A coluna da minha colega Daniela Sandler, na semana passada, falando sobre o Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, me fez pensar, mais uma vez, na diversidade cultural entre os lugares. Não é preciso nem sair do país. Do Nordeste para o Sul do Brasil há muitas diferenças. Este assunto é meio recorrente nos meus textos, porque fiquei, e ainda fico, espantada e encantada com as diferenças de vocabulário, culinária e costumes entre a minha realidade anterior (morando no Sul) e a atual (morando no Nordeste).
Essas diferenças são sempre muito comentadas, e volta e meia acabam como assunto na televisão. Algumas reportagens são interessantes, mas outras caricaturizam demais as diversidades. Recentemente, em uma reportagem no Jornal Hoje, Carla Vilhena imitava um sotaque que ela pretendia que fosse nordestino, para anunciar uma reportagem sobre diferenças de vocabulário no Brasil. Ficou ridículo. O Sul ainda acha que o Nordeste é uma região pitoresca, com praia e sertão, um imenso auto da compadecida que as pessoas encenam para os turistas.
O fato é que o Nordeste tem suas peculiaridades culturais que devem ser respeitadas, assim como o Sul, o Centro-Oeste, o Norte, e o Sudeste. A mídia apresenta o Brasil conforme a estética sociocultural Rio-São Paulo. Quando tenta mudar o cenário para outras regiões, acaba caindo na caricatura. Essa discussão é muito velha, e não quero enveredar por ela com muita profundidade. É apenas uma introdução para contextualizar a diversidade cultural, e as manifestações práticas dessa diversidade, que como disse antes, ainda me surpreende todos os dias.
Uma das coisas mais interessantes para se observar nas cidades é o tipo de comida servido na rua. Em Salvador lembro de ter achado muito engraçado os carrinhos com garrafas térmicas de café e copinhos plásticos. Alguns carrinhos eram superincrementados, tinham vários formatos. Lembro bem de um deles que parecia um caminhãozinho de brinquedo. Na caçamba ficavam as garrafas e os copinhos. Com a mania que a gente tem de avaliar a realidade alheia pelos nossos parâmetros, fiquei surpresa por encontrar tanta gente vendendo café em um lugar tão quente. Por que não vendiam suco gelado, por exemplo?
Em Curitiba, fora os camelôs das frutas, não tenho lembrança muito vívida de algum comércio representativo de alimentos na rua. Acho que o principal é o carrinho de pipoca, principalmente perto de escolas, pontos de ônibus. Já em João Pessoa o que se encontra bastante é o famoso espetinho. Em toda esquina tem uma pequena estrutura montada para assar e servir espetinhos de carne, frango, queijo coalho e até camarão. As estruturas mais precárias contêm uma churrasqueira feita de lata, potes plásticos com os espetinhos, um isopor para gelar a bebida e cadeiras plásticas para os clientes. Os espetinhos mais sofisticados contam com carrinhos específicos, e às vezes até “peruas” adaptadas para conter todos os equipamentos necessários ao churrasquinho.
Os pontos de espetinhos normalmente são muito fáceis de ser montados e desmontados, e vão onde o povo está, literalmente. Os vendedores chegam à noite, e sem a menor cerimônia, montam suas churrasqueiras nos calçadões na beira da praia, onde todo mundo caminha. Não precisa pagar ponto nem aluguel. Não existe vigilância sanitária, banheiro, nem qualquer tipo de estrutura de apoio. É extremamente democrático, e ao mesmo tempo inconveniente, porque utiliza um espaço destinado a outras atividades. Nestes espetinhos da beira da praia sentam-se juntos o rico e o pobre. As pessoas gostam porque não há nenhum formalismo, o acesso é facílimo e o preço é ótimo: cada espetinho custa de R$ 0,50 a R$ 1,00. Ao mesmo tempo é um pouco perigoso, porque a gente nunca sabe a procedência e nem o estado de conservação dos ingredientes.
Confesso que já arrisquei a saúde do meu aparelho digestivo em um desses espetinhos, mas pelo jeito, estragado não estava. É claro que só provei espetinhos de frango bem passado, nunca de carne (aqui são poucos os locais que vendem carne bovina com inspeção da vigilância sanitária), e mesmo assim em lugares indicados por pessoas de confiança. Aliás, a única coisa que me fez mal aqui, até agora, foi uma manga meio passada, mas isso não é culpa da cidade.
Apesar de não concordar muito com essa proliferação de espetinhos em todo lugar que se ande, não consigo deixar de admirar as diferenças entre os hábitos de cada região. Sinto falta da ordem aparente de Curitiba, onde quase tudo tem lugar e horário certo para acontecer, mas também consigo reconhecer que a informalidade um pouco caótica de João Pessoa torna as coisas mais fáceis, mais acessíveis, mais democráticas. Acho que as autoridades não coíbem com muito empenho estas atividades informais e irregulares, porque as pessoas podem começar a lembrar de outras coisas que deveriam ser mais democráticas e acessíveis, como saúde, educação, integridade administrativa...
Parabéns pelas conclusões do último parágrafo, Adriana. Sugiro, sem modéstia nenhuma, a releitura da minha coluna 'Em nome do caos'. Aposto que as fichas vão cair em cascata.
É muito legal poder conhecer João Pessoa e ver as diferenças culturais entre as regiões do país através das suas colunas, Miss Baggio. Obrigado e parabéns!
Adriana, não se reprima! Coma os espetinhos sem medo de ser gorda ou de passar mal. Passei uns poucos dias em João Pessoa há um tempo atrás, a serviço, e adorei a cidade! Aliás, ainda existe o restaurante Mangai? Fechava às segundas. Nada mais nutritivo e saboroso do que uma boa tapioca com queijo de coalho. Não tenha medo, o fogo mata os bichinhos. Aproveite! Sonia Pereira.
Olá Sonia
O perigo não é engordar, muito peo contrário! O perigo é pegar uma intoxicação e definhar no hospital! Exageros à parte, é só saber os lugares confiáveis. O Mangai ainda existe, sim, e é uma delícia mesmo! Adoro o pão de macaxeira deles e a mousse de graviola. Imperdível!