ou dois anos? Por que é preciso fazer músicas de três minutos? Por que preciso de uma gravadora ou de um selo? Ou de uma distribuidora? Como posso fazer um show diferente? Como posso divulgar minha música de outra forma? Por mais tolas que pareçam ser essas perguntas, é necessário ampliar nossas visões, desatar os nós que o mercado um dia amarrou.
Finalmentes
Já é considerado falido o antigo modelo. Todos estão procurando outras formas de criar, divulgar e vender a música. É preciso mudar a mentalidade ao analisar esse mercado, deixando para trás boa parte dos conceitos de outrora. O momento, como no caso do jornalismo, é de apreensão: o que se conhecia como padrão, ruiu. O novo ainda é incerto e disperso. O que não muda: se você vai montar uma banda ou gravar algumas músicas, trabalhe duro, seja diferenciado e memorável. Como já disse Seth Godin: "Se as pessoas não falam de você é porque você é chato". Seja criativo, ofereça às pessoas algo que valha a pena e cuide bem de seus fãs. Apareça e deixe a música fluir e ser compartilhada, mas sem avacalhar e permitir que ela seja banalizada: valorize seu trabalho.
Leituras recomendadas
Há muitas ideias interessantes sendo trocadas na internet sobre o mercado da música. A leitura de sites, blogs, PDFs e afins ajuda a clarear as ideias. Eis alguns sites e pessoas que tenho acompanhado.
― 10 PDFs sobre música (em inglês)
― Derek Silvers (criador do CDBaby)
― Future of music
― Hypebot
― Media Futurist
― Music Think Tank
― Música Líquida
― Pena Schmidt
― Pedro Alexandre Sanches, no blog auto-intitulado e no Ruído. Destaque para entrevistas de categoria com o Pena Schimdt e com o André Midani
― Remixtures
― Seth Godin
― Think Tank brasileiro
Rafael Fernandes
São Paulo,
8/7/2009
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