Enquanto agonizo, de William Faulkner | Wellington Machado | Digestivo Cultural

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Pimp My Carroça realiza bazar de economia circular e mudança de Galpão
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
>>> Primeiro Palco-Revelando Talentos das Ruas, projeto levará artistas de rua a palco consagrado
>>> É gratuito: “Palco Futuro R&B” celebra os 44 anos do “Dia do Charme” em Madureira
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
>>> E-book: Inteligência Artificial nas Artes Cênicas
>>> Publicação aborda como driblar a ansiedade
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O filósofo da contracultura
>>> Entre a folia e o Oscar
>>> minha santa catarina
>>> Softwares para ficcionistas
>>> Os solitários anônimos de Fusco
>>> Poco più animato
>>> A história do bom velhinho
>>> Ele é carioca
>>> Hoje a festa é nossa
>>> A Bienal e a Linguagem Contemporânea
Mais Recentes
>>> Flor de maio de Maria Cristina Furtado - Wanda Cardim pela Do Brasil
>>> Kit Araribá Geografia 7 - 3ª Ed de Vários Autores pela Moderna (2011)
>>> Geração Alpha Geografia - Ensino fundamental - 6º Ano (3ª edição) de Fernando Dos Sampos Sampaio pela Sm (2022)
>>> Mexique - O Nome Do Navio (capa dura) de Maria Jose Ferrada - Ana Penyas pela Pallas Mini (2020)
>>> Milo Imagina O Mundo de Christian Robinson - Matt de la Pena pela Pallas (2023)
>>> Um elefante quase incomoda muita gente (capa dura) de David Walliams pela Intrínseca (2014)
>>> A Roda da Vida de Elisabeth Kubler Ross pela Sextante (1998)
>>> A Espada de Salomão - A Psicologia e a Disputa de Guarda de Filhos de Sidney Shine pela Casa do Psicólogo (2010)
>>> Jamie Viaja de Jamie Oliver pela Globo (2011)
>>> 1001 Livros para Ler Antes de Morrer de Peter Boxall pela Sextante (2010)
>>> O Que Está Acontecendo Comigo? de Peter Mayle, Arthur Robins pela Nobel (2003)
>>> O Deus das Feiticeiras de Margaret Alice Murray pela Gaia (2002)
>>> Curso De Direito Constitucional de Guilherme Pena De Moraes pela Editora
>>> O Apanhador No Campo De Centeio. de J. D. Salinger pela Editora Do Autor (2016)
>>> A Ciência Através Dos Tempos de Attico Chassot pela Moderna (2004)
>>> As Três Perguntas - Baseado Numa História De Leon Tolstoi (2º tiragem) de León Tolstoi - Jon J. Muth pela Wmf Martins Fontes (2005)
>>> E a Bíblia Tinha Razão de Werner Keller pela Círculo do Livro (1978)
>>> Os Lohip-hopbatos Em A Guerra Da Rua Dos Siamipês de Flavio De Souza pela Companhia Das Letrinhas (2013)
>>> Matematica - 2º grau - volume unico (4º edição - 2º impressão) de Manoel Jairo Bezerra pela Scipione (1997)
>>> O Fantástico Mistério De Feiurinha (3º edição - 1º impressão) de Pedro Bandeira pela Moderna (2015)
>>> Poder E Desaparecimento de Pilar Calveiro pela Boitempo (2013)
>>> Poder E Desaparecimento de Pilar Calveiro pela Boitempo (2013)
>>> Sobre A Questao Da Moradia de Friedrich Engels pela Boitempo (2015)
>>> Ninguem Precisa Acreditar Em Mim de Juan Pablo Villalobos pela Companhia Das Letras (2018)
>>> Lutas De Classes Na Alemanha de Karl Marx pela Boitempo (2010)
COLUNAS

Segunda-feira, 18/1/2010
Enquanto agonizo, de William Faulkner
Wellington Machado
+ de 15700 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Sempre tive medo da cara de carrasco do escritor americano William Faulkner (1897-1962), pois ele me lembra o Stálin. Suas pálpebras cerradas, impiedosas; um olhar sarcástico de ditador. Encarar Faulkner (como escritor) era um desafio duplo: apagar sua imagem de ditador e adentrar em seu universo estranho, seco e intransponível, na visão de muitos críticos. Lá fui eu, com o lápis na mão, digladiar com o Faulkner. Agonizar?

A leitura de Enquanto agonizo (L&PM, 2009, 224 págs.) é uma experiência ímpar, indispensável para escritores ― principalmente pela aula de narrativa ― e para os amantes da boa literatura. O livro foi considerado um dos cem melhores romances do século XX. É um delicioso exercício de paciência desvendar o mosaico criado por Faulkner.

Tenho como método de leitura o que eu chamo de "entrar no clima" do livro: leio com vagar as primeiras 40 ou 50 páginas, anotando os nomes dos personagens, seu grau de parentesco, os detalhes da sua personalidade. Após esta etapa, a leitura flui com mais rapidez. Isto muitas vezes me causa transtorno, pois certos romances têm dezenas de personagens. Nestes, atenho-me apenas às figuras mais importantes e constantes. Com a prática a gente vai peneirando a essência. Lembro-me do trabalho que me causou a leitura de Cem anos de solidão, do García Márquez, com aquela infinidade de personagens, em suas várias gerações.

Ocorre que o livro de Faulkner, nas primeiras 30, 40 páginas não tinha "dado liga". Tive de começar tudo de novo, sem remorso. Livros enigmáticos e complexos são estimulantes. Muitas vezes o desvendamento, a travessia importa mais do que a própria história. Enquanto agonizo alia as duas coisas: história e narrativa são impecáveis. Eis uma prática cada vez mais rara na contemporaneidade: o debruçar persistente sobre livros e textos mais herméticos. De clique em clique, de site em site, a velocidade contemporânea vicia e retrai a paciência (será que o pensamento também?). Os constantes debates sobre e-books e (o fim dos) livros desviam do foco o cerne da questão: o ato de ler. A prática da leitura contemplativa e concentrada, sim, talvez corra perigo. Talvez a nova geração prefira as imagens e os games à leitura.

Com o perdão da digressão, voltemos. O título Enquanto agonizo vem das palavras, ou melhor, do pensamento da mãe (doente terminal), que está no leito de morte olhando fixamente pela janela, enquanto escuta o filho mais velho trabalhar cuidadosamente na feitura do caixão. A família (os Bundren) é pobríssima. Seria fácil se a história fosse narrada assim, clara e linearmente. Mas o leitor tem de suar. A narrativa inicia-se abruptamente num clímax, como se fosse um corte "daqui pra diante", mas aos poucos vão se revelando as cicatrizes do passado. As idiossincrasias, as agruras e rancores dos personagens vão surgindo aos poucos. Alguém lamenta que uma mulher (ainda não se sabe quem) desistira da compra de uns bolos que foram encomendados. Um dinheiro mísero, mas dado como certo, que auxiliaria aquela família no enterro da mãe. O livro começa assim.

À primeira vista o romance parece uma narrativa epistolar, mas são relatos isolados; intui-se pelo vigor das falas: são vozes individuais (versões) de cada personagem a ressoar nos ouvidos do leitor. Cada capítulo leva o nome de um personagem ― a maior parte é narrada pelos filhos. A personalidade de cada um é delineada pelo "outro". Ninguém fala de si próprio; todos são submetidos à criação ora condescendente ora impiedosa do outro. Ninguém tem "direito de defesa". Faulkner confronta a inquietante relação entre aquilo que "achamos que somos" e o que o "outro vê em nós".

O grande desafio inicial é identificar a relação entre os narradores. Mas tudo se aclara até a metade do livro, quando já podemos enxergar uma família composta por pai, mãe e cinco filhos ― quatro homens e uma mulher (adolescente). Todos narram, mas Faulkner dá a alguns a oportunidade de falar mais do que outros. Descobre-se que o filho mais velho é o verdadeiro líder, pois o pai está desmoralizado pelo passado, pelo desleixo no relacionamento com a mãe; ele é praticamente considerado culpado por sua morte. Curiosamente é o pai quem leva a cabo a promessa de realizar o enterro na cidade de Jefferson, a 70 quilômetros de casa, como desejara a matriarca. Há também um filho que é mais protegido pela mãe ― por sua vez o mais temperamental e incongruente. O outro irmão é ainda garoto ― nota-se no seu precário discurso. E a filha, adolescente, vive um drama à parte ao esconder uma gravidez indesejada.

Identificados os atores da trama, o foco passa a ser a viagem, o transporte do corpo até Jefferson. A família toda, mesmo sem recursos financeiros, parte em uma carroça caindo aos pedaços e enfrentando intempéries: pontes caindo, cavalos arrastados pela correnteza, incêndios. Como se não bastasse, o filho mais velho quebra a perna, abrindo uma ferida que apodrece com o passar do tempo. O leitor imagina, com o primor da narrativa, o odor da fissura de cor azulada na sua perna (que será amputada após o enterro); imagina também o cheiro do cadáver da mãe, que está há sete dias naquele caixão artesanal.

A viagem põe à prova as agruras da família Bundren ao lidar com a "diferença". O livro nos faz pensar na possibilidade de uma "convivência comum", mesmo diante das adversidades e dos limites de cada personagem. Os Bundren seguem vida, mesmo aos trancos e barrancos. Enquanto agonizo é um belo retrato da condição dos excluídos, dos que viviam à margem da aristocracia americana no início do século passado. Assim como nos grandes clássicos da literatura que versam sobre a "condição humana", as semelhanças (idiossincráticas, morais e psicológicas) dos personagens do livro com os que vivem hoje ao nosso redor não são casuais, nem mera coincidência. O "modo de ser" contemporâneo, a maneira de encarar as diferenças é que tem sido distinta. Ao nos depararmos com a arrogância, com certos privilégios, maledicências e imoralidades ― só para ficarmos nesses exemplos ― tendemos ao isolamento. Talvez isso seja até saudável.

Willian Faulkner não faz concessão ao entretenimento. Há uma sensação de alívio ao terminar a leitura. Não pelo fim do livro, mas pelo trágico da situação, pela penúria psicológica dos Bundren. Em Enquanto agonizo não há redenção. O escritor não abandona o leitor após a narrativa. Fico pensando por dias em como se comportarão os irmãos diante da ausência da mãe. Certamente o drama e a pobreza continuarão, pois não há perspectiva de superação material e psicológica dos personagens. Sinto que a travessia da família é uma metáfora da travessia do próprio livro. Uma travessia que desafia a superficialidade e o imediatismo contemporâneo.

P.S.: Pressinto que a cara de Faulkner sempre vai me assombrar; mas sua narrativa não mais.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Wellington Machado de Carvalho mantém o blog Esquinas Lúdicas, onde o texto acima foi originalmente publicado.

Para ir além






Wellington Machado
Belo Horizonte, 18/1/2010

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Um certo tom musical de Eduardo Mineo
02. O discreto charme dos sebos de Luis Eduardo Matta


Mais Wellington Machado
Mais Acessadas de Wellington Machado em 2010
01. A ilusão da alma, de Eduardo Giannetti - 31/8/2010
02. Enquanto agonizo, de William Faulkner - 18/1/2010
03. Meu cinema em 2010 ― 1/2 - 28/12/2010
04. A sombra de Saramago - 3/8/2010
05. Guimarães Rosa em Buenos Aires - 28/9/2010


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
17/1/2010
10h57min
Você mencionou "entrar no clima do livro" e eu fiquei tentado a dar meu pitaco sobre ele: apesar das questões sociológicas, psicológicas ou socioeconômicas levantadas, Faulkner vai além, vai para a questão mítica da literatura. É um épico, assim como "Moby Dick" de Melville. Um grupo de pessoas, unido por um objetivo comum que se apresenta quase como um karma, numa missão bizarra. É esse o clima, penso eu. Boa resenha, abraços.
[Leia outros Comentários de Guga Schultze]
26/1/2010
20h45min
Faulkner é maravilhoso, "As i lay dying" é um de seus textos mais "pedregosos", e todos sabem como o aspecto linguístico e formal do Faulkner é extremamente inovador. Fico curiosa em saber quem foi o tradutor que permitiu uma fruição tão agradável em português e deu azo à sua acurada resenha sobre a obra...
[Leia outros Comentários de denise bottmann]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Troca-troca
Maria Helena Portilho
Conquista
(1989)



Formando Equipes Vencedoras
Carlos Alberto Parreira
Bestseller
(2006)



Pedro e o Lobo
Ana Oom; Ana Fonseca
Ftd Didáticos
(2014)



Filhonstrengo Fifongo E A Chave Preciosa
Jonas Ribeiro
Elementar
(2016)



Afasias e Demências
Ana Paula Machado Goyano Mac Kay
Santos
(2003)



Para uma grande mulher
V e R
V e R
(1996)



Español Lengua Viva 4 Cuaderno de Actividades
Gonzalez/jose Fernandez
Geral
(2008)



Conversa Sobre Terapia
Bilê Tatit Sapienza
Paulus
(2004)



Matemática Financeira Com 12c e Excel
Cristiano Marchi Gimenes
Pearson
(2006)



Giba Neles!
Luiz Paulo Montes e Giba
Globo
(2015)





busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês