COLUNAS
Quinta-feira,
22/10/2009
Palácio dos sabores 2/5
Elisa Andrade Buzzo
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Foto de Alberto Krone-Martins
Quem passa por esta altura da rua do Palais Gallien vai encontrar resquícios do tráfego intenso de bicicletas, autos e gente da praça Gambetta. É um pequeno trecho nervoso com mercearias 24 horas propagandeando sorvete norte-americano e frutas nas calçadas, além de fast-food: diversos kebabs, sanduíche de origem árabe com pão pita, carne de carneiro, molhos e salada, geralmente acompanhado de fritas; paninis; pequenas boulangeries com croissants, croque-monsieur (tipo de misto-quente); sanduíches em baguette, geralmente recheados com presunto e queijo ou atum e salada, é a maior pedida. E, se você procura um comercial, prato feito ou quilo, não encontrará nenhuma destas versões do crime. Abra a carteira e, alguns metros daqui, sente-se num restaurante com toalhas brancas que irá lhe servir entrada, prato principal, sobremesa e cafezinho. Quanto mais caro ele for, maior será a probabilidade de encontrar alimentos frescos e requintados em seu menu. Quanto mais descolada for a decoração, tenha em mente que aquela mirrada fatia de carne em seu prato provavelmente estava congelada, sem contar as ervilhas. No entanto, há um pequeno número de restaurantes, como o Palais de Saveurs, que une preocupação com a qualidade dos ingredientes e relativa economia de comer tudo em um prato só, o plat du jour (prato do dia). Pode parecer um atentado à alta gastronomia, mas trata-se de um bom restaurante, tudo fait maison e com preço acessível.
Nem mesmo guias como o Routard ou Petit Futé dão conta de descobertas gastronômicas que aliam preço razoável e qualidade ― é necessário bater perna e entrar nos bistrots e restaurantes, experimentar o que eles têm a oferecer e lembrar-se de que, se as opções mudarem a cada dia e a escolha de pratos for reduzida até três tipos, você estará o mais perto possível de uma boa refeição tipicamente francesa.
Estando ou não nos grandes guias, o hábito na França dos restaurantes colocarem o menu com os preços do lado de fora é algo de uma franqueza impressionante. Como a pequena lousa na qual Coralie escreve os pratos do dia, repetindo-os em voz alta enquanto desenha curvas decorativas nas letras, está o menu de um popular petit bistrot familiar, o Le Petit Chaperon Rouge. Todos seguem, ao menos neste ponto, o lema "Igualdade" da República Francesa. A l'eau du robinet (água de torneira) é sagrada e fraterna ― você vai encontrá-la em cima das mesas em garrafas de vidro, gratuitamente.
A poucos passos do cours Clemenceau, onde morava, venço o constrangimento e me aproximo do elegantíssimo Le Chapon Fin ― criado em 1825, um dos primeiros estabelecimentos premiados pelo Michelin em 1933 ― incrustado no famoso triângulo formado pelas avenidas Clemenceau, Intendance e Tourny, em pleno coração do centro. Toulouse-Lautrec e Sarah Bernhardt frequentavam-no. Percebe-se além, ao fundo do vasto corredor, clientes nas cadeiras estofadas de vermelho, o encosto pontiagudo como se resvalasse na decoração centenária de rocaille (tipo de decoração rococó feita com pedras e conchas). Misto de varanda europeia e gruta, a atmosfera é de riqueza e sonho; a beleza que se supunha imortal da Belle Époque ainda encontra-se lá de fato.
Nota do Editor
Leia também "Palácio dos sabores 1/5".
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
22/10/2009
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