Os brasileiros que visitam museus em outros países já estão acostumados: na hora de pegar fones para ouvir explicações sobre as obras expostas, ou folhetos com as informações do acervo, raramente há a opção do idioma português. Nos tempos em que éramos mais um país exótico do globo, onde muitos imaginavam que se falava espanhol, não me ocorria questionar a discriminação. Assisti com curiosidade até o chinês entrar no "cardápio" do turismo internacional, onde há décadas já eram obrigatórios os caracteres dos ricos japoneses, e continuava raciocinando que brasileiro tinha mesmo que conhecer um mínimo de inglês, ou pelo menos espanhol, para merecer o acesso a toda a grandeza da cultura europeia. Se não soubesse outras línguas, que se contentasse com aquela excursão "um ônibus brasileiro na Europa".
No entanto, em minha última viagem, em maio, acabei encasquetando. Em Paris, depois de dez dias na Itália, li na internet que os turistas brasileiros gastaram no exterior, segundo o Banco Central, US$ 4,6 bilhões no primeiro trimestre deste ano, 70,3% a mais do que no mesmo período de 2009. Nos noticiários das TVs italiana e francesa, só dava Lula, tratado como respeitada liderança internacional. Tinha acabado de me despedir de um casal amigo que partia para Atenas, atrás das pechinchas oferecidas pelo turismo local para tentar compensar os estragos da crise econômica. Na Itália, me deparei com três manifestações contra a perda de direitos de funcionários públicos ― incluindo dez minutos de um protesto solene do corpo de baile do Teatro Massimo, de Palermo, antes da apresentação da ópera Maria Stuarda. E logo constataria que Paris estava ainda mais invadida por brasileiros. Se eles andassem em grandes grupos, tivessem olhos puxados e fossem os únicos com pequenas câmeras nas mãos, certamente a ocupação seria tão evidente quanto à dos turistas japoneses décadas atrás.
Não fiz o tour completo de museus parisienses (alguém consegue?) ― ao contrário: como só tinha dois dias na cidade, escolhi a dedo o D'Orsay, meu preferido. Portanto, não posso afirmar estatisticamente a quantas anda a oferta do idioma português no circuito cultural de Paris ― onde, aliás, os brasileiros sempre são vistos com simpatia. Mas achei emblemático que, depois de tantas evidências da nova posição do Brasil no jogo de forças político-econômico internacional, eu chegasse ali e observasse uma enorme oferta de idiomas para guiar os visitantes pelo espetacular acervo do museu, com exceção do português. Lá estavam o chinês, o russo, o grego...
Para termos algum grau de comparação, a população da combalida Grécia soma 11 milhões de habitantes, e pode-se imaginar que hoje um reduzido percentual esteja apto a engrossar o turismo internacional. Enquanto isso, do lado de cá do Atlântico, no antigo "terceiro mundo", que virou "país em desenvolvimento" e evoluiu para "emergente" até ganhar o status de BRICs, 4% do populoso Brasil faz viagens anuais para o exterior, o que representa cerca de 7,6 milhões de pessoas.
Já de volta ao Brasil, eu reconheceria como precipitada a minha conclusão de que a nova posição do país no cenário global estava sendo ignorada. Na pilha de jornais e revistas acumulada durante a viagem, li uma nota d'O Globo comentando que a Galeries Lafayette contratou vendedoras brasileiras para aproveitar todo o potencial de consumo da legião verde-amarela em Paris. Lá, somos conhecidos como os "brazilionaires". No mesmo jornal, outra reportagem dava conta da maior procura por cursos de português no exterior: o número de alunos nas escolas credenciadas pelo Itamaraty no exterior pulou de 13 mil, em 2000, para 27 mil no ano passado. Na Argentina, o governo decidiu incentivar o ensino do português, colocando-o como opção em toda a rede fundamental de ensino.
A revista Época trazia uma explicação extra para a voracidade dos compradores brazucas em galerias e outlets estrangeiros. A nossa elevada carga tributária faz com que uma diversificada gama de produtos seja muito mais barata no exterior. Nada que alguém que já tentou comprar um iPod não tenha constatado, mas mesmo assim os dados da reportagem impressionavam. Por sinal, nesta viagem tive que dar o braço a torcer: depois de dez dias lutando contra o consumismo no pequeno grupo com quem descia de carro pela Itália, acabei convencida a gastar algumas horas comparando preços e fazendo compras ― e estava feliz com a economia que fizera. No entanto, fique claro, não me convidem para uma viagem de compras a Miami.
Tentando juntar a profusão de experiências e indícios, e ainda zonza pelo fuso horário, acabei na dúvida: o novo peso relativo do Brasil na economia e na política mundial vai levar a um maior reconhecimento global em relação à língua portuguesa? Ou será que as hordas de turistas que preferem as compras aos museus (culpa do câmbio e da política tributária?) conseguirão no máximo colocar o nosso idioma nos manuais dos produtos e no vocabulário dos vendedores? Só sei de uma coisa: depois de constatar o orgulho de italianos monoglotas ("Não falo inglês, sou italiano!"), e ver como tantas nacionalidades conseguem impor seus idiomas por não terem uma cultura multilíngue, acho que chegou a hora dessa gente bronzeada (e às vezes milionária) perder a vergonha de não falar inglês. E, por que não, reivindicar fones em português. Protestar, como fazem os europeus.
Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blogEspuminha.
Talvez, e eu disse só "talvez", o brasileiro, diferentemente de outros povos, não se incomode com o fato do português não ser falado em outros lugares. Estamos acostumados com o colonialismo e vamos carregar o "complexo de vira-lata" por muito tempo.
Por outro lado, me incomoda a arrogância de quem chega em outro país e crê que sua lingua tem que ser falada no universo inteiro. Assim, não acho tão ruim a modéstia idiomática do brasileiro.
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. Para mim tanto faz se os outros sabem português. Quem não conhece, não sabe o que está perdendo. Antropofagicamente, eu como as outras línguas também. Quem só come um prato, não sabe o que está perdendo.
Eu pertenço a um outro mundo, daquela minoria que não vê na língua qualquer pretexto para se fazer política. Outro dia encontrei um colega que disse conhecer toda a Europa e EUA, mas não conhece uma só praia do nordeste brasileiro. Fala fluentemente inglês e não está preocupado com o fato de o português ser ou não falado lá fora. Assim como ele, a grande maioria dos turistas brasileiros no exterior são míopes para problemas brasileiros. O Lula quando vai ao exterior fala apenas o português, e não cobre dele outro idioma. O FHC até no paraguai falava em inglês. A língua, voltemos à sua origem, quer apenas possibilitar a comunicação. É apenas isso o que ela deseja. Não a tome em manifesto ufanista, pois a comunicação será preterida. Agora, com todas as ferramentas de comunicação que estão surgindo no embalo da internet, muito em breve surgirá uma língua universal, de modo natural, sem imposições. A língua será de fato um idioma universal. A exemplo do beijo de língua.