A esta altura eu começo a riscar os dias, como os presidiários de filmes. Menos um, menos outro, menos mais um. Assim passam os dias. O final do ano parece arrastar-se para um pouco além da borda do suportável. As propagandas insistentes e precoces (acho) de Natal começam a irritar. Nas Casas Bahia, na Renner, na Riachuelo, no Magazine Luiza e a musiquinha da Leader que nunca sai da cabeça da gente. Já é Natal na Leader, já é horaaaaa. Agora com novo arranjo. Carinha e vozinha nova para as mesmas coisas de sempre. Natais felizes são narrados na tevê, assim como os programas de entrevistas começam a pipocar falando de futuro e prognósticos. Uma verdadeira overdose de peças natalinas.
A esta altura eu começo a pensar que faltam menos de dois meses para a entrada de um ano novo que deveria me recarregar. O que farei no ano que vem? De diferente? Provavelmente nada. Talvez eu possa modalizar isso e dizer que "quase" nada, para deixar algum espaço para o inesperado. Uma viagem? Provavelmente não. Eu a faria apenas em casos muito específicos. Montando minha agenda de professora começo a garimpar os congressos que interessam. Umas dez pequenas viagens por ano, quase sempre sem sair do hotel.
Menos de dois meses. Antes disso há muita contracorrente para enfrentar. O pico da correção de provas. O rumor dos alunos que se formam. Os corredores cheios de desistentes, assim como de quem já passou. As cantinas mais cheias do que de costume e a biblioteca mais barulhenta do que o normal. Os vizinhos compram lonas de tampar piscina. O bairro começa a cheirar a panetone. Detesto frutas cristalizadas. Os bonecos de Papai Noel aterrorizam meus sonhos. Uma visita ao shopping para pagar contas no caixa eletrônico já é mais complicada. Ramos verdes, fitas vermelhas, bolas quebráveis e as festas de empresas que querem funcionários felizinhos com o sorteio da tevê de 32 polegadas. Patrão bom é isso.
Quase dezembro. Olhando aqui na folhinha torço para estarmos quase na metade do mês de novembro. Ainda há ar respirável no centrão. Dezembro é imóvel. As ruas ficam cheias demais de pessoas preocupadas com presentes que caibam no bolso. Décimo terceiro despejado nas lojas de 1,99. É apenas uma lembrancinha, alertam as tias e avós. As crianças são exigentes, claro, mas se enganam com qualquer chassi de plástico prata.
Novembro é mês morto. Tipo sexta-feira antes de feriado. Por qualquer desculpa se sai mais cedo. Não se deixa nada para resolver no Natal. Nem no Carnaval, que, afinal, são bastante parecidos.
Nos meus tempos de escola, ficávamos de férias mal terminava novembro. Eram plenos dois meses de isolamento dos professores e da arquitetura de cadeia (ou de hospital) que as escolas costumam ter. Dois meses para assistir à Sessão da Tarde, à novela em repeteco, brincar no meio da rua, com trânsito arrefecido, e brigar em jogos de videogame. Eram dois meses. Quinze dias na praia. Nada de menos pra pôr no currículo. Agora meu filho de cinco anos tem escola até dia 20 de dezembro. Minha escola terá dias letivos até Papai Noel chegar. Será pouco mais de um mês de umas férias tronchas. Correr para ver vovó, praia na primeira quinzena, o mais perto possível. O jeito é ir para a Região dos Lagos, onde encontraremos todos os outros vizinhos. Voltar e comprar mochila nova. Preocupar-se com os lanches diários, de novo.
Janeiro é morto. Em janeiro nada funciona direito. Nem empresa privada. Só hotel, e olhe lá. E se eu quiser ficar descalça em casa? Essa tem sido minha diversão. Réveillon não é mais nada. Verdade que nunca gostei de farra desbragada e nem de bebida alcoólica, mas uma festinha ia bem. Smirnoff Ice com gelo parece picolé de limão. Aquece. Música alta e boa. Amigos queridos a quem dizer "feliz ano novo". Nada mais. Mas Réveillon virou pó. Todo ano é ver os fogos na varanda lá de longe, onde alguém deve estar feliz e bêbado. Este ano, a depender dessa série de pequenos futuros, vou dormir no Réveillon. Pelo menos começo o ano descansada.
Natal é cada vez mais lembrança. Houve um tempo em que era farra de primos. Natal significava encontrar todo mundo pra brincar e ouvir os sorteios engraçados do tio animadão. A gente cresceu e os sorteios ficaram cansativos, os presentes pioraram, as crianças são outras. A avó está cansada, é menos comida (não a avó, mas o repasto mesmo), menos animação. As pessoas envelheceram e ficaram doentes. A avó fica sentada com cara de quem rememora. Em duas cadeiras estavam duas tias lindas no ano passado. Este ano as cadeiras estão vazias. Dia de finados foi intenso.
Natal começa a deixar a gente sem paciência em novembro. O que farei ainda antes dos estertores do ano? Última viagem para fora do estado. Mais duas ou três bancas. Dois relatórios. Três semanas de aulas e os alunos querendo fugir. O ar parece estar sempre acabando. Lá vem o Natal da Leader me lembrar que há batalhões a quem dar lembrancinhas, senão fica chato. Panetone trufado é melhor do que o tradicional. Ano de novo.
Estou pensando em passar o Natal acordado e o Ano Novo dormindo, já fiz isso algumas vezes. É a melhor experiência que alguém pode ter, pelo menos pra mim: passar um réveillon deitado, sem ver e ouvir nada. No outro dia, você acorda com a sensação de que tudo é apenas uma ilusão: a vida é como uma imensa noite de poucos mais, ou menos, 100 anos (passa muito rápido)... Se você não pensar, me disse uma vez, um professor, alguém pensará por você. Eis a grande verdade da vida.
Ana Elisa, adorei seu texto. Você está cheia de razão! E o pior: de finais de novembro até o Carnaval, no Brasil, nada de novo debaixo dos sóis de 40 graus (calor insuportável). Até mesmo a imprensa nos estanca. Hoje conferi "Estadão" e "Folha de São Paulo": pouco conteúdo, inúmeras propagandas e outros que tais desses nossos tempos do sempre igual e de fatos indecorosos.