Há uma falsidade no ar! Estão me enganando. Sorriem para mim (ora, mas eu nem o conheço). Estou um pouco abalado, apreensivo, talvez. Com certeza, uma depressãozinha, aquela sadia, que todos devem ter um dia.
Está frio! Isso piora a sensação. Devemos ser felizes? Devemos nos dar bem com todos? Vejo pessoas na rua desagasalhadas. Se eu fosse realmente bom, tiraria o meu melhor casaco e daria para ela?
Meus pensamentos começaram no teatro. A peça A grande volta, com Fúlvio Stefanini e Rodrigo Lombardi, discute a relação de um pai, ator malsucedido, com o filho, publicitário, recém-demitido ― logo eles, que vendem a felicidade. Nunca haviam se falado de verdade. Tido intimidade! Lá às tantas, Fúlvio diz que não precisa sempre falar coisas inteligentes ao comentar como a lua estava bonita.
Fiquei pensando se isso não era a causa da minha tristeza. Cansei de sempre termos que falar coisas bonitas, complexas, profundas. É tão gostoso sentir o cheiro da manhã, tomar um café à tardezinha, ler o jornal despretensiosamente, admitir que gosta de Zorra Total (tá bom, exagerei).
A sociedade parece sempre estar fingindo. Devemos ter os sentimentos certos, o gosto correto, a roupa adequada. Quantas obrigações. Haja sofisticação...
Como estou cansado de fingir, o bonito é aquele casal de velhinhos conversando em uma praça, de mãos dadas. Quantos conseguem atingir isso? Poucos: as estatísticas demonstram que a maioria dos casais se separa antes dos três anos de casamento.
Por que isso acontece? Provavelmente porque estamos em uma era de individualismo. Não se divide mais nada. O que é meu é meu! Não dou ou empresto. Todos querem muito. Como um casamento, que prega justamente o contrário, pode continuar e prosperar?
Talvez seja a sociedade: competitiva e predatória. Talvez, e pior, porque impossível mudar, seja a natureza humana. Nos unimos para vencermos, mas e quando vencemos sem nos unirmos? Separamos!
Falando em casamento, fui há um muito bonito no sábado passado. O pai do noivo era também o pastor. Na prédica, a simplicidade. Nada de discutir política mundial, macroeconomia ou tentar fazer os ouvintes terem uma epifania.
Pelo contrário: ele ensinou aos noivos o básico, mas algo que todos esquecem ou querem esquecer com o passar do tempo. Para o noivo, disse que toda a mulher gosta de pequenas surpresas, um chocolate, uma rosa, uma valsa e até mesmo, pasmem, um pequeno elogio. Um reconhecimento. Lembrou-o, também, que mulheres, em geral, são mais emotivas e gostam de ver as estrelas, a lua e o céu.
Para a noiva, disse que todo homem é mais prático. Não tem o sexto sentido. Porém gostam de uma comida caseira feita especialmente para ele, de ver a esposa bonita e bem arrumada, fidelidade e, também, pasmem, um pequeno elogio. Um reconhecimento.
Para os dois, advertiu: nunca durmam brigados. É a pior atitude que vocês podem ter.
Fiquei emocionado. Um discurso despretensioso, mas profundo, que todos comentaram durante e após a festa. Alguns tirando sarro da esposa, pela falta da comida gostosa, mas todos sabiam o principal daquela mensagem: a paz.
Se não a paz mundial, pelo menos a paz familiar. Os ensinamentos do pai-pastor fizeram com que todos refletissem se o que perseguimos é real. O que é a felicidade? Como você define a felicidade?
Os filmes nos mostram uma utópica. Os romances, idem. Eu sonho com um dia na praia, coqueiros, céu azul, sem nuvens de preferência, com uma linda mulher e uvas sendo colocadas na minha boca. Acho difícil que aconteça, mas quem sabe.
Tudo é tão pretensioso. Tudo deve ser tão sofisticado. Nunca estamos satisfeitos com o que temos. Aposto que se eu estivesse na praia, com os coqueiros, um lindo dia e uma linda mulher, ainda me faltaria a sombra.
Por isso gostei da prédica. Nada de dinheiro, casas, carros e viagens. Muito menos aqueles discursos bíblicos ininteligíveis. Falava sobre a simplicidade. Como podemos agradar um ao outro sem prepotência e fingimento.
Na peça, pai e filho se aproximam após uma boa e sincera conversa. Simples, não?
Mas não é só. Minha única mudança no discurso seria acrescentar que podemos fazer o mesmo com nossos filhos, irmão, amigos e colegas de trabalho. Podemos ser mais sinceros. Falar a verdade.
Temos tantos problemas inventados pela sociedade, que merecemos descomplicar o complicado. Bucólico? Não! Simplesmente mais tranquilo e menos pretensioso. Não precisamos voltar à vida campestre, mas chega de perseguirmos o inatingível ― antes que me critiquem, não estou coibindo o sonho, só chega da palavra "falta". Sonhem com algo possível, menos material, mais espiritual.
Concordo em número, gênero e grau. A conversa, o diálogo, serve para qualquer relação humana. Qualquer. E é imprescidível para o bom andamento das coisas.
A pior coisa do mundo é você conviver com alguém quardando uma mágoa desta pessoa. É essencial que exista diálogo entre as pessoas, principalmente com as que moram conosco; o esposo ou a esposa, principalmente. Nós nos sentimos muito melhores sabendo que estamos bem com todos ao nosso redor - e eles também.
simplesmente sofisticado Assim mesmo sem vírgula nem ponto e nem mesmo caixa alta. Essência, pura e simples. Infeliz daquele que, diante desse texto, diante das pessoas que praticam o que o texto simplesmente retrata, não for cordato. Temos aqueles que por falta de atitude, postura, caráter ou dignidade trocam o diálogo por silêncio calunioso, não querem se comprometer com o entendimento do mais simples, pois lhes exigirá o rogo da prática. Obrigado por seu texto, querido escritor.
Daniel, gratidão por esse texto. Me descomplicou, me aliviou. Que bom que profissionais da mídia tenham essa visão mais espiritual, mais equânime, menos inatingível! Esse lugar não existe, é um grande clichê que liga o nada a lugar nenhum. Que bom que há luz e discernimento na caverna de Platão.