Nada é mais previsível do que o Natal. Sabemos exatamente qual será o cardápio da ceia, que o assado estará cheiroso, mas um pouco seco; que vamos encontrar aquele parente chato, mas pelo menos dará pra falar mal dele depois; que falta de assunto se resolve com um vinho gelado, ou cerveja mesmo; que alguém nos oferecerá panetone, mas já que é para enfiar o pé na jaca, melhor optar pela rabanada; que no fim do dia teremos a sensação de dever cumprido e pança cheia, típica da data, e então será hora de pensar no réveillon.
Você bem que tentou antecipar as compras de Natal, mas faltou tempo ― sabe como é o mês de dezembro... Nos telejornais, imagens de shoppings lotados mostrarão o sufoco que você passou, meia hora para conseguir uma vaga, fila até nas escadas rolantes e mesas compartilhadas com estranhos na praça de alimentação, enquanto o esforço para ser criativo e econômico nas lembrancinhas ia por água abaixo. Quando as liquidações começarem, no dia 26 de dezembro, tudo pela metade do preço, você vai jurar que no ano que vem fará diferente, pretende sumir do mapa natalino e reaparecer depois ― com alguns óleos relaxantes, do spa onde se refugiou, para eventuais trocas de presentes tardias.
Pensando melhor, você não é mais um adolescente rebelde, e nesta época do ano convém admitir que, vá lá, família não é tão ruim assim. Então lembrará que as crianças se divertiram, que o parente chato, no fundo, bem lá no fundo, até que é gente boa, e o problema agora é decidir o que fazer com os presentes inúteis que ganhou e jurou ter gostado. Pode tentar trocar na loja, aproveitar para comprar uma roupa branca para o ano novo e para isso precisa... encarar o shopping! Pois é, nem mudou o ano e está fazendo tudo o que mais odeia, de novo.
Ok, você reconhece a recaída, mas jura que em 2010 será diferente. Para garantir, faz (ou atualiza?) a sua lista de resoluções. A vida passa rápido, é preciso ser feliz já, focar no que vale a pena, e essas mensagens de Natal que odiou responder acabaram deixando-o meio meloso. Seria 2010 o ano de sua guinada? Pensar de forma mágica ajuda, por isso você vai entremear a sua lista de obrigações chatas, que não serão cumpridas (perder três quilos, poupar 20% do salário), com iniciativas mais exóticas (conhecer um país, tocar um instrumento). Afinal, fazer essas listas é como jogar na Mega-Sena; a única serventia é poder sonhar um pouco.
Confesso que, entre as listas obrigatórias de fim de ano, tive dificuldades com a sugerida pelo Especial do Digestivo, com "melhores de 2009", já que meu retrovisor anda um tanto embaçado. Como a bola de cristal está tinindo, vamos às minhas previsões para o ano novo, outra lista deliciosa de fazer:
Em 2010, meia dúzia de celebridades vai dar mancada no Twitter e ficará um pouco mais célebre por causa disso.
Em 2010, famoso deixará definitivamente de ser adjetivo para ser considerado um substantivo.
Em 2010, a audiência da Globo terá novo recorde negativo, e ainda assim todo mundo à sua volta saberá o nome do protagonista da novela das oito, e achará pedante você fingir que não sabe.
Em 2010, a morte do livro será decretada 57 vezes por especialistas em mídias digitais.
Em 2010, o cinema alternativo vai tentar ser mais comercial, mas sem fazer concessões à arte, e o cinema comercial com pinta de alternativo vai ganhar o Oscar.
Em 2010, você vai assistir ao filme sobre a vida de Lula.
Em 2010, uma nova rede social vai substituir o Facebook, invadido pelos pobres do Orkut.
Em 2010, a política vai tomar conta da sua caixa postal, você vai acabar se envolvendo no assunto apesar de tudo o que disse antes, e defenderá o candidato menos ruim na mesa do bar.
Em 2010, comentários sobre o tempo deixarão de ser (falta de) assunto de elevador para ganhar ares de papo-cabeça-ambientalista-engajado.
No final de 2010, quando os críticos forem fazer as listas de melhores da década, algum espírito de porco lembrará que elas foram feitas um ano antes.
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Já que a coluna acabou versando sobre os inevitáveis lugares-comuns de fim de ano, não poderia deixar de citar ― e recomendar ― um livro no qual estou viciada: O Pai dos burros ― Dicionário de lugares-comuns e frases feitas, de Humberto Werneck. Para quem escreve, é uma diversão tê-lo ao lado do computador. Ao menor sinal de clichê brotando no texto, pego correndo o "dicionário" e fico eufórica ao constatar que, sim, ele está lá, devidamente catalogado.
O maior prazer, porém, não é evitar clichês e perceber a qualidade que o texto ganha sem esses penduricalhos. É poder empregá-los mesmo assim, consciente de sua função de "proteger-nos da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virtude de sua mera existência. Se respondêssemos todo o tempo a essa exigência, logo estaríamos exaustos" (Hannah Arendt, em A vida do espírito, citada no prefácio).
Já pensou como o Natal seria (mais) exaustivo sem o "Feliz Natal"? Pois então, sem pedir perdão pelo lugar-comum, um feliz Natal e um próspero ano novo para você.
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Em tempo: encontrei nesta coluna pelo menos quatro "antipérolas" citadas por Werneck em seu livro. São elas: "enfiar o pé na jaca", "dever cumprido", "sumir do mapa" e "por água abaixo". Quem sabe você descobre outras.
Ô Marta, esqueceste que 2010 é ano de Copa do Mundo, então vai aí mais uma previsão: o país inteiro engajado na campanha "Rumo ao Hexa": "Nunca na história deste país se viu uma Copa como esta...".
Seu texto é legal, mas as previsões... mais ou menos. Eu não só não sei o nome do protagonista de novelas como não sei os nomes das novelas atuais. A decisão de desligar os canais abertos e ficar só com o cabo (há anos) me fez muito bem. Agora quanto ao filme do Lula... nossa, essa você passou muito longe. Você acha mesmo que com tanto Eça de Queirós que (ainda) tenho pra ler, tanto museu em SP que ainda não visitei... eu lá vou perder meu tempo vendo um filme sobre isso?
Você pode não ser a Faith Popcorn, mas bem que as suas "previsões" podem ser consideradas tendências para 2010. Sei que sua intenção não é de futurológa ou muito menos a do marketing, mas fazem bastante sentido.