Acho desfile de moda uma coisa muito legal. O que eu mais gosto nos desfiles é mais ou menos o que também me atrai nas escolas de samba do Rio: o significado das roupas, dos materiais, das cores, dos elementos. Pena que, tanto em um quanto em outro caso, o que chega até o público leigo é muito pouco do que o criador (estilista ou carnavalesco) imaginou. Então pensei: vou ver com meus próprios olhos.
Descolei um ingresso para o 4º Paraná Business Collection, que aconteceu em Curitiba entre os dias 22 e 26 de fevereiro. Como terça-feira é minha única noite livre na faculdade, tinha que ser um desfile neste dia. Escolhi o do Fábio Bartz, porque uma vez fiquei paquerando uma peça dele na Galeria Lúdica (uma loja descolada aqui da cidade que mistura moda, arte e café-bistrô). Fora isso, não tinha mais nenhuma informação sobre o trabalho do moço.
Vesti uma roupitcha bacana, que mostrasse personalidade, mas que não fosse um look fake para o meu estilo. Achei que a combinação de cores ficou original. Provavelmente não chamaria a atenção de nenhum sartorialist, mas também ninguém atiraria pedras em mim pelo visual.
Chegando ao local dos desfiles, vejo que a maior parte das pessoas está vestida de maneira "normal". As criaturas fashion são poucas, e mesmo assim relativamente discretas. Como sempre, havia uma ou outra menina mais novinha, sem muito senso de ridículo, usando roupas "da moda" totalmente inadequadas para o biotipo ou estilo delas. E como nem os que pretendem ser originais escapam dos clichês, vi diversos meninos vestindo bermudas de tecido xadrez e barra italiana. Não aquelas bermudas de grunge ou skatista, e sim umas mais ajustadas, de bom menino.
Havia duas filas no local, que começavam em lados opostos e terminavam na entrada da área do desfile. As duas estavam do mesmo tamanho, portanto imaginei que fosse apenas uma questão de espaço, ou de melhor distribuição. Me posicionei ao final da primeira e fiquei ali, observando as pessoas, lendo os cartazes da exposição de chapéus, digerindo a nova experiência. Nesse meio tempo, chega um rapaz do Viaje Curitiba e pergunta se eu aceito responder uma pesquisa. Claro que aceito. Sou publicitária, as pesquisas fazem parte do meu trabalho, sei como é importante obter informações das pessoas, por isso sempre colaboro. E também é uma oportunidade de ver como o questionário é estruturado, quais as técnicas para fazer as perguntas etc. Elogio o evento, detono o trânsito de Curitiba e faço minha contribuição para as estatísticas turísticas da cidade.
A fila começa a andar e chega minha vez de entrar. Apresento meu convitinho e sou barrada: "moça, sua fila é a outra. Essa é só para quem tem convite numerado". Levanto a cabeça, dou uma volta na écharpe e sigo bem bonitinha lá para o fim da outra fila, que ainda não se mexeu do lugar. Mais uns minutos de espera. Os salgadinhos do estande do Sebrae me dão água na boca. No estande do Senai, uns cabidinhos de papelão despertam minha curiosidade. Queria pegar: salgadinho, cabidinho, tudo, mas não posso sair da fila. Paciência.
Enfim, chega a vez dos não-numerados. Entramos na sala de desfiles e é muito parecido com o que já vi na TV. Uma passarela ladeada por duas arquibancadas. Num extremo da passarela ficam os DJs, técnicos de luz etc. Na outra é por onde vão entrar os modelos. Sigo as orientações da recepcionista e escolho um lugar vazio na área da ralé. O lugar até que é bom, mas não tem aquelas sacolinhas charmosas da Galeria Lúdica que eu vejo na parte dos VIPs.
Lá pelas 19h30, já instalada, envio um "tuíte" via celular dizendo que o desfile ainda não começou. Ouço algumas pessoas reclamando e outras dizendo que no dia anterior houve 1 hora de atraso. Me conformo e espero, mas nem foi preciso. Logo começam os vídeos dos patrocinadores. Depois o telão sobe e revela uma fonte com uma cabeça de leão.
Ah! Esqueci de dizer que na passarela havia três beliches de ferro, daqueles antigos. Os colchões eram escuros, de um tecido áspero. Pensei: "oba, tem cenografia". Tento apreender o significado dessas peças: hospital? Colégio interno? Penso até em campo de concentração, porque assisti O Leitor esses dias e tem uma cena que se passa em um deles. As camas do dormitório do campo não são de ferro, mas estão "empilhadas" como beliches. Acho também que associei a cor dos colchões do desfile com o tom escuro dessa cena.
Vamos em frente. Entra o som e o desfile começa. Meninos e meninas contornam os beliches, vão até o final, fazem pose e voltam. De onde estou dá para ter uma boa visão. Tento fazer um apanhado geral das informações visuais para extrair algum significado. As cores são bem escuras e sóbrias. Tem petróleo, preto, cinza chumbo, cinza claro. Não tudo ao mesmo tempo. Há um degradê de momentos, digamos assim. Os tons em cinza são da última parte do desfile.
Percebo casacos estruturados e amplos, com golas enormes, que adoro. Parecem ser de moletom, o que torna a peça divertida. Eles são fechados por grandes botões, ou então por faixas, estilo quimono. Começo a tentar fotografar alguma coisa, e aí me desconcentro das peças. É tudo muito rápido. Vejo algumas roupas masculinas com aplicações de renda e transparências e me pergunto se vai vender. Ok, um pensamento raso, convencional, de classe média ― mas inevitável.
Outra coisa interessante é que alguns modelos vêm com balões de HQ colados na cabeça. Agora não consigo lembrar do que falavam e só depois, vendo o material de divulgação do desfile, é que fui entender a referência. Esse material eu nem sabia que existia. Quando o desfile terminou, depois de uns 10 minutos (fiquei com cara de boba, pensando: "Já???"), e as pessoas começaram a levantar, vi umas caixinhas quadradas, da espessura de um CD, em algumas cadeiras. Peguei uma delas e levei comigo.
A saída era por outro lugar. Obrigatoriamente tínhamos que passar pelo show room dirigido aos lojistas, onde as marcas expunham suas coleções. Perambulei por ali e consegui ganhar alguns catálogos, mas logo a festa terminou. Em alguns estandes eles perguntavam de onde eu era, qual era minha loja, e quando eu dizia que era publicitária e queria um catálogo como referência, logo perdiam o interesse. Confesso que alguns até me olharam com cara feia, provavelmente achando que eu estava fazendo-os perderem tempo com gentilezas e salamaleques para quem não iria comprar nada. Depois disso, fiquei com medo de chegar em outros estandes e fui embora.
Mais tarde, em casa, abri a caixinha. Não havia nada dentro dela, só textos impressos na parte interna. Será que, originalmente, continha algum folder ou catálogo? Bem, o texto era o que me interessava mesmo. Finalmente, uma explicação! A coleção de Fábio Bartz chama-se Dream a little dream of me e foi inspirada nos quadrinhos Sandman. Tudo gira em torno do sono, dos sonhos, dos pesadelos, da noite e do amanhecer. Por isso as camas, as cores escuras e o degradê do desfile (yes, isso eu captei!). Fizeram sentido os cabelos meio desgrenhados dos modelos, como depois de uma noite de sono, e os lábios contornados de preto ou cinza, como lábios de zumbis.
Gostaria de ter lido esse material antes, para poder entrar no clima do desfile, absorver as informações visuais dentro do contexto. Fico encantada com esse processo criativo que parte de uma referência conceitual e se materializa em cores, tecidos e botões. Claro que todo esse processo exige profissionalismo, tempo, estudo, investimento em pesquisa, o que deixa a roupa mais cara lá na ponta. E nem sempre temos grana para bancar. Porém, nada impede que a gente imprima personalidade ao nosso vestir, mesmo que as peças venham do grande magazine, do supermercado ou até do camelô. Basta ter algo a dizer.
Bacana quando um "alguém" (vulgo Adriana) que não é propriamente da área de moda, mas que curte desfiles e a loucura do tão chamado "mundinho fashion", entender que tudo que está alí na passarela não vem de devaneios ou de um porre em uma noite qualquer. Tudo exige muito trabalho e claro, pesquisa e mais pesquisa! Adorei a postagem, deu praticamente para "presenciar" o desfile mesmo que de longe. =)