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Segunda-feira,
26/10/2009
O roteirista profissional: televisão e cinema
Gian Danton
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Marcos Rey foi um dos mais atuantes e importantes roteiristas de televisão e cinema no Brasil. Na época das pornochanchadas, era o roteirista mais bem pago do mercado. Essa experiência, que começou com o rádio, deu origem a dois livros: o romance Esta noite ou nunca e O roteirista profissional: televisão e cinema (Ática, 1997, 144 págs.).
Antes de mais nada, é bom avisar que O roteirista... não é exatamente um manual. O autor até dá algumas dicas de como formatar o roteiro, mas não vai muito além da cabeça "Cena 1 ― Local ― Exterior/Interior ― Dia/Noite".
Na verdade, a obra é mais um relato de experiência com o qual podem aprender muito só os que forem inteligentes e atentos. Escrito de forma coloquial, a impressão que temos é de estar conversando com um veterano e aprendendo de forma não muito sistemática.
Experiência
Marcos Rey começou a escrever para o rádio, na Excelsior, de São Paulo, no final da década de 1940. Seu irmão, Mário Donato, era diretor artístico da emissora. Entre os roteiristas da casa estavam Jerônimo Monteiro, que também era roteirista de quadrinhos e autor de ficção científica.
Era uma equipe nova, que pretendia inovar a linguagem da radionovela com uma linguagem mais coloquial em contraste com a linguagem empolada e artificial que se usava na época. Foi um fiasco. A inovação chegou a provocar a ira até mesmo dos roteiristas de outras emissoras. Além da rejeição popular, havia a rejeição dos anunciantes, muitos dos quais eram os únicos patrocinadores das atrações e que não gostavam de ver atores falando como pessoas normais.
Quando surgiu a televisão, os primeiros autores de telenovelas eram oriundos do rádio e reproduziam na telinha todos os vícios do rádio. Além da fala empolada, os personagens chegavam a pensar em voz alta, contando o que estavam fazendo: "Os autores jamais se ocupavam da movimentação dos personagens em cena, como o cinema ensinava", conta Rey.
Vindo da experiência revolucionária da rádio Excelsior, Marcos Rey foi um dos primeiros a perceberem as características e potencialidades do novo meio e inovou novelas e seriados ao colocar os personagens falando como pessoas normais, inclusive com gírias. Mas esse embate entre o roteiro empolado do rádio e o dinamismo da televisão permaneceria por muito tempo e é um dos principais assuntos do livro.
Personagens
Uma das dicas é que Marcos Rey fazia uma espécie de questionário no qual "conversava com os personagens". Perguntas como: "Onde você nasceu? Qual a sua profissão? Gosta dela? Tem alguma religião? Já viveu algum grande amor? Tem algum ideal político? Gosta de repetir alguma palavra?" ajudam a compor o personagem. Todo mundo se lembra, por exemplo, do Coronel da novela Renascer que sempre dizia: "Certo, muito certo, certíssimo!".
No caso dos heróis, ensina Marcos Rey, é bom dar-lhe um defeito, para torná-lo mais humano: Sherlock Holmes era um dependente de drogas, Poirot um vaidoso, Columbo um relaxado, só para ficar nos detetives.
Como a televisão é uma mídia muito visual, também é bom marcar fisicamente o protagonista. Sherlock Holmes é conhecido pela roupa xadrez, pelo boné e pelo cachimbo. Kojak é careca e fuma uma piteira.
Diálogos
Marcos Rey dá uma lição básica, mas importantíssima: é preferível uma ação muda do que complementada por diálogos inúteis. Imagens também falam. A regra é nunca colocar em palavras o que a imagem já está tornando explícito.
Nesse sentido, ele critica os primeiros roteiristas de telenovelas, que, vindos do rádio, tinham o vício de fazer os personagens falarem o que estavam fazendo.
Ainda sobre diálogos, uma outra dica interessante são as rubricas, marcações nas falas dos personagens para ajudar o diretor a entender o tom da fala. Por exemplo:
Jandira (categórica): Neste hotel não vejo, não escuto, não falo!
Pascoal (de boca cheia): É bom fazer coisa nova. A freguesia tá mudando!
Novelas
Marcos Rey conta que a maioria dos diretores mexia muito nos seus roteiros, a ponto de muitas vezes ele não reconhecê-los na tela. De fato, normalmente diretores têm mais poder que os roteiristas e muitas vezes se dão o direito de mexer na história.
Isso só não acontece no caso das novelas. Os roteiristas são as grandes estrelas e têm poder absoluto sobre suas novelas. Os diretores não costumam mudar quase nada. E a razão é simples: a produção de telenovelas é tão estafante e apressada que o diretor só tem tempo de filmar e editar. É justamente o fato das novelas serem uma produção industrial que faz com que elas possam ser obras pessoais a ponto de conseguirmos distinguir o estilo do roteirista. Uma novela de Benedito Rui Barbosa, por exemplo, é completamente diferente de uma do Manoel Carlos.
Adaptações
Talvez o capítulo mais interessante do livro seja sobre adaptações. Embora preferisse trabalhar com textos próprios, Marcos Rey participou de várias adaptações, entre elas A Moreninha e Sítio do Picapau Amarelo.
Dessa experiência ele tirou uma lição: adaptações ao pé da letra, fidelíssimas, são péssimas. O ideal é obedecer a obra original não nos seus detalhes, mas no que ela tem de essencial, de permanente e contagiante.
Exemplo disso é A Moreninha. Quando foi ler o livro, o roteirista desanimou. Os personagens eram poucos e lineares. As moças queriam casar e nada mais, como na maioria dos romances água com açúcar do século XIX. A única inovação de Joaquim Manuel de Macedo foi introduzir uma protagonista morena, mas com alma de loira. A história já havia sido adaptada antes para o teatro, mas sempre como comédia romântica alicerçada em números musicais: "Nenhum grande drama, nenhuma paixão de fogo, nenhuma cena realmente palpitante a que o adaptador pudesse se apegar". Ou seja: não havia material para uma novela.
Marcos Rey resolveu a questão deslocando a ação para a segunda metade do século XIX e introduzindo assunto como a luta pela abolição da escravatura. Os personagens passaram a citar poetas e escritores, a comentarem as inovações tecnológicas da época, como a fotografia e o autocarro movido a vapor.
A Moreninha deixou de ser uma simples moça casadoira para se transformar em um personagem ativo, que tem opinião, toma partido, sabe amar e odiar. Como a musa de Macedo era prima do poeta Álvares de Azevedo, Marcos Rey fez com que a personagem também fosse, permitindo várias referências históricas e literárias.
A Moreninha foi um sucesso, levando ao estrelato sua protagonista Nívea Maria e mostrou que uma adaptação podia ir muito além do original.
Outra experiência curiosa de Marcos Rey aconteceu com a série do Sítio do Picapau Amarelo da década de 1970. Hoje, a maioria das pessoas esclarecidas diz que aquela adaptação da obra de Monteiro Lobato foi um marco, que encantou toda uma geração, mas na época a maioria dos intelectuais simplesmente odiou. E aí vai outra grande lição: nem sempre quem critica uma adaptação conhece a obra original.
Três exemplos:
1 ― Os críticos acharam uma heresia colocar uma televisão na sala da Dona Benta, mas não se tocaram que o Lobato já tinha colocado um rádio lá em plena década de 1920, quando esse aparelho era novidade absoluta.
2 ― Um episódio, "Narizinho atômica", foi muito criticado por estar deturpando a obra de Lobato. E era adaptação fiel de uma história menos conhecida de Lobato no qual ele falava do perigo das bombas atômicas.
3 ― A jornalista Cléo foi vista como absurda criação dos roteiristas, mas foi criada por Lobato, um visionário, que já imaginava o dia em que as mulheres exerceriam o jornalismo.
O roteirista profissional: televisão e cinema, embora não seja um manual, é um livro obrigatório para quem pretende seguir a carreira de roteirista. Além das valiosas lições, serve também pelo texto delicioso de Marcos Rey.
Para ir além
Gian Danton
Macapá,
26/10/2009
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