Balada em Barcelona. Cansada da maratona cultural do dia, e com a filha igualmente exausta para colocar para dormir, abri mão do programa sem pestanejar. Mas fiquei curiosa. No dia seguinte, fui ao encontro das minhas amigas no último horário do café da manhã. E aí, com tinha sido? Boates lindas, música ótima e muita animação, elas contaram. Quanto aos homens...
― O mesmo problema do Brasil: agora só dá metrossexual ― explicou uma delas.
Durante o dia, elas me apontaram nas ruas um ou outro protótipo, para eu entender melhor do que estavam falando. São homens arrumadinhos, inteligentes e educados, mas extremamente focados na própria performance. Para o mulherio com fantasias envolvendo graxa e barba por fazer, uma decepção.
― A culpa é das mulheres ― arrisquei.
― Claro, são elas que criam os meninos, e depois reclamam dos homens. Sempre penso que se eu tiver filho homem, vou...
― Não é desse lengalenga que estou falando ― interrompi. ― O problema é que as mulheres ficam reclamando dos modos dos namorados, da falta de sensibilidade deles, da objetividade excessiva. Querem que eles se comportem exatamente como suas melhores amigas. Está dando nisso.
Na verdade, eu já tinha refletido sobre o assunto outras vezes, quando alguma amiga vinha reclamar das limitações ou da incompetência masculina para lidar com questões cotidianas. Limitados e incompetentes? Sim, muitas mulheres hoje não têm dúvida de que os homens são criaturas em estado bruto, que precisam ser lapidadas e ensinadas a fazer as coisas do modo perfeito desenvolvido pela tradição feminina. Ok, pode ser que este domínio todo não exista, ainda, nas instâncias políticas e sociais, mas nos relacionamentos elas sempre conseguem provar, com muita habilidade, como estão certas.
As feministas à antiga talvez venham me crucificar por eu me referir ao modo masculino e feminino de pensar e agir. Mas não é à toa que a internet está chacoalhada de correntes engraçadinhas com este tipo de generalização. E que sucesso: sempre há uma nova versão para uma piada antiga. Bem que eu gostaria de ser a prova viva de que a separação por gênero está ultrapassada, mas infelizmente não é assim que acontece lá em casa: eu falo pelos cotovelos; meu marido é quem troca a carrapeta da torneira. Poder rir do fato de se encaixar tanto nos estereótipos, aliás, costuma ser bastante eficaz para desarmar potenciais conflitos.
Pois é, as diferenças podem levar ao conflito. Mas também podem ser excitantes.
Foi o que descobriu, tempos atrás, uma geração de homens que não gostava de mulher. "Vinicius de Moraes ensinou muito homem a gostar de mulher", costuma contar o escritor Antônio Torres. "Fui um deles. E quem não gosta, depois de ouvir Vinicius?" Claro que estes homens já apreciavam o corpo feminino, e todo o prazer que lhes proporcionava. Eram capazes de amar também a figura da mulher forjada e idealizada por eles próprios, e eventualmente até nomeá-la de "a mulher de verdade". De verdade?
Não, não era a mulher de verdade. Mas isso era um pequeno detalhe, em uma sociedade masculina e patriarcal. Até que as coisas começaram a mudar, com a entrada delas no mercado de trabalho. Alguns homens, aliviados do peso que antes carregavam nas costas ― agora podiam até assumir suas fragilidades ―, começaram a descobrir a "mulher de verdade" de verdade. E ficaram encantados. Com delicadeza e paciência, descobriram nuances que nem elas atentavam em si próprias. Fizeram seus melhores poemas para elas. Torres foi apenas um dos muitos que tiveram sua emoção tocada pela revelação do universo feminino, com a ajuda da poesia.
A mulher, no caminho inverso, passou a questionar a imposição do universo masculino ― com toda a razão, diga-se de passagem. Era uma conquista. Mas daí a perder a admiração pelo "modo de fazer" masculino vai uma grande distância. Uma distância que pode estar fazendo as mulheres desaprender a gostar de homem, de tão empenhadas que andam em consertá-los. Parecem ter esquecido como a diferença tem o poder de eletrizar, energizar, atrair. Talvez necessitem agora da mesma paciência e sensibilidade dos homens que se embrenharam pioneiramente no universo feminino, de corpo e alma ― e não só corpo.
Convenhamos: longe das boates de Barcelona e das fantasias femininas, o que acontece com um homem que chega sujo de graxa ou com a barba mal feita na casa da namorada? Leva uma bela bronca. Talvez esteja na hora de nós, mulheres, refletirmos sobre isso.
Você sabe se (ainda) gosta de homem quando admira a capacidade dele de resolver os problemas da forma simples ― e não da forma perfeita (até porque a perfeição feminina é inatingível). Quando percebe a doçura expressa em atitudes e gestos, jamais em palavras. Quando ri da roupa descombinada ou do jeito que ele carrega o bebê (não, o pescoço não vai quebrar; por isso o bebê não está chorando). Quando se conforta com o seu silêncio, e descobre que nem tudo precisa ser falado e repetido para ganhar existência. Quando inveja a paixão dele pelo time e o tipo de relacionamento que ele mantém com os amigos. Quando fica entretida em observá-lo de longe, sem que ele perceba.
Principalmente, você sabe que gosta de homem quando reconhece o esforço sincero dele para gostar de mulher. Assim, como elas são.
Tá, as mulheres são "complicadas e perfeitinhas", sim, Marta. Mas não vejo tantos metrossexuais no Brasil assim. Os homens parecem mais interessados em bancar o machão latino subdesenvolvido. E se tem mulher que gosta de homem que acha que manda, trai e trata a mulher como propriedade, tem psicanalistas ótimos por aí. Não sei que homem é esse que você diz. As mulheres são bem descomplicadas quando querem e têm TPM em datas específicas do mês. Homem você nunca sabe quando. O mês todo é de TPM. De caras que se acham tão engraçados, mas não podem ouvir uma crítica, que gostam de diminuir a mulher a todo instante e vibram com cenas vexatórias (ou que eles creem como vexatórias) de outras mulheres. Entre esse "homem" (se bem que realmente não tenha problemas com a graxa) e o metrossexual prefiro o segundo que caiba nas calças e saiba articular algumas palavras. Do meu ponto de vista (entenda-se, do MEU) a sua reflexão não chega a lugar nenhum. Ou, aliás, ao mesmo lugar comum de sempre.