"Este terrível filtro que me condena ao suplício, fui eu, eu mesmo quem o preparou... E o bebi em grandes goles de delícia." (Tristão e Isolda).
A paixão é um doce tormento. Todos sabem. O amor feliz não existe na história da literatura ocidental, escreveu Denis de Rougemont no seu famoso livro O amor e o ocidente. Temos a prova. E sabemos que isso não se resume apenas à literatura, mas às nossas próprias vidas.
Werther se matou com a arma que Carlota limpou momentos antes do tiro fatal que daria no próprio peito. Ele diz: "Elas passaram pelas tuas mãos, e lhes limpaste a poeira! Beijo estas armas mil vezes, pois foram tocadas por ti! A morte me vem como sempre desejei, pelas suas mãos". Sabendo da morte de Werther, por suicídio, "a vida de Carlota perigou por muito tempo".
Jeanne Hebuterne pulou da janela, estando grávida, porque seu amado, o pintor Modigiliani, havia morrido. Romeu e Julieta enlouqueceram e abraçaram o Nada com os corações partidos.
Tristão e Isolda mergulharam nas águas tenebrosas dos próprios sentimentos amorosos e Richard Wagner inspirou-se neles para compor a mais impressionante ópera da história, terminando a música com a mais dolorosa expressão de dor jamais criada por um músico: "Canção de amor e morte". Sobre o cadáver de Tristão, Isolda canta o Liebestod, e as duas almas se fundem numa só, no hálito do universo. Através do tecido orquestral Wagner faz sobressair nos acordes tristes e impressionantes do oboé o tema da magia do amor e do desejo ardente de Isolda pela união com a morte.
"Bem-me-quer, mal-me-quer", dizia Margarida no famoso trecho do Fausto, de Goethe, que nos mostra como o amor pode nos levar a estados perigosos. De sua alma atormentada pela ausência do amado sai o lamento doloroso:
"Foge-me o sossego!... Ah! Não encontro jamais, jamais, a paz do meu coração enfermo! Em toda a parte onde não o vejo, vejo um túmulo! O mundo inteiro se cobre de luto! Sinto a cabeça estalar, o espírito aniquilar-se! Fiquei o dia todo à janela para vê-lo ou para correr ao seu encontro. Seu andar altivo, seu porte majestoso, o sorriso de sua boca, o poder de seus olhos. E o encanto de sua palavra, o aperto da sua mão! E, ah, seu beijo! Sinto um aperto no coração quando ele se aproxima! Ah! Porque não posso agarrá-lo e prendê-lo para sempre! E beijá-lo à vontade! E acabar os meus dias sob os seus beijos!"
Madame Bovary delirava para lá e para cá, destruindo tudo à sua volta, porque estava em busca do que apenas alguns homens podem ter na vida: o amor absoluto.
Petrarca compôs os mais belos sonetos de amor à Laura, inventando a paixão e seus intermináveis delírios incontroláveis. E Dante precisou de Beatriz para viver a Vita Nuova e compor sua obra marcante.
Empédocles, filósofo da Antiguidade grega, dizia que o amor, Eros, é uma força que tende a unificação dos seres.
Quando se apaixona o sujeito é banhado numa emoção sublime, como relata Werther, o mais apaixonado dos amantes: "Uma serenidade maravilhosa, semelhante às doces manhãs de primavera, que gozo tão intensamente, tomou posse de minha alma inteira".
Para o racionalismo psicanalítico, a loucura de Werther é explicável: "a plenitude é inatingível porque o amor é proibido. Eis a estratégia do mito do amor: a conversão do impossível em interdição a fim de que seja mantida a promessa de felicidade". No amor, "da esperança ao fracasso, o sonho se transforma em martírio a serviço do gozo. Nega-se a castração para sustentar a ilusão de que o amado tem o que falta ao amante". (Ver Nadiá Ferreira no seu livro A teoria do Amor).
Os poetas, ao contrário da tradição racionalista, aceitam a indefinição da origem do amor. Veja-se Fernando Pessoa: "Porque quem ama nunca sabe o que ama/ Nem sabe por que ama, nem o que é amar...".
Segundo Jacques Lacan, as fantasias do amor quebram o limite entre a realidade e a mentira, conduzindo o homem a esbarrar em alguma coisa da ordem do intransponível.
Para o poeta Mário Alex Rosa, "Amor matemática não exata/ cálculo que não se calcula/ soma diminui multiplica/ na medida do impossível".
Ama-se para aceitar as meias-verdades ou se ama para encontrar toda a verdade?, pergunta Nadiá Ferreira em seu livro.
O apaixonado é uma espécie de Antígona que só pode vislumbrar a vida sob a forma do que está perdido. O amor cortês se fincava na tríade prisão da qual não se pode fugir ao se amar: sujeito/ objeto/ falta. Quem escapa disso até hoje?
O amor não gera só amor, gera desamor, ódio, nas palavras de Camões: "Mas como causar pode seu favor/ Nos corações humanos amizade,/ Se tão contrário a si é o mesmo amor?".
Freud, no seu livro Para além do princípio do prazer, reúne amor e morte, como os românticos, pois o anseio básico é o do Nirvana, o desejo de apagar a "febre chamada viver". Desejo de viver e de morrer. Todo apaixonado diz: "eu quero morrer!".
No estado de paixão o amado é divinizado, torna-se valor onipotente, por isso todos os dissabores são atribuídos a ele e somente a ele.
A paixão é o único lugar possível para o encontro total entre o Eu e as pulsões profundas da sexualidade. Por isso se diz que é mais intenso, mais gostoso e mais vibrante fazer amor quando se está apaixonado.
O amor místico não se diferencia da paixão. Como é o caso das descrições de São João da Cruz, com sua exclamação: "Ó queimadura suave", ou Santa Tereza, que quando em êxtase era possuída pelo amor divino, que assim descreveu: "É um martírio ao mesmo tempo delicioso e cruel. A alma desejaria que seu tormento nunca acabasse. Uma vez submetida a esse suplício, ela desejaria que durasse o que lhe resta de vida. Desse desejo que num instante penetra toda a alma nasce uma dor que a faz elevar-se acima de si própria e da criação".
Segundo Helmut Hatzfeld, nos seus Estudos sobre o Barroco, para Dante o amor é o grande segredo que enobrece a humanidade, a caritas que tudo abrange, que encerra dentro de si o amor sublime. A sua musa, Beatriz, além de ser a amada de sua juventude e o amor sublime e ideal, encarna também esse amor-caritas. Mas quando no inferno faz arder Francesca e Paolo, vítimas do amor sensual, Dante se sente intimidado, porque a força catastrófica da paixão o comove e abala: "Amor, che a nullo amato amar perdona". ("Inferno", Canto V, verso 105)
A paixão é também amor narcísico, como revela os sonetos de amor de Camões: "Transforma-se o amador na coisa amada/ por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar,/ pois em mim tenho a parte desejada".
Ainda Camões define muito bem o poder do amor sobre nós: "É estar preso por vontade;/ É servir a quem vence, o vencedor;/ É ter com que nos mata lealdade".
O amor às vezes é motivo de prazer e dor ao mesmo tempo, satisfação e insatisfação, como nos ensina o poema "Inferno de Amar", de Almeida Garret: "Este inferno de amar ― como eu amo!/ Quem me pôs aqui na alma... quem foi?/ Esta chama que alenta e consome,/ Que é a vida ― e que a vida destrói!/ Como é que se veio atear,/ Quando, ai quando se há de ela apagar?"
O amor romântico alimentava-se da infelicidade, da busca do sofrimento e de amar-se mais o amor que o próprio objeto amado. A dor sendo um meio privilegiado de conhecimento deve ser buscada incessantemente. Acaba-se por amar a chama ardente da paixão e a consciência do que arde em nós no momento do amor. O que se ama é o romance, com suas intensidades, variações, adiamentos, seu crescendo, até a catástrofe final ― uma viagem de autoconhecimento.
O coração apaixonado é caprichoso, como diz Werther: "Trato meu coração como se trata uma criança doente: satisfazendo a todos os seus caprichos". E não poderia ser diferente, dadas as exigências da paixão.
Diferente do desejo, que é apressado e fugaz, como disse Rougemont, "o amor é lento e difícil, compromete toda uma vida e exige esse mesmo compromisso para revelar sua verdade".
O pensador francês Roland Barthes escreveu em seu livro Fragmentos de um discurso amoroso que "o suicídio de Werther era a sua morte enquanto sujeito amoroso". Não só dele, Barthes, mas de todos nós que um dia nos apaixonamos perdidamente.
Pode-se saber tudo sobre a paixão, o que não é suficiente para se escapar de suas garras e ter paz dentro de seus deliciosos tormentos.
Termino com um trecho da ópera Tristão e Isolda, de Wagner, onde podemos encontrar algumas palavras sobre a impossibilidade da explicação do mistério do amor: "Esse mistério, não posso revelar-te. Mas onde estive? Não saberia dizer... Era lá onde sempre estive e onde estarei sempre: o vasto império da noite eterna. Nesse lugar, apenas uma ciência nos é dada: o divino, o eterno, o esquecimento original. Oh! Se eu pudesse contar! Se tu pudesses compreender-me".
Aviso aos navegantes: para provar do manjar dos deuses, para poder triunfar no amor, é preciso se submeter completamente à sua vontade, pois, uma vez declarada, a paixão exige muito mais do que satisfação; ela quer tudo, sobretudo o impossível: o infinito num ser finito.